Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
11/09/2003 - 07h24

Artigo: O mundo após dois anos do 11 de Setembro

Publicidade

SAMUEL FELDBERG
especial para a Folha Online

Comemora-se hoje o segundo aniversário do ataque que mudou a maneira como todos vivemos; mas estamos vivendo em um mundo melhor. Certamente há críticas à postura dos Estados Unidos como a potência dominante, mas lentamente vão-se consolidando as mudanças iniciadas após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, nas cercanias de Washington.

Analisemos os principais elementos do cenário internacional:

1 - A Coréia do Norte voltou a negociar as condições para o abandono de seu programa nuclear e suas ameaças de proliferação. Foram engajados neste processo os atores regionais, aqueles que mais sofrem a pressão de uma eventual retomada do poder de armamento nuclear do país. E os Estados Unidos figuram somente como o promotor do processo.

2 - No Afeganistão, apesar de Osama Bin Laden [chefe da Al Qaeda e responsável pelos atentados terroristas do 11 de Setembro] não ter sido encontrado, foi desestruturada a máquina que dava apoio a sua organização e, ainda que não seja possível eliminar completamente a capacidade operativa do Al Qaeda, certamente tornou-se muito mais difícil arquitetar novos atentados.

3 - No Irã vem amadurecendo lentamente, ao longo dos últimos vinte anos, uma postura pragmática de convivência regional. O governo está ciente das pressões da maioria da sociedade por uma flexibilização, o programa nuclear está sendo acompanhado de perto pelas agências internacionais e sem dúvida nenhuma, o ataque ao Iraque serviu como alerta da capacidade dos Estados Unidos de projetar poder na região.

4 - A Líbia, talvez influenciada pelos acontecimentos mais recentes, volta a aproximar-se da comunidade das nações. Aceitou a responsabilidade pelo atentado contra o avião da Pan Am e propôs-se a indenizar as vítimas em troca do final das sanções.

5 - O Iraque, apesar de todas as críticas, vem se estabilizando paulatinamente; aindas há atentados contra soldados americanos, mas é importante lembrar que estes ocorrem quase que somente na região central onde se concentrava o grupo governante ligado a Saddam Hussein. A Liga Árabe reconheceu a nova estrutura de governo do Iraque o que dá legitimidade no mundo árabe à mudança de regime imposta pelos Estados Unidos. E os atentados perpetrados contra a embaixada jordaniana e a mesquita xiita em Najaf são deploráveis mas provocaram muito menos vítimas que a política genocida do governo deposto; faz parte do processo de eliminação da ameaça terrorista também o controle de grupos que se propõe a minar a consolidação de um novo governo no Iraque. E desapareceu o temor de uma infiltração iraniana via identidade xiita, tornando-se claro que as duas vertentes tem mais elementos que oposição que de convergência.

6 - Em Israel e na nos territórios palestinos, finalmente, pouco mudou; israelenses e palestinos continuam a massacrar-se mutuamente, a proposta de engajamento dos quatro grandes através do plano de paz internacional elaborado pelo Quarteto [EUA, Rússia, ONU e União Européia] resultou impraticável e a discussão continua a girar em torno dos mesmos temas: neutralização de Iasser Arafat, separação unilateral e construção do muro de separação entre Israel e os territórios ocupados. O novo governo palestino durou pouco, já que sem o controle dos grupos palestinos armados [o monopólio do uso da força] não haverá governo efetivo e os israelenses continuarão a se sentir no direito de praticar a política norte-americana de prevenção e preempção.

7 - Questões menos diretamente ligadas à segurança também sofreram grandes transformações. Os controles financeiros implementados para secar a fonte de financiamentos às organizações classificadas como terroristas e os controles impostos ao transito de produtos e passageiros nos Estados Unidos certamente estão influenciando a vida do cidadão comum, mas ainda não há nenhuma reação importante da maioria da população. Eu estava em Nova York no dia do apagão e foi surpreendente, tanto a extensão do seu efeito, como a tranquilidade com que o impacto foi absorvido. Ainda que em um primeiro momento se aventasse a possibilidade de um ataque terrorista a uma central nuclear, não houve nem pânico nem desespero, salvo em casos muito específicos como aqueles que se viram presos por horas nos túneis do metro.

8 - Ainda em relação à ação no Iraque, dissipou-se a atmosfera venenosa entre os Estados Unidos e vários países europeus que se opunham à invasão. Consolidada a ocupação, passou-se a etapa de "divisão do espólio", do qual desejam participar, principalmente a França e a Rússia. A China continua em seu "isolamento esplêndido", concentrada na continuidade de sua bonança econômica.

9 - A economia começou a recuperar-se, pelo menos nos Estados Unidos, que tendem a liderar o resto do mundo. Os grandes déficits norte-americanos parecem estar sendo administrados e a desvalorização do dólar americano tende a melhorar as exportações e a diminuir o déficit da balança comercial. E o petróleo continua a fluir, baseado na identidade de interesses, de produtores e consumidores, na manutenção de uma estabilidade do abastecimento e dos preços.

Há certamente muito a fazer em outras áreas, direitos humanos, ajuda humanitária, liberalização do comércio, questões ambientais. Mas em termos de segurança internacional, das ameaças aos padrões ocidentais de vida consolidados com a derrota da antiga União Soviética, estamos certamente numa posição melhor que em 11 de setembro de 2001.

Samuel Feldberg é cientista político do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP (Universidade de São Paulo)
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página