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20/08/2003 - 04h43

População iraquiana odeia Nações Unidas

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

Quando a reportagem da Folha de S.Paulo voltou a Bagdá em 10 de abril, dois dias depois da queda do regime de Saddam Hussein e depois de passar duas semanas na capital iraquiana ainda sob bombardeio, chamava atenção a quantidade de carros incendiados pela parcela da população que, revoltada, foi às ruas para saquear. Entre os veículos destruídos, várias eram as novíssimas caminhonetes azuis e brancas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Até então, estes jipes esperavam na chamada Terra de Ninguém, a faixa de terra na fronteira iraquiana-jordaniana. Tinham sido removidos para lá no ultimato de George W. Bush, quando o secretário-geral da organização, Kofi Annan, mandou retirar todos os seus funcionários do Iraque. Os funcionários esperavam ali o fim da ditadura, pois julgavam que então poderiam entrar a salvo no país e ajudar a reconstruí-lo.

Foi o que fizeram já no dia 9 de abril, para encontrar, em vez das flores e abraços, a revolta da população. Funcionários bem-intencionados tiveram de correr de seus carros, que foram então saqueados e incendiados. Este episódio ilustra perfeitamente o erro principal da organização no Iraque: seus burocratas ainda não perceberam que o iraquiano médio odeia a ONU com a mesma intensidade com que odeia os invasores norte-americanos.

Afinal, seu país sofreu 13 anos de embargo econômico aprovado e implantado pela entidade, decisão que depauperou o Iraque e afetava a população em questões que iam da infra-estrutura (faltavam canos para esgoto, por exemplo) ao dia-a-dia (as crianças não tinham papel para escrever na escola; usavam embrulhos, jornais velhos etc.). Além disso, foi a mesma ONU que nos meses pré-guerra patrocinou o desmonte militar do país, que depois seria invadido mesmo assim.

Não importa à população que o causador do embargo tenha sido o próprio Saddam Hussein, ao invadir o Kuwait em 1990. Sob censura severa, o iraquiano passou os últimos dez anos sendo "informado" exclusivamente pelo governo e acreditando que a entidade sediada em Nova York era apenas mais um braço a serviço do imperialismo ianque.

A ignorância da ONU quanto a este sentimento do iraquiano se revela no descuido com que vinha tratando de sua segurança em Bagdá. O local escolhido para ser quartel-general, o hotel Al-Qanal, é exemplo disso. A cerca de oito quadras a noroeste do hotel Palestine, fica no meio de um bairro pobre, na margem "errada" do rio Tigre, longe da chamada cidade nova e portanto distante da segurança do comando militar norte-americano.

A guerrilha que toma o país hoje tem sua origem nos saques que explodiram por todo o Iraque assim que a panela de pressão em que viviam os iraquianos nas últimas três décadas foi destampada.

Assim, os ataques contam com uma lógica, perversa, mas lógica: logo após a queda de Saddam, os primeiros alvos foram os edifícios e as pessoas ligadas ao antigo regime; depois, evoluíram para os invasores que teimam em não deixar o país --nos 43 dias oficiais da guerra, morreram menos de 50 soldados norte-americanos, este número dobrou no pós-guerra.

Agora, parecem acertar contas com os supostos colaboradores das forças invasoras. Primeiro, foi a embaixada da Jordânia, país acusado de fechar os olhos para a presença militar norte-americana durante a guerra. Depois, a ONU, pelos motivos já citados.

E o que os motiva é o paradoxo que define a atual situação no Iraque: a população odiava a ditadura sangrenta de Saddam, é agradecido à coalizão anglo-americana por derrubá-la, mas quer que os invasores deixem o país o quanto antes --ontem, de preferência. Como os EUA não dão sinal de que largarão o osso tão cedo, a guerra está só começando.

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