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03/06/2004 - 07h19

Ex-prefeita de Tel Aviv diz que Sharon fracassa no diálogo

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BIANCA KESTENBAUM BANAI
especial para a Folha Online, em Tel Aviv

Neste domingo (6), o Knesset (Parlamento de Israel) votará o plano de desocupação total de Gaza e parcial da Cisjordânia proposto pelo primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon.

O plano original de Sharon, rejeitado por seu partido, o Likud [direita], previa a retirada de 7.500 colonos judeus de Gaza e o desmantelamento de alguns assentamentos na Cisjordânia. A nova proposta é uma versão bem atenuada, mas enfrenta resistência de partidos e grupos contrários a qualquer concessão aos palestinos, especialmente sem uma contrapartida.

"Se o plano de Sharon for aprovado neste domingo, então é preciso iniciar a desocupação imediatamente. Não se pode esperar que tenha mais um atentado terrorista para sair de Gaza", afirma a vice-prefeita de Tel Aviv e líder do movimento pacifista Paz Agora, Yael Dayan.

A pacifista considera haver parceiros para discussão do outro lado [palestino], mas como Sharon não consegue se entender com ninguém, ela concorda que a saída seja unilateral e imediata.

Filha do general e ex-ministro da defesa de Israel Moshe Dayan, a ativista desembarca no próximo dia 15 no Brasil. Ela é uma das autoridades estrangeiras a participar do encontro internacional de cidades --Urbis 2004 [congresso internacional de cidades promovido pela prefeitura de São Paulo], que acontece entre os dias 14 e 18 no Expo Center Norte, em São Paulo.

Dayan apóia a retirada total dos assentamentos israelenses em Gaza e na Cisjordânia de forma unilateral, apesar de afirmar que há palestinos interessados no diálogo e num esquema de paz com Israel.

Escritora, jornalista e membro da Parlamento israelense durante três mandatos, Dayan passará dois dias em São Paulo e um no Rio de Janeiro. Além da palestra sobre: "limites e perspectivas para o desenvolvimento das cidades e regiões metropolitanas", no dia 16, ela foi convidada e aceitou fazer palestra na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e se encontrar com lideranças da comunidade judaica.

Aos 65 anos, Dayan trabalha na prefeitura da maior cidade de Israel [Tel Aviv] além de atuar em diversos movimentos pacifistas, feministas e de homossexuais.

Em meio a viagens pelo exterior para divulgar suas idéias pela paz e do plano alternativo de Genebra (Suíça), Dayan, que fala cinco idiomas [hebraico, inglês, espanhol, francês e grego] concedeu entrevista exclusiva à Folha Online, em hebraico.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha Online - A senhora pode nos adiantar qual enfoque vai dar sobre Tel Aviv, na sua palestra na Urbis 2004?

Dayan
É um encontro muito importante e vou falar sobre muitos problemas sociais da cidade. É uma metrópole que atrai muita gente e por isto tem mais trabalhadores estrangeiros, mais imigrantes, problemas de drogas, prostituição e uma grande comunidade homossexual. Tudo é maior em Tel Aviv por se tratar de uma cidade grande, aberta e liberal. Há também problemas de bem-estar mas não é, se comparada por exemplo a Jerusalém, uma cidade pobre.

Acredito que podemos dar exemplo em muitos assuntos, como os programas modernos de atendimentos às crianças, menores e na educação além de programas especiais que tratam da violência na família, de deficientes, de forma profissional.

Folha Online - Sobre a política de Israel e o governo do premiê Ariel Sharon, a senhora acha preferível desocupar os territórios de Gaza de forma unilateral ou procurar parceiros para o diálogo?

Dayan
- Há um programa, há com quem falar do lado palestino. Podemos ir direto a um esquema final. Mas nós não temos um governo que quer isto e o governo Sharon não é um parceiro para o diálogo. Do outro lado [palestino], sim, há parceiros. E, por isto, nós apoiamos qualquer iniciativa unilateral.

Folha Online - Mas o governo Sharon argumenta que não há com quem conversar do lado palestino...

Dayan
- Ok. Então eles [membros do governo] fazem o que querem.

Folha Online - O jornal "Maariv" publicou ontem uma pesquisa na qual Sharon recebe apoio de 61% dos partidários do Likud [direita] e 51% de toda a população. O que a senhora pensa sobre estes números?

Dayan
- Bem, o plano de Sharon é um programa mínimo, mas é claro que a população quer que algo aconteça. As pessoas não aceitam mais serem reféns dos colonos. Este apoio não me causa surpresa. Há inclusive números ainda maiores de israelenses que querem a desocupação total dos assentamentos.

Folha Online Mesmo com este apoio popular, Sharon se encontra numa "guerra de sobrevivência". Ele não consegue ir adiante com seu plano que já foi rejeitado no referendo realizado com seus partidários...

Dayan
- Este plebiscito dentro do Likud foi um grande erro. Não teve nenhuma validade e não dá legitimidade a nada.

Folha Online - Mas o resultado conseguiu paralisar o andamento do plano de retirada dos territórios...

Dayan
- Bem, ele precisa receber autorização para o plano. Ele viu que não tinha apoio da maioria do governo então optou pelo plebiscito, pensando que venceria. Ele tem de aproveitar o apoio da maioria dos parlamentares e levar adiante a idéia.

