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20/08/2003
-
05h03
da Folha de S.Paulo
O ataque à sede da ONU no Iraque evidenciou uma mudança da resistência iraquiana que já vinha sendo observada desde o atentado contra a Embaixada da Jordânia, em 7 de agosto. A oposição tornou-se mais estratégica e organizada, não poupando alvos civis.
Esse fenômeno tem duas razões, segundo analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo. "Primeiro, há uma tentativa dos grupos que se opõem às forças de ocupação de convencer populações de outros países, sobretudo a americana e a britânica, de que a veleidade de reconstruir o Iraque constitui um esforço vão, já que o país é tão hostil que não há chance de sucesso", analisou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (Pittsburgh).
"Segundo, ataques aos tipos de alvo que esses grupos têm privilegiado ultimamente, como oleodutos, redes de distribuição de água ou a própria ONU, só fazem sentido se os líderes da resistência acreditarem que, neste momento, seja crucial impedir que a vida da população civil iraquiana melhore em termos práticos. Tudo isso denota certa estratégia e planejamento, o que não existia logo após o fim dos principais combates", acrescentou o pesquisador.
De acordo com William L. Nash, general da reserva do Exército dos EUA e diretor do Centro para Ação Preventiva do Council on Foreign Relations (Washington), a tentativa dos grupos que protagonizam a resistência iraquiana é "descreditar a habilidade da coalizão anglo-americana de manter a segurança no Iraque, principalmente em sua capital".
"Semeando o caos, eles tentam mostrar à população iraquiana que os esforços de reconstrução não estão sendo bem-sucedidos. Se isso ocorre, a culpa, no mínimo aos olhos da resistência iraquiana, é da coalizão anglo-americana, que comanda todos os trabalhos", apontou o general Nash.
Para Bobrow, "o raciocínio da resistência é simples: vamos impedir que os EUA ganhem a guerra pelos corações e pelas mentes dos iraquianos". "Interessante é o momento em que essa transformação da oposição armada ocorre. Se faz isso agora, é porque pensa que chegou a hora de tentar influenciar a opinião pública internacional e a iraquiana. Esta, vendo que sua situação não melhora, tenderá a criticar a coalizão."
Outro aspecto vital da transformação da resistência é como ela afeta o moral das tropas anglo-americanas que estão no Iraque. Segundo Bobrow, "os militares dos EUA já sabem que Washington cometeu um erro básico" ao colocá-los na situação atual.
"Antes eles estavam frustrados com os ataques que sofriam. Agora estão decepcionados porque perceberam que a crise é ainda mais grave, já que nem mesmo funcionários internacionais são poupados. Os soldados do Exército e os marines estão muito irritados com a cúpula civil da defesa americana", afirmou Bobrow.
Nash não concorda. "Esse tipo de atentado dará alento aos militares dos EUA, que estão preparados a enfrentar o desafio. Ademais, a comunidade internacional deverá mostrar-se mais favorável aos esforços americanos."
Ímã para extremistas
Para Richard Bolliet, especialista em islã da Universidade Columbia (Nova York), a situação tende a agravar-se em breve. "O Iraque está se tornando um ímã que atrai extremistas de outras partes do mundo islâmico. Já há centenas, talvez milhares, de sírios, jordanianos ou sauditas que lutam ao lado dos iraquianos."
Para Bobrow, isso reflete outro "erro básico" da administração americana. "Inúmeros analistas preveniram Washington do risco potencial que a invasão de um país árabe e muçulmano representava. O Iraque poderá transformar-se no novo Afeganistão." A URSS tentou debelar a resistência afegã por dez anos, de 79 a 89, antes de deixar o país derrotada.
Especial
Saiba tudo sobre a guerra no Iraque
Resistência quer descreditar coalizão anglo-americana
MÁRCIO SENNE DE MORAESda Folha de S.Paulo
O ataque à sede da ONU no Iraque evidenciou uma mudança da resistência iraquiana que já vinha sendo observada desde o atentado contra a Embaixada da Jordânia, em 7 de agosto. A oposição tornou-se mais estratégica e organizada, não poupando alvos civis.
Esse fenômeno tem duas razões, segundo analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo. "Primeiro, há uma tentativa dos grupos que se opõem às forças de ocupação de convencer populações de outros países, sobretudo a americana e a britânica, de que a veleidade de reconstruir o Iraque constitui um esforço vão, já que o país é tão hostil que não há chance de sucesso", analisou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (Pittsburgh).
"Segundo, ataques aos tipos de alvo que esses grupos têm privilegiado ultimamente, como oleodutos, redes de distribuição de água ou a própria ONU, só fazem sentido se os líderes da resistência acreditarem que, neste momento, seja crucial impedir que a vida da população civil iraquiana melhore em termos práticos. Tudo isso denota certa estratégia e planejamento, o que não existia logo após o fim dos principais combates", acrescentou o pesquisador.
De acordo com William L. Nash, general da reserva do Exército dos EUA e diretor do Centro para Ação Preventiva do Council on Foreign Relations (Washington), a tentativa dos grupos que protagonizam a resistência iraquiana é "descreditar a habilidade da coalizão anglo-americana de manter a segurança no Iraque, principalmente em sua capital".
"Semeando o caos, eles tentam mostrar à população iraquiana que os esforços de reconstrução não estão sendo bem-sucedidos. Se isso ocorre, a culpa, no mínimo aos olhos da resistência iraquiana, é da coalizão anglo-americana, que comanda todos os trabalhos", apontou o general Nash.
Para Bobrow, "o raciocínio da resistência é simples: vamos impedir que os EUA ganhem a guerra pelos corações e pelas mentes dos iraquianos". "Interessante é o momento em que essa transformação da oposição armada ocorre. Se faz isso agora, é porque pensa que chegou a hora de tentar influenciar a opinião pública internacional e a iraquiana. Esta, vendo que sua situação não melhora, tenderá a criticar a coalizão."
Outro aspecto vital da transformação da resistência é como ela afeta o moral das tropas anglo-americanas que estão no Iraque. Segundo Bobrow, "os militares dos EUA já sabem que Washington cometeu um erro básico" ao colocá-los na situação atual.
"Antes eles estavam frustrados com os ataques que sofriam. Agora estão decepcionados porque perceberam que a crise é ainda mais grave, já que nem mesmo funcionários internacionais são poupados. Os soldados do Exército e os marines estão muito irritados com a cúpula civil da defesa americana", afirmou Bobrow.
Nash não concorda. "Esse tipo de atentado dará alento aos militares dos EUA, que estão preparados a enfrentar o desafio. Ademais, a comunidade internacional deverá mostrar-se mais favorável aos esforços americanos."
Ímã para extremistas
Para Richard Bolliet, especialista em islã da Universidade Columbia (Nova York), a situação tende a agravar-se em breve. "O Iraque está se tornando um ímã que atrai extremistas de outras partes do mundo islâmico. Já há centenas, talvez milhares, de sírios, jordanianos ou sauditas que lutam ao lado dos iraquianos."
Para Bobrow, isso reflete outro "erro básico" da administração americana. "Inúmeros analistas preveniram Washington do risco potencial que a invasão de um país árabe e muçulmano representava. O Iraque poderá transformar-se no novo Afeganistão." A URSS tentou debelar a resistência afegã por dez anos, de 79 a 89, antes de deixar o país derrotada.
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