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11/09/2003 - 02h52

Doutrina Bush mina elo transatlântico

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

A Doutrina Bush, o conjunto de princípios e de métodos preconizados por Washington para proteger os EUA de ataques terroristas e para consolidar sua hegemonia, pôs em xeque a aliança entre os EUA e a Europa ocidental.

Por conta do unilateralismo demonstrado por Washington nos últimos meses, a França e a Alemanha, que constituem o motor da União Européia (UE), entraram em rota de colisão com os EUA. Paris ameaçou até usar seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU --caso ele decidisse apoiar a invasão do Iraque.

Essas divergências poderão ter consequências graves no futuro se Washington se mantiver unilateralista, relegando à ONU um papel secundário na reconstrução iraquiana (apesar da veleidade de ceder mais espaço à entidade manifestada por autoridades americanas na última semana), segundo analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.

"As relações transatlânticas não serão abaladas demais no futuro por causa da crise. Continuará a haver acordos e desacordos. Porém, se a administração americana não se mostrar mais multilateralista, os desacordos deverão ser mais frequentes que os acordos. Mas isso não significa que a aliança transatlântica conhecerá seu fim", analisou Hubert Védrine, ex-chanceler francês (1997-2002).

De fato, se os falcões do governo mantiverem sua influência na política externa de George W. Bush, haverá um distanciamento mais nítido entre os valores dos EUA e os de alguns dos principais países europeus, aprofundando o fosso criado pela Guerra do Iraque.

Todavia, para Charles Kupchan, do Council on Foreign Relations (EUA), a situação é ainda mais séria. "As atitudes do governo Bush mostraram à Europa que há as diferenças vitais entre seus interesses e os dos americanos. Os europeus, sobretudo os franceses e os alemães, perceberam que não podem influenciar Washington e tiveram de repensar o modo como agirão em relação aos EUA."

De acordo com Charles Tilly, autor de "From Contention to Democracy" (da contenção à democracia), o que realmente está em jogo é o "sistema multilateralista criado após a Segunda Guerra". Os principais assessores de Bush não querem se curvar às restrições impostas pela ONU. Isso fará com que até os aliados dos EUA "se sintam ameaçados".

Segundo Kupchan, a médio prazo, isso servirá para consolidar a UE, apesar das divisões atuais. "Mesmo o Reino Unido, o maior aliado geopolítico de Washington, notará que não tem muito a ganhar com seu apoio aos EUA."

A chamada "nova Europa" ainda é a incógnita da equação. Contudo, em tempos de paz, os países do Leste Europeu deverão concluir que não podem perder a oportunidade que lhes foi oferecida pela "velha Europa" --uma verdadeira adesão à UE.

Kupchan acredita que mesmo a Rússia já tenha compreendido que uma aproximação com os EUA não lhe renderia os frutos esperados. "Os russos fizeram várias concessões estratégicas para aproximar-se dos americanos na última década, no entanto nunca foram tratados como parceiros. Hoje eles percebem que a UE pode ser mais interessante do que eles imaginavam", explicou.

Vale lembrar que o comércio internacional da Rússia apenas com a Alemanha já se equipara ao que ela tem com os EUA. Isso sem falar nos outros 14 atuais membros da UE. Esta, a propósito, deverá contar com 25 países a partir de maio do próximo ano, tornando-se um mercado ainda mais atraente para os russos.

Assim, embora tenha constituído um sucesso inicial (com a vitória bélica no Iraque), acrescendo o capital político interno do presidente, a Doutrina Bush não garante que a hegemonia dos EUA seja considerada positiva pela comunidade internacional. A dificuldade americana em encontrar países para ajudar na reconstrução do Iraque é um bom exemplo.

Ora, se Washington não abrir mão da intransigência geopolítica de sua atual administração, o grande perdedor será o "sistema multilateralista benigno" --representado pela ONU--, de acordo com Tilly.

Isso "transformará a cena internacional em algo ainda menos seguro, num momento em que a ameaça terrorista ainda é das mais importantes".
 

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