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26/09/2003 - 12h45

Morte de tetraplégico provoca debate sobre eutanásia na França

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da Folha Online

A morte de um jovem tetraplégico, mudo e cego que pediu que sua mãe o ajudasse a morrer provocou hoje na França um debate sobre a revisão da proibição da eutanásia no país.

Vincent Humbert, 22, morreu hoje às 10h45 (5h45 em Brasília) em Berck-sur-mer (norte da França), depois que sua mãe, Marie Humbert, 48, injetou barbitúricos na sonda intravenosa do filho na noite de quarta-feira (24). Marie chegou a ser detida por acusação de assassinato mas foi libertada e hospitalizada.

"Eles apenas nos disseram que ele morreu. Tivemos o que queríamos, ele teve o que queria. Estou feliz que meu irmão está livre agora. É um enorme alívio", declarou Laurent Humbert, à rede de TV LCI.

O pai de Vincent havia pedido aos médicos para pararem de lutar contra a morte do filho, que estava em coma depois que sua mãe tentou ajudá-lo a morrer. Ele disse que estava "furioso e revoltado" com as tentativas de salvar seu filho.

"Tudo o que minha mulher fez seria um fracasso se eles mantiverem ele vivo", afirmou o pai ontem à rádio Europe 1.

Carta

A história da busca pela morte de Vincent, vítima de um acidente de carro há três anos, recebeu enorme publicidade em dezembro passado, quando ele escreveu uma carta ao presidente Jacques Chirac pedindo a descriminalização da eutanásia na França.

Chirac disse ter lido a carta "com grande emoção" e entrou em contato com Vincent algumas vezes por telefone, mas não foi capaz de atender a seu pedido.

O ministro de Assuntos Sociais, François Fillon, pediu hoje mudanças na lei e disse que a mãe de Vincent podia sentir-se orgulhosa por reabrir o debate sobre o suicídio assistido após agir para ajudar seu filho a morrer.

"Como membro do governo não posso advogar a quebra da lei, mas temos que abrir um debate para modificar nossas leis, para darmos conta de situações como esta", disse Fillon à rádio France 1. "O que Marie Humbert fez não me chocou. Ela pode ficar orgulhosa de ter ajudado a abrir esse debate."

Legalização

O ex-ministro da Saúde Bernar Kouchner, um médico esquerdista mais conhecido por seu trabalho em zonas de guerra, disse que já era hora de a França agir como países que legalizaram a eutanásia.

"Esse é um dos problemas mais sérios que nossa sociedade pode confrontar. A Holanda e a Bélgica o fizeram, as coisas estão avançando no Reino Unido e em breve estarão na Itália e na Espanha. Não quero que meu país seja o último", disse Koucher à rádio Europe 1.

Num sinal de mudança, os médicos de Humbert afirmaram em um comunicado que tomaram a decisão de "limitar o tratamento ativo" dada a condição de Vincent e "o desejo que ele expressou de morrer várias vezes".

O promotor público que na quinta-feira (25) libertou a mãe de Humbert da custódia policial ordenou uma autópsia e disse que abrirá um inquérito. O advogado de Marie disse que ela injetou barbitúricos na sonda intravenosa do filho.

Planejamento

Humbert, que mergulhou num coma longo por causa de um acidente de carro em 2000, planejou sua morte para coincidir com a publicação de seu livro "Peço a você para morrer", que ele ditou para sua mãe usando um pequeno movimento de seu polegar direito.

"Eu nunca verei este livro porque eu morri em 24 de setembro de 2000 [...]. Desde aquele dia, eu não vivo. Me fazem viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não sei. Tudo o que eu sei é que sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte", escreveu Vincent.

"Estou feliz de ter causado barulho, se isso for ajudar, não a mim, mas a outros. Se minha vida destruída, minha morte, puder ajudar aqueles que, como eu, querem pedir para morrer."

Humbert falava diariamente com sua mãe dobrando o polegar na palma dela, para selecionar as letras, à medida que ela lia o alfabeto em voz alta.

Luta

Marie, que desde o acidente do filho luta por seu direito de morrer, concedeu uma série de entrevistas na França no início da semana, afirmando que a morte de Vincent estava "programada", dando uma pista de que poderia coincidir com a publicação do livro.

Ela disse ter levado alguns meses preparando a eutanásia do filho e que ele rejeitou a idéia de ir para um país como a Suíça, onde o procedimento é legal, porque não queria "fugir de seu país como um ladrão para morrer".

Marie disse não ter medo de ser presa. "Perto da dor que tenho sentido por três anos vendo o sofrimento do meu filho, a prisão não é nada", declarou.

As últimas palavras de Vincent em seu livro são um apelo para a compreensão de sua mãe. "Não a julguem. O que ela fez para mim é certamente a mais bela prova de amor do mundo", afirmou.

Com agências internacionais

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