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04/11/2003
-
03h35
MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo
Duas questões ameaçam o futuro do processo de estabilização do Afeganistão. É viável criar um Estado democrático num país sem tradição de pluralismo político à ocidental? As condições de segurança do Afeganistão pós-Taleban permitirão que as instituições democráticas criem raízes?
O fator cultural é o mais espinhoso. Desde 1919, quando o Tratado de Rawalpindi deu ao Afeganistão controle total sobre suas relações exteriores, libertando-o formalmente da influência britânica, os afegãos jamais conheceram um sistema democrático.
Tiveram um regime monárquico, um militar e um marxista. Após a queda do último, em 1979, a URSS invadiu o país, dando início a um ciclo de sangrentos conflitos, terminado no final de 2001.
Nem o Acordo de Bonn, que rege a reconstrução do Afeganistão, assegura a defesa da democracia. Ele afirma que os afegãos têm "o direito de determinar seu futuro político de acordo com os princípios do islã, da democracia, do pluralismo e da justiça social". A ordem dos fatores não é casual.
Como esperado, o projeto de Constituição diz que o islã será a pedra angular da sociedade (todavia não ficou estabelecida a volta da sharia --a lei islâmica). Até que ponto isso permitirá a consolidação das instituições democráticas é uma questão sem resposta.
A insegurança que impede o fortalecimento do poder central é outro ponto crítico. Nos últimos meses, mais de 300 pessoas morreram perto de Candahar, antigo reduto do Taleban. Ex-membros do movimento extremista ainda são bastante ativos na região.
Chefes de guerra, que controlam áreas enormes e, às vezes, mais ricas que a do governo (Cabul), desafiam o poder central. Ismail Khan, governador de Herat, é considerado o homem mais rico do Afeganistão, já que domina o comércio com o Irã, e não se deu nem ao trabalho de receber a delegação da ONU que está no país.
No norte, o uzbeque Abdul Rashid Dostum e o tadjique Ustad Atta Mohammad enfrentam-se pelo controle do comércio local _lícito ou não. E, segundo um estudo da ONU divulgado na semana passada, o tráfico de ópio voltou a ter papel crucial na economia do Afeganistão, podendo torná-lo um "país de narcoterroristas".
Assim, em outubro, o Conselho de Segurança aprovou a expansão da força militar internacional que protege Cabul para outras áreas. Uma equipe alemã já prepara o envio de 450 homens a Cunduz (norte). Porém nenhum país ofereceu tropas para outras regiões, consideradas inseguras demais.
A chance da aceitação geral de uma Constituição baseada em princípios mais ou menos democráticos resta, portanto, mínima.
Análise: Perspectivas do Afeganistão são pouco animadoras
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da Folha de S.Paulo
Duas questões ameaçam o futuro do processo de estabilização do Afeganistão. É viável criar um Estado democrático num país sem tradição de pluralismo político à ocidental? As condições de segurança do Afeganistão pós-Taleban permitirão que as instituições democráticas criem raízes?
O fator cultural é o mais espinhoso. Desde 1919, quando o Tratado de Rawalpindi deu ao Afeganistão controle total sobre suas relações exteriores, libertando-o formalmente da influência britânica, os afegãos jamais conheceram um sistema democrático.
Tiveram um regime monárquico, um militar e um marxista. Após a queda do último, em 1979, a URSS invadiu o país, dando início a um ciclo de sangrentos conflitos, terminado no final de 2001.
Nem o Acordo de Bonn, que rege a reconstrução do Afeganistão, assegura a defesa da democracia. Ele afirma que os afegãos têm "o direito de determinar seu futuro político de acordo com os princípios do islã, da democracia, do pluralismo e da justiça social". A ordem dos fatores não é casual.
Como esperado, o projeto de Constituição diz que o islã será a pedra angular da sociedade (todavia não ficou estabelecida a volta da sharia --a lei islâmica). Até que ponto isso permitirá a consolidação das instituições democráticas é uma questão sem resposta.
A insegurança que impede o fortalecimento do poder central é outro ponto crítico. Nos últimos meses, mais de 300 pessoas morreram perto de Candahar, antigo reduto do Taleban. Ex-membros do movimento extremista ainda são bastante ativos na região.
Chefes de guerra, que controlam áreas enormes e, às vezes, mais ricas que a do governo (Cabul), desafiam o poder central. Ismail Khan, governador de Herat, é considerado o homem mais rico do Afeganistão, já que domina o comércio com o Irã, e não se deu nem ao trabalho de receber a delegação da ONU que está no país.
No norte, o uzbeque Abdul Rashid Dostum e o tadjique Ustad Atta Mohammad enfrentam-se pelo controle do comércio local _lícito ou não. E, segundo um estudo da ONU divulgado na semana passada, o tráfico de ópio voltou a ter papel crucial na economia do Afeganistão, podendo torná-lo um "país de narcoterroristas".
Assim, em outubro, o Conselho de Segurança aprovou a expansão da força militar internacional que protege Cabul para outras áreas. Uma equipe alemã já prepara o envio de 450 homens a Cunduz (norte). Porém nenhum país ofereceu tropas para outras regiões, consideradas inseguras demais.
A chance da aceitação geral de uma Constituição baseada em princípios mais ou menos democráticos resta, portanto, mínima.
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