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04/10/2003
-
07h22
JULIA DUAILIBI
da Folha de S.Paulo
O economista americano Gary Dymski, 50, da Universidade da Califórnia, estudou por 15 anos o mercado de crédito americano e chegou a uma conclusão: um negro tem uma probabilidade 50% maior que a de um branco de ter um pedido de crédito negado por uma instituição financeira.
"Pode haver uma lógica econômica por trás dessa diferenciação, mas ela reflete um viés racista", explicou o economista, que analisou pedidos de empréstimos de brancos, negros, asiáticos e latinos durante toda a década de 90.
Em sua avaliação, a sociedade tem a tendência de pensar que os "negros não são tão confiáveis".
"Poucos americanos pensam que eles são racistas. Mas, se você conversar com afro-americanos, muitos dirão que foram discriminados em diferentes mercados", disse Dymski, que esteve em São Paulo como professor convidado da pós-graduação do Departamento de Economia da USP. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - No mercado de crédito americano, há discriminação em relação aos afro-americanos?
Gary Dymski - Há claras evidências disso. Houve muitas mudanças ao longo dos anos, mas ainda há discriminação. O grupo que sofre maior discriminação são os afro-americanos. A maioria dos estudos mostra que a discriminação atinge de 25% a 50% dependendo do estudo. De uma forma geral, tudo mais constante (renda, idade, nível de escolaridade e histórico de pagamento de crédito), em geral, um negro tem 25% a mais de chance de ter um pedido de crédito negado.
Folha - Por que isso ocorre?
Dymski - Para alguns, isso ocorre porque há outros fatores ligados à raça que não estão ligados diretamente ao mercado de crédito: emprego, histórico de crédito, etc. Muitas das pessoas falam que o problema não está ligado à raça, mas sim a problemas sociais como educação. Só que, quando você considera esses fatores, ainda vemos o viés racial. Há maneiras diferentes de interpretar isso.
A primeira é que há um viés consciente dos credores. Eles simplesmente não gostam de negros, de fazer negócios com eles. É uma forma agressiva de comportamento dos credores. Essa é uma possibilidade, eles são predadores raciais. A outra é que o credor pode não estar ciente do seu viés. Ele parte do pressuposto de que o negro não vale o risco do empréstimo. Acho que essa possibilidade é muito mais comum. Poucos americanos pensam que eles são racistas. Mas, se você conversar com afro-americanos, muitos dirão que foram discriminados em diferentes mercados.
Há uma tendência na sociedade de achar que os negros não são tão confiáveis. Acham que provavelmente o candidato [ao crédito] branco é mais confiável.
Folha - Como o sr. chegou a essa conclusão?
Dymski - Nos estudos sobre mercados de créditos, assim como em outras áreas, há basicamente duas ou três formas de abordagem. A primeira é utilizar métodos estatísticos, como testes econométricos. Os resultados de que falei foram baseados em modelos econométricos. O segundo é um método em que pessoas são enviadas para fazer um pedido de empréstimo em diferentes mercados. Usam-se várias amostras, e aí são colhidas estatísticas sobre o desempenho de uma mulher afro-americana, por exemplo, em relação a um homem afro-americano ou uma mulher branca.
O terceiro é o estudo de casos em que se analisa intensamente uma comunidade e suas relações socioeconômicas por meio do trabalho de antropólogos e sociólogos.
Folha - A discriminação funciona do mesmo modo entre latinos e afro-americanos?
Dymski - Nos nossos estudos sobre Los Angeles, há algo como 35% de probabilidade maior [em relação aos brancos] de negação de pedido de crédito para afro-americanos. Para os latinos, isso seria 28% no início da década de 90. Desde então, o coeficiente afro-americano ficou estável entre 25% e 30%. E o latino tornou-se algo entre 10% e 15%, mas, em alguns anos, deve desaparecer em termos estatísticos.
Folha - Por quê?
Dymski - Se olharmos no caso de Los Angeles, veremos a transformação de uma cidade que era predominantemente branca para uma cidade cujo grupo étnico mais significativo é a população latina (40%). Os latinos têm se mostrado um mercado consumidor promissor tanto para o setor imobiliário quanto para o de crédito imobiliário. Há algumas evidências de que o mercado está mais aberto a esse grupo de pessoas da América Central, do México etc. Vemos diferentes padrões de discriminação. No caso do mercado imobiliário, a discriminação pode ocorrer tanto na concessão de crédito quanto na indicação da casa a ser financiada.
