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22/02/2004 - 12h30

Bush deve se preocupar com pesquisas, diz especialista

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IANA COSSOY PARO
da Folha Online

A oito meses da eleição presidencial nos EUA, ainda é cedo para dizer se o próximo líder norte-americano será o atual presidente, o republicano George W. Bush, ou seu rival democrata, que será definido em julho.

Mas uma questão que é alarmante --e deve preocupar os republicanos pois acontece com muito pouca freqüência no período de prévias-- é o fato de pesquisas já indicarem que qualquer que seja o candidato democrata --de dois principais do partido (John Kerry e John Edwards)-- Bush seria derrotado.

A afirmação é do professor do departamento de Política da USP (Universidade de São Paulo) Rafael Antonio Duarte Villa, 42, doutor em Ciência Política e especialista em Relações Internacionais.

Leia entrevista concedida à Folha Online:

Folha Online - Que tipo de ruptura na linha de ação política do governo Bush se pode esperar no caso de uma vitória democrata nos EUA?

Rafael Antonio Duarte Villa - Quanto à política externa, eu acredito que as rupturas não devem ser muito profundas. Primeiro temos que levar em conta que os EUA, mesmo que tenham uma administração democrata, ainda estão assombrados pelo fantasma do 11 de Setembro. Esse contexto do 11 de Setembro é marcante e assegura uma certa continuidade na política de segurança nacional que até agora tem sido aplicada pelo governo Bush.

Folha Online - Então uma vitória democrata não alteraria a Doutrina Bush --de unilateralismo e guerra preventiva?

Villa - Não, não alteraria. Porém, um elemento que possivelmente se alteraria seriam as relações com aliados tradicionais, sobretudo aliados tradicionais na Europa Ocidental, como a França e a Alemanha. Os EUA tentariam reatar relações mais cooperativas, que já existiram no passado.

Folha Online - O Reino Unido, principal aliado dos EUA atualmente, perderia um pouco de espaço ou entraria nessa cooperação?

Villa - Não, não perderia espaço porque a relação [dos EUA] com o Reino Unido sempre foi de uma aliança permanente, a Inglaterra sempre foi, desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o principal aliado dos EUA. Inclusive os EUA tentariam buscar seu poder de barganha para estabelecer uma maior mediação entre o Reino Unido e países como a Alemanha e a França, que estão hoje em dia afastados, distanciados, sobretudo com relação à política externa.

Outro elemento importante também em política externa tem a ver com a América Latina, que vai depender muito da composição da chapa democrata.

Folha Online - O que significaria para a América Latina uma vitória democrata nos EUA?

Villa - Qual a principal linha de ação da política externa dos EUA com relação à América Latina? A política hemisférica, através da promoção da democracia, e sobretudo a questão da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Caso o Kerry vença e tenha na chapa um candidato que não seja Edward, haveria uma certa continuidade no formato de negociação que Bush tem até agora. Porém, se o candidato a vice for Edward, ou supondo --uma hipótese mais ousada, mais arriscada--, que Edward se torne o candidato, a situação em relação à América Latina, especialmente à Alca, pode mudar.

Folha Online - Por quê?

Villa - Pois um dos pontos fortes no qual Edwards tem insistido é o de que ele se retiraria das conversações da Alca, com o argumento de que a participação dos EUA em mecanismos de integração como a Alca significa um impacto negativo sobre os empregos no país. E foi com base nesses argumentos que ele quase ganhou as últimas primárias [no Estado de Wisconsin]. Não é previsível uma virada da parte de Edward, mas é possível. De qualquer forma. o objetivo de Edward já está cumprido, que era o de se visualizar como candidato democrata para futuras eleições, ou se colocar como um homem forte para a composição da chapa democrata.

Folha Online - Os republicanos costumam ter como ponto forte em suas campanhas a ênfase à segurança nacional. A queda na credibilidade de Bush devido à Guerra no Iraque e o fato de John Kerry, provável concorrente de Bush, ser um militar de destaque podem neutralizar essa vantagem?

Villa - A política de segurança nacional continua sendo, certamente, o grande ganho da política republicana. Ele [Bush] conseguiu instaurar bem no público americano esse temor com relação a inimigos assimétricos, como os terroristas. E com as duas guerras --Afeganistão e segunda guerra do Golfo (Guerra no Iraque)-- a administração Bush consegui passar bem a idéia de que os EUA estavam desenvolvendo uma política bastante eficaz de segurança nacional. Em princípio, as vitórias foram maciças. Os desdobramentos posteriores foram os que questionaram a política de segurança nacional dos EUA na administração Bush.

Mas mesmo assim, o público americano, dada essa intensa vinculação que a administração Bush estabeleceu com o impacto do 11 de Setembro, estava disposto a aceitar certos sacrifícios, em mortes de solados americanos, em baixas. Por isso, a questão das mortes, das baixas, tem tido um impacto menor do que se esperava na opinião pública americana.

Kerry e Edward compreenderam bem isso, e fizeram um discurso diferenciado, ou seja, um discurso que não questionava fundamentalmente a questão da guerra, que não frisava as baixas, e dirigiram o discurso para questões internas, como o desemprego.

Outro aspecto com relação à política de segurança nacional pouco tem a ver com a segurança nacional, mas com aspectos simbólicos que se relacionam à participação de um presidente, de um candidato, em guerras.

