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19/10/2003 - 02h43

Renúncia de Sánchez de Lozada expõe racha entre brancos e índios

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da Folha de S.Paulo, em La Paz

A queda do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, após uma série de protestos que mobilizou dezenas de milhares de manifestantes ao redor da Bolívia e paralisou várias partes do países, mostrou a força da nova oposição boliviana, baseada numa forte identidade indígena, mas misturada com tendências de esquerda.

Os dois principais líderes das manifestações que provocaram a saída de Sánchez de Lozada, Evo Morales e Felipe Quispe, comandam partidos que contam com uma forte presença indígena. Juntos, o MAS (Movimento ao Socialismo) e o MIP (Movimento Indígena Pachacuti) formam o bloco de oposição no Congresso.

No MAS --segunda maior bancada no Congresso-- são indígenas 18 dos 27 deputados e 3 dos 8 senadores. Já no MIP, todos os seis deputados são aymarás.

Essa bancada, eleita no ano passado, é considerada como a maior participação indígena da história do Congresso boliviano.

Os protestos de rua tiveram uma forte presença indígena. Na cidade de El Alto (a 12 km da capital, La Paz), que se transformou no símbolo das manifestações depois da morte de 26 pessoas no domingo passado na repressão militar e policial, 70% da população se identifica como aymará.

De acordo com o censo de 2001, os aymarás formam cerca de 25% da população do país; os quéchuas, 30%; os mestiços, 30%. Os brancos são apenas 15% do total. O país, um dos mais pobres da América Latina, conta com cerca de 8,5 milhões de habitantes.

Por outro lado, Sánchez de Lozada não tinha nenhum ministro de identidade indígena.

"Já não queremos mais gringos", disse o camelô Raul Velazquez Paredes, 44, cujo último emprego fixo que teve foi numa fábrica de vídeos, de onde foi demitido em 1985.

"Gringo" é uma das formas como a população se refere a Sánchez de Lozada, que, depois de ter vivido muitos anos nos EUA, ficou com um sotaque americano para falar espanhol.

Velazquez afirmou que quer um presidente "indígena e nacionalista" para a Bolívia. Suas alternativas? "Quispe e Morales."

Temas econômicos

Mas, apesar da forte presença indígena, as principais bandeiras se concentravam em temas econômicos, como a resistência à venda de gás ao exterior, o desemprego e a política de combate às plantações de coca --este com um fator étnico mais forte. Além, é claro, da exigência que Sánchez de Lozada renunciasse.

Para o antropólogo Xavier Albó, 69, a questão étnica é um fator importante, embora não seja o principal, do movimento que derrubou Sánchez de Lozada.

"O componente étnico aparece com muita força, mas também existem a fome e a pobreza", afirmou, em entrevista à Folha.

Segundo ele, no caso do MAS, há também uma forte aliança entre líderes indígenas do interior e a esquerda urbana, formada pelo restante dos deputados.

Questionado sobre o fato de que quase todos os manifestantes têm traços indígenas, Albó disse: "É necessário considerar que, apesar de seus rostos, alguns se consideram indígenas, mas outros, não. O rosto não diz se há uma identidade indígena".

Sobre as diferenças entre quéchuas e aymarás, Albó disse que a maior é a língua, já que os dois grupos têm a mesma origem cultural. "É casualidade que hoje os principais líderes são aymarás."

Bandeiras de esquerda

Para o antropólogo, que é autor do livro "Povos Indígenas na Política", Morales e Quispe misturam as idéias de esquerda com sua identidade indígena.

De acordo com Albó, Quispe, que tem defendido uma "nação aymará" e a chegada ao poder pela revolução, já flertou com uma ideologia mais à esquerda.

"Ele já participou de um grupo guerrilheiro guevarista", disse, em referência ao Exército Guerrilheiro Tupac Katari, nos anos 80, inspirado no Sendero Luminoso.

Já Morales tem uma identidade ainda mais complexa, segundo Albó. Nascido em uma família aymará, foi criado na região de Chapare, área cocaleira onde há predominância quéchua. Hoje, Morales preside o MAS, que não tem perfil exclusivamente indígena.

"Seu primeiro partido, a Assembléia Soberana da Coca, era voltado a combater a presença imperialista americana na erradicação da coca", afirmou Albó.

Para o antropólogo, os movimentos indígenas estão mais organizados na Bolívia e no Equador, onde tiveram participação decisiva na deposição do ex-presidente Jamil Mahuad, em 2000.

Peru

No Peru, por outro lado, os movimentos ainda são incipientes, apesar da eleição para presidente de Alejandro Toledo, que tem origem indígena. "Ele não tem uma identidade quéchua", disse Albó.

Para ele, dois fatores explicam o certo atraso do Peru. "Havia uma repressão mais forte, primeiro com o Sendero Luminoso, depois no governo de Alberto Fujimori."

O outro fator é geográfico. "Lima não é como Quito e La Paz e fica no litoral, onde é mais difícil manter a identidade indígena."
 

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