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10/09/2003 - 04h24

Iraque explicita limites da política externa dos EUA pós-ataques

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

O 11 de Setembro provocou uma drástica reorientação da estratégia de segurança nacional da administração de George W. Bush, que passou a privilegiar o combate ao terrorismo e a luta contra a proliferação das armas de destruição em massa.

Após a deposição do Taleban afegão, que apoiava a rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden --responsável pelos atentados--, esse fenômeno teve fortes consequências sobre a política externa americana e deu origem à Doutrina Bush, o conjunto de princípios e de métodos defendidos por Washington para proteger os EUA de ataques terroristas e consolidar sua hegemonia.

Ela parte do pressuposto de que cabe aos EUA (a única superpotência global) proteger o mundo civilizado dos grupos terroristas. Assim, ela autoriza o lançamento de ataques preventivos a Estados que poderiam lhes fornecer armas de destruição em massa.

Foi, portanto, essa Doutrina Bush que, mesmo sem a anuência formal da ONU, permitiu a invasão do Iraque para depor o ex-ditador Saddam Hussein. Este, de acordo com Washington e com Londres, possuía armas de destruição em massa e poderia utilizá-las, direta ou indiretamente, contra os interesses ocidentais.

Todavia, ante o caos que reina no Iraque hoje e a forte oposição de aliados tradicionais dos EUA, como a França e a Alemanha, a essa política, Washington não poderá continuar a aplicá-la indiscriminadamente, segundo analistas consultados pela Folha de S.Paulo.

"Não concordo com os meios utilizados na aplicação da nova estratégia de segurança nacional. Seus objetivos são corretos, contudo seus métodos não são sensatos. Bush tem sido muito unilateral e não dá atenção suficiente ao peso do "soft power" americano [a força de um país que advém de sua influência cultural e ideológica sobre o restante do planeta]", analisou Joseph Nye, reitor da Kennedy School of Government da Universidade Harvard (EUA).

"A excessiva confiança de Washington em seu "hard power" [o uso de instrumentos militares e econômicos para coagir outros atores políticos, econômicos ou sociais a fazer o que eles não querem] poderá revelar-se perigosa. Assim, creio que Bush e seus assessores enxerguem longe no que se refere a seus fins, mas sejam míopes no que diz respeito aos meios que empregam."

Ademais, o unilateralismo americano pós-11 de Setembro gerou uma reação negativa de boa parte da comunidade internacional. Washington acabou se afastando de alguns de seus aliados europeus e enfraquecendo entidades multilaterais, sobretudo a ONU.

Todavia isso não seria suficiente para alterar esse quadro. Foi preciso o fracasso inicial do projeto iraquiano (sem mencionar a situação do Afeganistão) para que os formuladores das políticas americanas mudassem de atitude.

"Duas alas preponderantes na concepção da atual política externa dos EUA estão em péssima situação hoje. Os conservadores tradicionais, como [Donald] Rumsfeld [secretário da Defesa] e [Dick] Cheney [vice-presidente], e os neoconservadores, como [Paul] Wolfowitz [subsecretário da Defesa]", avaliou Ivo Daalder, do Instituto Brookings (EUA).

"Elas têm muito em comum, porém não são iguais. Os conservadores queriam depor Saddam, pôr um pouco de ordem no Iraque e passar seu governo aos iraquianos, como no Afeganistão. Os neoconservadores criam na possibilidade de democratização. O momento político lhes deu uma vitória efêmera, mas a realidade os compeliu a aceitar mudanças."

É irrefutável que, nas últimas semanas, ambas as alas conservadoras perderam força para o Departamento de Estado, de Colin Powell, um secretário bem mais multilateralista que Rumsfeld.

Com isso, a contragosto, os EUA se viram obrigados a solicitar a ajuda da ONU na reconstrução do Iraque. Seu custo elevado e o significativo número de mortes entre os soldados americanos tiveram grande influência na decisão de Washington, contudo a verdade é que o pós-guerra imaginado pelo Pentágono fracassou.

Isso serviu para explicitar os limites do unilateralismo americano e da Doutrina Bush. Logo, para Eric Fassin, especialista em EUA da Escola Normal Superior (Paris), é "a hegemonia do país no século 21 que está em jogo".

"Os EUA estão enfraquecidos, mas tudo dependerá do modo como eles agirão agora. Se derem um verdadeiro papel à ONU no Iraque, talvez venham a admitir as falhas da Doutrina Bush. Paradoxalmente, isso os favoreceria a longo prazo. Se não o fizerem, deverão pôr em risco sua aliança com a Europa", apontou Fassin.

Os dias que antecedem a Assembléia Geral da ONU, cujos debates começam em 23 de setembro, serão decisivos nesse sentido.

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