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21/03/2004 - 08h21

TV dos EUA para árabes espera ajudar moderados

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LUCIANA COELHO
da Folha de S.Paulo

A contrapartida americana à TV qatariana Al Jazira --que ganhou destaque na Guerra do Iraque ao oferecer ao mundo, em inglês, a cobertura sob a ótica árabe-- demorou, mas veio com objetivo claro: dar voz --e poder-- aos moderados da região.

"É importante podermos ao menos competir no mercado ideológico", diz o radialista americano Norman Pattiz, 61, que desenvolveu a Al Hurra ("aquela que é livre"), a rede americana para o público árabe. "Mas só tentamos persuadir os persuasíveis."

Na última segunda, a Al Hurra passou a transmitir 24 horas por dia --14 de noticiário-- em 22 países. Com orçamento reduzido (US$ 62 milhões para 2004) e uma equipe de 75 jornalistas vindos da região-alvo, além de alguns americanos de ascendência árabe, a rede sediada em Springfield (Virgínia) quer alcançar o mesmo público da Al Jazira: 30 milhões.

Pattiz é veterano na área -fundou a Westwood One, maior produtora de conteúdo de rádio dos EUA, e dirige o comitê de Oriente Médio do Conselho Regulador da Radiodifusão, agência federal que supervisiona a radiodifusão internacional dos EUA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha, por telefone, de Los Angeles, onde vive.

Folha- Como se chegou à decisão de criar um canal de TV americano para o Oriente Médio?
Norman Pattiz -
Qualquer um familiarizado com a mídia na região sabe que há um alto teor de discursos de ódio no rádio e na TV, de incitação à violência, de desinformação, de censura estatal e até de autocensura entre os jornalistas. Até a criação da rádio Sawa [2002], os EUA não tinham quase acesso à região. E a Sawa, uma estação claramente americana, começou a fazer sucesso.

Folha - Como foi vista a cobertura da Guerra do Iraque pela Sawa?
Pattiz -
Eu diria que foi bem equilibrada. A missão do conselho é dar um exemplo de livre imprensa. Nossos espectadores não são burros, não estamos no negócio da propaganda ideológica nem no de operações psicológicas. Se tivermos um produto que os espectadores achem crível, eles continuarão nos ouvindo.

Folha - Mas o conselho é ligado ao governo. Não há pressões?
Pattiz -
Um de nossos principais papéis é servir de filtro entre a independência dos jornalistas e as pressões que nos são impostas pelo governo ou pelo Congresso.

Folha - Como está a aceitação da Al Hurra pela população da região?
Pattiz -
Não temos como saber ainda, pois estamos no ar há pouco tempo. A imprensa árabe foi extremamente dura, mas grande parte das críticas começou antes de irmos ao ar. Mas também recebemos milhares de e-mails positivos de gente que está nos assistindo. Como nosso público-alvo não é a mídia, neste momento nos interessa qualquer coisa que faça as pessoas saberem que estamos lá.

Folha - Como é a relação de vocês com a Al Jazira?
Pattiz -
Eu os conheço bem. O xeque Hamad al Thani, diretor da Al Jazira, foi o primeiro a dar permissão para a Rádio Sawa ter uma freqüência FM, e o pessoal da Al Jazira rompeu alguns tabus muito importantes na região.

Folha - Sem a Al Jazira haveria maior dificuldade para a Al Hurra?
Pattiz -
Com certeza a ascensão da TV por satélite na região, da qual a Al Jazira é o melhor exemplo, não só tornou possível como também necessária a criação da Al Hurra. Mas provavelmente deveríamos ter criado a Al Hurra há anos, quando esse tecnologia surgiu. Cerca de 60% das pessoas dessa região têm menos de 25 anos, uma bolha populacional enorme que não tem ainda um bom senso de história. Aí vem a TV por satélite, capaz de cobrir todos os países da região, apresentando informações de uma maneira até então inédita e que, na nossa opinião, pode radicalizar essa população que está crescendo e criar grandes problemas. É por isso que é tão importante podermos ao menos competir no mercado ideológico.

Folha - A cobertura do conflito israelo-palestino pelo canal é tida como enviesada por alguns críticos. Como o sr. a vê?
Pattiz -
Não acho enviesada, acho precisa. A abordagem da crise israelo-palestina pela imprensa tem base no que ocorre hoje, com pouco contexto. Mas a crise não surgiu hoje, ela surgiu em 1948 [com a criação de Israel] e tomou maior proporção em 1967 [com a Guerra dos Seis Dias]. Antes de 1967 não eram os israelenses que estavam nessas áreas, mas os egípcios e os jordanianos, que poderiam ter criado um Estado palestino a qualquer hora, mas não o fizeram. Quando seis países invadiram Israel, em 1967, Israel teve de se mover para o que hoje são os territórios ocupados. Acho que esse tipo de informação deve ser acrescido ao debate. Sem contexto histórico só sobra paixão.

Folha - A Al Hurra vai dar exatamente esse contexto?
Pattiz -
Sim. Queremos apresentar o quadro geral, para que as pessoas julguem com o máximo de informação possível. O que esperamos é ser um canal que dê voz aos moderados, que na região não têm muito espaço.

Folha - Isso é um meio de dar poder a eles.
Pattiz -
Sim, com certeza.

Folha - É uma meta dos EUA?
Pattiz -
É... Quer dizer, conseguir expor a visão dos moderados é nosso objetivo, mas pretendemos promover debates acirrados entre pessoas com pontos de vista mais radicais e mais moderados.

Folha - Haverá espaço para falar de religião?
Pattiz -
Com certeza, noticiaremos eventos religiosos importantes, por serem notícia, mas não promoveremos nenhuma religião. Podemos ter mesas-redondas sobre aspectos religiosos envolvendo um determinado fato.

Folha - Os jornalistas vão aparecer no vídeo no estilo ocidental?
Pattiz -
A maioria sim, mas há alguns que preferem roupas tradicionais islâmicas, inclusive a cabeça coberta. Temos sucursais na região, então haverá muita gente vestida conforme a tradição local. Já os apresentadores devem optar pelo estilo ocidental.

Folha - Vocês estão recebendo críticas por isso?
Pattiz -
Recebemos alguns e-mails bem fortes, embora as mensagens negativas sejam uns 2% do total. Há quem ache que sejamos controlados pelos israelenses ou que façamos parte de uma operação da CIA.

Folha - Recentemente, uma reação negativa do público árabe tirou do ar a versão local do "Big Brother". Como a Al Hurra vai lidar com uma platéia mais sensível em termos comportamentais?
Pattiz -
Bom, já houve até fatwas [decretos religiosos] emitidos por líderes islâmicos proibindo os fiéis de ver a Al Hurra.

Folha - Onde?
Pattiz -
Na Arábia Saudita e em mais uns dois lugares. Mas só tentamos persuadir os persuasíveis. Não é nosso trabalho promover a política americana, e sim descrevê-la precisamente, debatê-la, para que as pessoas entendam que, numa democracia, pode-se discordar do governo. Só que as políticas desse governo são extremamente impopulares, e nós seremos vistos, inicialmente, como uma organização de propaganda ideológica. O único jeito de contestar isso é mostrar imparcialidade. Sem credibilidade, estaremos fadados ao fracasso.
 

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