Folha Online - Sem qualquer esquema, os palestinos lançam foguetes Qassam, de fabricação caseira, em cidades israelenses e continuam com os atentados. O que acontecerá após a retirada das forças militares de Israel que atualmente ocupam Gaza? A ameaça aumentará?

Dayan
- A intenção é parar isto e acredito que a ameaça diminuirá. Eu apóio a retirada de todos os territórios ocupados por Israel [Gaza e Cisjordânia], fazer acordo e implantar um Estado palestino. Sem isto, é óbvio que o terror não vai acabar.

Folha Online - A senhora é uma das líderes da iniciativa de Genebra [plano alternativo de paz redigido por israelenses e palestinos e lançado há cerca de cinco meses]. Por que este programa saiu da pauta diária em Israel e não se vê nenhuma avanço sobre o assunto?

Dayan
- Para aonde ele precisa avançar? O avanço é no sentido de divulgá-lo e para receber apoio da população. Nós realizamos palestras e eventos diariamente em diferentes cidades com este objetivo. Na manifestação que reuniu mais de 100 mil pessoas em Tel Aviv, há duas semanas, nós fomos dominantes. Por meio do site na internet pode-se ver atividades diárias promovidas pelos líderes israelenses e palestinos. Este é o nosso programa, nosso trabalho: passar por todo o país e divulgar esta idéia.

Folha Online - O plano não tem reconhecimento dentro no governo nem no Knesset (Parlamento israelense) e os partidos de oposição ao governo estão em minoria. O que aconteceu com a esquerda?

Dayan
- Esta é uma pergunta muito geral e quase demagógica. O que se pode responder? O que você acha que aconteceu?

Folha Online - Algo foi perdido no meio do caminho depois da morte do ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin, assassinado em 1995 por um extremista judeu, e principalmente após a renúncia de Ehud Barak que acabou resultando na volta da direita ao poder?

Dayan
- É claro que a morte de Rabin sinalizou uma mudança de rumo, somando a intifada [revolta palestina contra a ocupação israelense] e o fracasso do governo Barak. A pergunta não é por que não votam na esquerda; e, sim, por que votam na direita? A resposta se encontra aí. Por que esta histeria em apoiar a direita, o racismo e o golpe nas camadas mais baixas da sociedade? Por que os mais fracos votam justamente em quem os prejudica? A esquerda existe e agora está tratando das feridas após o assassinato de Rabin. A esquerda tem um programa positivo de diálogo e que não se modificou na sua base nos últimos anos.

Quanto a votação que a direita recebe, não digo que o Arafat é responsável (Iasser, presidente da Autoridade Nacional Palestina), mas não é absolutamente errado que aqui o terror trocou o programa político, uma reconciliação ou esquema. E isto é muito confortável para a direita. Ela não tem plano político e não é exigida por isto. Até porque não conseguem nada. A direita é exigida quanto a problemas de segurança.

Folha Online - Por que os israelenses votam em Sharon, apóiam o plano de retirada, desprezam a esquerda, mas no fundo estão confusos já que não acreditam que algo vai mudar?

Dayan
Na eleição, eles [israelenses] vão às urnas e votam em Sharon. As pessoas falam que não sabem, ficam indecisas e dizem que não sabem em quem votar até que uma urna é aberta e a maioria vota em Sharon. Isto não é confusão, votar é uma escolha que, sem dúvida, mexe com a vida de todos. Isso não pode continuar para sempre. Afinal, o que é não fazer nada? O que tem de ser feito é desocupar os territórios e, até que este processo não seja iniciado, não somos parceiros para nada. Essa cena gera grande apoio à retirada. As pessoas não são burras e querem ver a primeira família sair de Gaza e entrar no território israelense com suas crianças, com seus pertences, e, neste momento, nós [a esquerda] temos de voltar ao quadro político com toda a força.

Folha Online O que a senhora pensa sobre o apoio egípcio?

Dayan
Vem um pouco tarde, mas não é um jogo. Eles também estão sendo pressionados como nós, pelos americanos e por países europeus.

Folha Online - A senhora concorda com a idéia que propõe o fechamento da fronteira entre Israel e Gaza, obrigando, neste caso, a saída dos palestinos através do Egito e ao governo egípcio a responsabilidade pelo povo palestino?

Dayan
Por que eles deveriam sair pelo Egito? Nós ocupamos o lugar durante tantos anos. Antes de mais nada eles não são egípcios e também não há motivo algum para os egípcios aceitarem isso. O Egito não quer nenhum papel, o que desejam é ter boas relações com os Estados Unidos e Europa. Eles farão o mínimo pois não nos suportam nem gostam dos palestinos.

Folha Online Que tipo de recepção a senhora espera encontrar no Brasil com relação as suas idéias esquerdistas?

Dayan
De um modo geral, os judeus brasileiros se identificam com a esquerda israelense, mas a comunidade judaica é problemática. Eles não aceitam o que não é de consenso. Eu espero que me escutem, que tenha imprensa que explique as coisas, mas sei que não tenho "cartão de entrada gratuita" dentro da comunidade judaica do Brasil. Não é confortável para eles as críticas ao governo israelense, mesmo que concordem comigo.

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