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14/05/2010 - 22h54

Escritor José Saramago lamenta afastamento de juiz Garzón

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da France Presse
Colaboração para a Folha

O escritor português José Saramago disse nesta sexta-feira que "as lágrimas do juiz (Baltasar) Garzón são hoje as minhas lágrimas", ao comentar a decisão da Justiça espanhola de afastar o magistrado indiciado por investigar crimes da época da ditadura franquista.

O juiz mais famoso da Espanha e um dos mais prestigiosos de todo o mundo, Garzón construiu sua carreira com base na defesa da justiça universal e na investigação e condenação de crimes como os 114 mil desaparecidos da Guerra Civil (1936-1939) e os primeiros anos da ditadura do general Francisco Franco (1939-1975).

Arturo Rodriguez-06.mai.10/AP
Juiz espanhol Baltasar Garzón fez carreira em grandes casos de justiça internacional
Juiz espanhol Baltasar Garzón fez carreira em grandes casos de justiça internacional

O Conselho Geral do Poder Judiciário Espanhol (CGPJ) suspendeu o juiz de suas funções nesta sexta-feira por ter sido indiciado por querer investigar crimes anistiados da guerra civil espanhola e da ditadura franquista.

"As lágrimas do juiz Garzón hoje são as minhas lágrimas. Há anos, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares", afirma o escritor, em texto publicado no site da Fundação José Saramago.

"Ou melhor dito, por juízes que nunca processaram Pinochet nem ouviram as vítimas do franquismo."

"Com o afastamento de Garzón, os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede", escreveu, referindo-se a uma história segundo a qual um camponês de Florença, durante a Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça tinha morrido.

"Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente."

Garzón

Nascido em 26 de outubro de 1955, Garzón é o segundo dos cinco filhos de Ildefonso Garzón e María Real. Ele estudou no seminário de Baeza até os 16 anos, quando abandonou para estudar Direito na universidade de Sevilla, onde estava durante o fim da ditadura franquista.

Em seu livro "Um mundo sem medo", Garzón conta, em forma de cartas a seus três filhos, que era um adolescente tímido e com "medo de chamar a atenção". Em 1981, ingressa para a carreira de juiz que o tornaria famoso.

Um ano antes, se casa com Rosario. No livro "Garzón, o homem que viu o amanhecer", a autora Pilar Urbano conta que o juiz era um tanto machista em casa, mas que a relação do casal era ótima. "Garzón não toma decisões sem consultar Yayo", conta Urbano, se referindo ao apelido de Rosário.

Em 1993, Garzón aceitou o convite para concorrer às eleições como número dois do socialista PSOE em Madri. No ano seguinte, deixou o cargo dizendo ter sido manipulado como um boneco pelo partido e irritado por não ter sido nomeado coordenador dos serviços de inteligência.

Ele entrou para a Audiência Nacional, a mais alta instância judiciária espanhola como titular do Juizado de Instrução Número 5, e colocou no banco de réus banqueiros, policiais, políticos, terroristas e fraudadores.

Em junho de 1990, lançou a Operação Nécora, que marcou o início de uma época de grandes. Também lançou uma guerra contra o tráfico de drogas cujo alvo era a própria Unidade Central de Entorpecentes da Guarda Civil. Há ainda a batalha judicial contra o GAL, o grupo que desenvolveu a guerra suja contra a ETA, entre 1983 e 1987, e cujo julgamento levou à prisão do ex-ministro do Interior José Barrionuevo e o ex-secretário de Estado Rafael Vera.

Nos últimos anos, lançou uma campanha pelas grandes causas humanitárias e a justiça internacional.

Ele foi decisivo na luta contra o grupo separatista terrorista ETA, com uma estratégia de destruir a ala financeira do grupo e seus apoiadores. Em alguns anos, Garzón fechou o jornal "Egin", prendeu os membros do grupo coordenador KAS e seu sucessor Ekin, e ampliou o cerco contra o aparato internacional do ETA.

Em 2002, suspendeu as atividades do Batasuna, antecipando o Supremo Tribunal Federal, que preparava a proibição do partido nacionalista pela aplicação da Lei dos Partidos Políticos.

O juiz já recebeu prêmios do Fórum Ermua e da Fundação Gregorio Ordonez por seu trabalho contra o grupo basco.

Em 1998, determinou a prisão do ex-ditador Augusto Pinochet em Londres, após aproveitar uma nova acusação para se apropriar do caso do Juizado de Número 6.

Garzón também se dedicou a guerra contra o terrorismo e, em 2003, decretou ordem de detenção contra o líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden.

O estilo um tanto ousado do juiz atraiu ainda o apoio dos investigadores, que viram nele um aliado em causas normalmente sem apoio no Judiciário.

Do outro lado

Em 2008, em mais um processo típico de sua carreira, Garzón tentou realizar uma investigação sobre os 114 mil desaparecidos da Guerra Civil (1936-1939) e os primeiros anos da ditadura do general Francisco Franco (1939-1975).

O juiz, contudo, não tinha competência para isso e teria ignorado a lei de Anistia decretada em 1977, em meio ao processo de reconciliação da Espanha.

Três organizações consideradas de extrema direita --Mãos Limpas, Falange Espanhola e Liberdade e Identidade-- abriram processo contra o juiz.

Até a tentativa de investigação de Garzón, nunca houve nenhuma avaliação formal das atrocidades cometidas durante a guerra e a ditadura.

Garzón foi indiciado no mês passado pela Suprema Corte, que rejeitou nesta semana as últimas apelações que poderiam ter poupado o juiz de ir ao tribunal nos próximos meses. Quando as apelações acabaram, ele foi suspenso de suas funções.

Mesmo inevitável, muitos na Espanha estão tratando a suspensão como mais importante e devastadora que qualquer veredicto que possa ser dado em julgamento.

O advogado de Garzón, Gonzalo Martinez-Fresneda, disse há algumas semanas que, se Garzón fosse suspenso, seria o fim de sua carreira, independentemente do que aconteça nos tribunais.

Nesta semana, Garzón pediu uma licença de seu cargo na Audiência Nacional para que pudesse aceitar um trabalho na Corte Internacional de Haia. Não se sabe se ele poderá cumprir a função agora que foi suspenso na Espanha.

Na saída do CGPJ, Garzón foi recebido por apoiadores entusiasmados, que gritavam seu nome e o aplaudiam. Ele chegou a abraçar alguns colegas de trabalho antes de entrar em uma limusine e ir embora.

 

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