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14/03/2004 - 09h57

Só apatia eleitoral ameaça vitória de Putin

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

Se o comparecimento às urnas ultrapassar os 50% exigidos por lei, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, deverá obter hoje a reeleição sem nenhuma dificuldade, segundo pesquisas recentes.

Putin conta com a preferência de cerca de 80% do eleitorado e promete utilizar seu segundo mandato para dar continuidade ao que chama de seu "projeto de modernização da Rússia" e para melhorar o nível de vida da população, buscando reduzir a enorme disparidade existente entre os mais ricos e os menos abastados.

A parte da oposição encabeçada pelos liberais do partido Yabloko, de Grigory Yavlinsky, exorta a população a boicotar o pleito. Pesquisas recentes mostram que mais de 50% dos eleitores deverão ir às urnas. Porém, segundo especialistas ouvidos pela Folha, os institutos de pesquisas são dominados por grupos pró-Kremlin, sendo pouco confiáveis.

"Não se pode acreditar no que dizem os números das pesquisas, visto que o Kremlin controla praticamente toda a sociedade russa atualmente", afirmou Sarah Mendelson, pesquisadora do escritório de Moscou do Carnegie Endowment for International Peace, um "think tank" americano.

De fato, desde que venceu a eleição presidencial de 2000 --depois de ter sido premiê de Boris Ieltsin e de tê-lo substituído na Presidência durante alguns meses--, Putin vem realizando uma campanha de centralização de poder que preocupa a comunidade global.

Primeiro, Putin começou a desmontar instituições que, de acordo com ele, eram ligadas ao regime comunista da URSS. Segundo, pôs fim à liberdade de que gozavam os líderes políticos regionais, fortalecendo o controle do Kremlin sobre a cena política regional.

Terceiro, o presidente passou a controlar a maior parte da mídia, sobretudo TVs e rádios, e a perseguir os chamados "magnatas da imprensa", como Boris Berezovsky --que ajudara a elegê-lo e era próximo de Ieltsin-- e Vladimir Gusinsky. Ambos estão hoje exilados. Finalmente, ele passou a atacar os "oligarcas" --que enriqueceram com o processo de privatização da década de 90.

Sua última vítima foi o megaempresário do petróleo Mikhail Khodorkovsky. Este, que é considerado o homem mais rico da Rússia, negou anteontem, da prisão, que tivesse desviado dinheiro público e enviado bilhões de dólares a bancos suíços.

Na quinta-feira passada, um grupo de bancos suíços congelou US$ 5 bilhões de contas de Khodorkovsky e de seus aliados. A ação teve como pano de fundo a investigação que pesa sobre ele e sobre sua empresa, a Yukos.

"Desde que venceu a eleição e ganhou legitimidade popular para exercer a Presidência, Putin decidiu restabelecer o controle do Estado sobre a sociedade, algo que foi diluído durante a década de 90. No início, sua tentativa de subjugar a imprensa foi o que causou mais alarde, mas sua campanha é muito mais profunda, e o controle da mídia é só uma parte de seu projeto", analisou Vladimir Kramnik, da Universidade Pública de São Petersburgo.

De acordo com Mendelson, todavia, é errado pensar que o projeto de democratização da Rússia iniciado na década de 90 fracassou --"simplesmente porque ele jamais existiu verdadeiramente".

"No Ocidente, os analistas acreditaram rápido demais que o aparecimento de instituições típicas de regimes democráticos significasse que os russos tivessem escolhido o caminho da democracia ocidental. Na verdade, além do formalismo institucional e de eleições no mínimo duvidosas, pouco foi feito nesse sentido", disse.

"Pesquisas mostram que um terço da população russa é favorável à democracia, que um terço é a favor de um regime autoritário eficaz e que um terço é favorável só a um governo eficaz --qualquer que seja sua orientação. Isso mostra que a democracia não é um anseio da maioria da população", acrescentou Mendelson.

"Siloviki"

A russa Ksenia Yudaeva, co-autora de "The New Political Economy of Russia" (a nova economia política da Rússia), defende a tese de que a classe política russa é dividida entre "liberais internacionalistas", como Yavlinsky, e "nacionalistas não-liberais", como os "siloviki" (promotores, policiais, militares e integrantes dos serviços secreto e de segurança).

Estes assumiram cargos de importância na política russa desde 2000, ajudando Putin, antigo chefe da FSB (a sucessora da KGB), a montar sua base de poder pessoal. Boa parte dos "siloviki" faz parte do chamado "grupo de São Petersburgo", cidade na qual Putin trabalhou em seu tempo de FSB.

Contudo, como ressaltou Mendelson, "Putin tem de desempenhar os dois papéis", buscando "convencer a comunidade internacional de que é um liberal internacionalista sem descontentar a significativa parcela nacionalista da população da Rússia".

Não faltam desafios para seu segundo mandato. Os dois principais, segundo Fiona Hill, do Instituto Brookings (EUA), são a reforma das Forças Armadas e a do sistema de saúde e de pensões.

"Trata-se do fim de dois monstros sagrados da era comunista. O Exército está num estado deplorável, e os militares ganham muito mal, além de sofrerem abusos de seus superiores. Já o sistema de saúde não tem mais como financiar-se. Trata-se de reformas impopulares, mas Putin não poderá deixar de fazê-las", explicou Hill.

O presidente promete reduzir a disparidade social, porém isso não será fácil. "Não sei se ele tem vontade política para tanto. Em seu governo, os 'antigos oligarcas' foram substituídos por seus aliados, que se tornaram os 'novos oligarcas'", apontou Yudaeva.

Tchetchênia

Para o megacampeão de xadrez Garry Kasparov, que, recentemente, fundou um movimento político por "eleições livres em 2008", o maior problema da campanha é que a guerra na Tchetchênia "foi esquecida". "A mídia não toca no tema. É como se ninguém falasse da Guerra do Iraque na disputa eleitoral americana."

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