Existem diferentes discriminações: onde você vai morar, que tipo de empréstimo você vai ter, a quem você está pedindo. Isso acaba levando a um ciclo. Acaba-se tendo uma vizinhança onde só há afro-americanos que têm pouco acesso a crédito para casas, então eles alugam, não são proprietários. Esse efeito cumulativo acaba limitando as oportunidades de construir riqueza naquela comunidade. O Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) faz a cada três anos um senso sobre as finanças dos consumidores que mostra a diferença entre a evolução da riqueza dos brancos e dos negros.
Folha - A discriminação ocorre com a cobrança de taxas de juros diferentes para negros e brancos?
Dymski - Eles dão uma proposta diferente. Mercados distintos possuem diferentes padrões de discriminação. No de crédito, podemos dizer que há o mercado de "primeira escolha" e de "segunda escolha". O primeiro vai ter vencimento de 30 anos e taxa de 6,5% ao ano. Algumas pessoas são tidas como arriscadas, vivem em vizinhanças de baixa renda e recebem os contratos de segunda escolha: 15 anos e pagam 9% ao ano. Pode haver uma lógica econômica por trás dessa diferenciação, mas ela reflete um viés racista.
Folha - Se um sueco e um brasileiro com renda, idade e local de moradia iguais pedem um empréstimo, são cobradas taxas diferentes?
Dymski - Penso que haverá uma diferença de tratamento. Mas teria de ser feito um teste para confirmar essa tese. O que sabemos é que os negros possuem uma probabilidade maior de terem os seus pedidos negados. Esse é um resultado econométrico muito forte.
Folha - A discriminação também ocorre em mercados emergentes?
Dymski - No Brasil, existem diferenças regionais. Elas fazem parte de uma história de opressão racial e escravatura. No caso do Nordeste, uma das consequências da concentração de negros é que ela é essencialmente desigual por Estados e regiões em níveis de renda, escolaridade, riqueza.
Obter empréstimo é mais fácil para branco, diz analista
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da Folha de S.Paulo
O economista americano Gary Dymski, 50, da Universidade da Califórnia, estudou por 15 anos o mercado de crédito americano e chegou a uma conclusão: um negro tem uma probabilidade 50% maior que a de um branco de ter um pedido de crédito negado por uma instituição financeira.
"Pode haver uma lógica econômica por trás dessa diferenciação, mas ela reflete um viés racista", explicou o economista, que analisou pedidos de empréstimos de brancos, negros, asiáticos e latinos durante toda a década de 90.
Em sua avaliação, a sociedade tem a tendência de pensar que os "negros não são tão confiáveis".
"Poucos americanos pensam que eles são racistas. Mas, se você conversar com afro-americanos, muitos dirão que foram discriminados em diferentes mercados", disse Dymski, que esteve em São Paulo como professor convidado da pós-graduação do Departamento de Economia da USP. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - No mercado de crédito americano, há discriminação em relação aos afro-americanos?
Gary Dymski - Há claras evidências disso. Houve muitas mudanças ao longo dos anos, mas ainda há discriminação. O grupo que sofre maior discriminação são os afro-americanos. A maioria dos estudos mostra que a discriminação atinge de 25% a 50% dependendo do estudo. De uma forma geral, tudo mais constante (renda, idade, nível de escolaridade e histórico de pagamento de crédito), em geral, um negro tem 25% a mais de chance de ter um pedido de crédito negado.
Folha - Por que isso ocorre?
Dymski - Para alguns, isso ocorre porque há outros fatores ligados à raça que não estão ligados diretamente ao mercado de crédito: emprego, histórico de crédito, etc. Muitas das pessoas falam que o problema não está ligado à raça, mas sim a problemas sociais como educação. Só que, quando você considera esses fatores, ainda vemos o viés racial. Há maneiras diferentes de interpretar isso.