Tem uma questão simbólica que é importante nos EUA. Eles adoram o papel do herói. Para eles é uma característica importante da cultura política americana. Filmes como "Rambo" são símbolos do herói. Aquela visita e Bush de surpresa às tropas do iraque [em 27 de novembro de 2003], foi espetacular, foi muito bem vista pela opinião pública americana.

Folha Online - Mas a participação de Bush no serviço militar tem sido questionada.

Villa - Sim. Agora, com essas denúncias de que parte de seu serviço militar não está documentada, [de que] não se sabe onde ele estava mesmo, a opinião pública questiona: que tipo de comandante-em-chefe das Forças Armadas é este, que não foi capaz nem de cumprir satisfatoriamente o serviço militar?

Folha Online - Ainda mais em comparação a Kerry, que se destacou na Guerra do Vietnã (1965-75).

Villa - Exatamente. Kerry participou da Guerra do Vietnã, e por isso agora a estratégia republicana é tentar minimizar essa participação. Na quinta-feira (19) apareceu na imprensa uma foto montada do Kerry ao lado de Jane Fonda, em que se pronunciaria contra a guerra.

Uma questão importante que tem afetado Bush, e que afeta também a credibilidade da política de segurança nacional, é o fato de a administração Bush, assim com a de Tony Blair [premiê britânico], ter forçado as provas para ir à guerra.

Folha Online - Fala-se muito sobre a influência que o tema Guerra do Iraque pode ter nas eleições de novembro. Como o senhor qualifica essa influência? A invasão do Iraque pode mesmo definir a reeleição de Bush?

Villa - Não que seja definitivo. É um elemento; o que pode definir a eleição é uma soma de elementos. Mas este é um elemento importante, porque a política de segurança nacional da administração Bush, uma liderança cuja legitimidade no principio de seu mandato estava inabalada, se baseava muito na credibilidade do presidente.

Com a piora na credibilidade do presidente, questiona-se também a política de segurança nacional, porque os americanos estão dispostos a aceitar uma certa cota de sacrifícios (perdas humanas, sacrifício de subsídios) em prol do interesse nacional americano. E o fiador desse interesse nacional é o presidente.

Folha Online - Em 1992, os republicanos perderam as eleições após a Presidência de George Bush (1989-1993), que também invadiu o Iraque (Guerra do Golfo, 1991). Qual a diferença entre os EUA que elegeram Bill Clinton (1993-2001) e os EUA de agora?

Villa - Existe uma diferença fundamental. Você citou o nome do Clinton, e a diferença tanto de contexto como qualitativa está no nome de Clinton. Porque Clinton fez a diferença. Clinton é uma liderança habilidosa, uma liderança carismática, uma liderança com capacidade de articular idéias de uma maneira bastante rápida e habilidosa.

Naquele momento de passagem do fim da Guerra Fria para uma chamada "nova ordem internacional", Clinton representava uma espécie de novo homem, de uma nova liderança para uma nova época. Agora o contexto é diferente, os fatos que se desenvolveram depois da Guerra Fria já amadureceram. Comparando Clinton, por exemplo, a Kerry, é evidente que ele (Kerry) não tem o mesmo poder de convocatória, a mesma habilidade e o carisma que Clinton tinha. Nem habilidade política.

A diferença está no tipo de liderança. Acho que é apressado dar como possível ganhador um candidato democrata.

Outro elemento fundamental das campanhas modernas são a exposição na mídia e os recursos com os quais se conta. Hoje se estima que Bush tenha em caixa para a campanha eleitoral no mínimo US$ 200 milhões, muito mais que os democratas.

Agora que o candidato democrata começa a ser definido, o que se chama de propaganda negativa entra em ação. Já se liga Kerry a uma suposta amante, algo que tem certo impacto na opinião pública americana, de características conservadoras se não em todo os lugares dos Estados Unidos, mas em alguns núcleos --por exemplo o Sul.

Uma questão que é alarmante, que deve preocupar os republicanos e que acontece com muito pouca freqüência é que pesquisas já indicam que qualquer que seja o candidato, de dois principais do partido democrata, Bush seria derrotado. Esse é um sinal preocupante.

Folha Online - Nos últimos três anos, a economia norte-americana perdeu mais de 2 milhões de postos de trabalho. A crise na indústria também elevou o protecionismo no país. Qual a "força" real desses temas dentro da campanha eleitoral?

Villa - Esse tema é fundamental. É um dos temas definidores da campanha. O cenário vai ser muito arriscado para ambos candidatos, porque o sucesso de ambos vai depender da muito da conjuntura (como se comporta a economia americana). Os americanos são muito sensíveis a isso. Se existe uma melhora substancial em impostos, empregos, um crescimento da economia, é evidente que isso vai ter um impacto positivo [para Bush].

A tendência à oscilação da economia americana seria mais para uma melhoria, ao menos relativa, em curto e em médio prazo. Então Kerry ou Edwards ficaria muito dependente da exploração de alguns elementos internos, como por exemplo escândalos financeiros nas empresas, e a exploração do fato de que a administração Bush não está tratando de forma transparente o que são assuntos públicos e assuntos privados.

Existe uma ampla ingerência dos negócios particulares tanto da família Bush como da do vice-presidente, Dick Cheney. Isso poderia ser uma vantagem para os democratas, mas dependeria muito do impacto que denúncias teriam na opinião pública.
 

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