A primeira é que há um viés consciente dos credores. Eles simplesmente não gostam de negros, de fazer negócios com eles. É uma forma agressiva de comportamento dos credores. Essa é uma possibilidade, eles são predadores raciais. A outra é que o credor pode não estar ciente do seu viés. Ele parte do pressuposto de que o negro não vale o risco do empréstimo. Acho que essa possibilidade é muito mais comum. Poucos americanos pensam que eles são racistas. Mas, se você conversar com afro-americanos, muitos dirão que foram discriminados em diferentes mercados.
Há uma tendência na sociedade de achar que os negros não são tão confiáveis. Acham que provavelmente o candidato [ao crédito] branco é mais confiável.
Folha - Como o sr. chegou a essa conclusão?
Dymski - Nos estudos sobre mercados de créditos, assim como em outras áreas, há basicamente duas ou três formas de abordagem. A primeira é utilizar métodos estatísticos, como testes econométricos. Os resultados de que falei foram baseados em modelos econométricos. O segundo é um método em que pessoas são enviadas para fazer um pedido de empréstimo em diferentes mercados. Usam-se várias amostras, e aí são colhidas estatísticas sobre o desempenho de uma mulher afro-americana, por exemplo, em relação a um homem afro-americano ou uma mulher branca.
O terceiro é o estudo de casos em que se analisa intensamente uma comunidade e suas relações socioeconômicas por meio do trabalho de antropólogos e sociólogos.
Folha - A discriminação funciona do mesmo modo entre latinos e afro-americanos?
Dymski - Nos nossos estudos sobre Los Angeles, há algo como 35% de probabilidade maior [em relação aos brancos] de negação de pedido de crédito para afro-americanos. Para os latinos, isso seria 28% no início da década de 90. Desde então, o coeficiente afro-americano ficou estável entre 25% e 30%. E o latino tornou-se algo entre 10% e 15%, mas, em alguns anos, deve desaparecer em termos estatísticos.
Folha - Por quê?
Dymski - Se olharmos no caso de Los Angeles, veremos a transformação de uma cidade que era predominantemente branca para uma cidade cujo grupo étnico mais significativo é a população latina (40%). Os latinos têm se mostrado um mercado consumidor promissor tanto para o setor imobiliário quanto para o de crédito imobiliário. Há algumas evidências de que o mercado está mais aberto a esse grupo de pessoas da América Central, do México etc. Vemos diferentes padrões de discriminação. No caso do mercado imobiliário, a discriminação pode ocorrer tanto na concessão de crédito quanto na indicação da casa a ser financiada.
Existem diferentes discriminações: onde você vai morar, que tipo de empréstimo você vai ter, a quem você está pedindo. Isso acaba levando a um ciclo. Acaba-se tendo uma vizinhança onde só há afro-americanos que têm pouco acesso a crédito para casas, então eles alugam, não são proprietários. Esse efeito cumulativo acaba limitando as oportunidades de construir riqueza naquela comunidade. O Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) faz a cada três anos um senso sobre as finanças dos consumidores que mostra a diferença entre a evolução da riqueza dos brancos e dos negros.
Folha - A discriminação ocorre com a cobrança de taxas de juros diferentes para negros e brancos?
Dymski - Eles dão uma proposta diferente. Mercados distintos possuem diferentes padrões de discriminação. No de crédito, podemos dizer que há o mercado de "primeira escolha" e de "segunda escolha". O primeiro vai ter vencimento de 30 anos e taxa de 6,5% ao ano. Algumas pessoas são tidas como arriscadas, vivem em vizinhanças de baixa renda e recebem os contratos de segunda escolha: 15 anos e pagam 9% ao ano. Pode haver uma lógica econômica por trás dessa diferenciação, mas ela reflete um viés racista.
Folha - Se um sueco e um brasileiro com renda, idade e local de moradia iguais pedem um empréstimo, são cobradas taxas diferentes?
Dymski - Penso que haverá uma diferença de tratamento. Mas teria de ser feito um teste para confirmar essa tese. O que sabemos é que os negros possuem uma probabilidade maior de terem os seus pedidos negados. Esse é um resultado econométrico muito forte.
Folha - A discriminação também ocorre em mercados emergentes?
Dymski - No Brasil, existem diferenças regionais. Elas fazem parte de uma história de opressão racial e escravatura. No caso do Nordeste, uma das consequências da concentração de negros é que ela é essencialmente desigual por Estados e regiões em níveis de renda, escolaridade, riqueza.
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