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11/09/2004 - 06h05

Para especialista, 11/9 é usado para fins eleitoreiros

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CLARICE SPITZ
da Folha Online

Três anos depois, a memória da tragédia do 11 de Setembro permanece viva para a sociedade americana. Na opinião do professor de Relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da UFF (Universidade Federal Fluminense) Williams Gonçalves, 51, ela ainda vai continuar por muito tempo e está sendo lembrada sobretudo nas eleições presidenciais dos EUA deste ano.

De acordo com ele, o ataque terrorista está sendo mais do que nunca explorado por George W. Bush e John Kerry, que têm usado a lembrança do 11 de Setembro e o terrorismo internacional para fins eleitoreiros.

Em entrevista à Folha Online, Gonçalves afirma que a Doutrina Bush [possibilidade de fazer guerras preventivas sempre que os EUA se sentirem ameaçados, garantindo a "segurança" da sociedade americana] não ajuda em nada a paz mundial e o terrorismo ocorre hoje porque as relações políticas estão atrofiadas.

Folha Online - Nunca a política externa foi tão decisiva na escolha do candidato a presidente dos Estados Unidos. Este ano o 11 de Setembro foi muito lembrado pelos candidatos, inclusive na escolha de Nova York para sediar a convenção republicana. Qual a avaliação que o sr. faz do impacto do 11/9 nas eleições americanas?

Williams Gonçalves - Bush na condição de candidato à reeleição tem procurado explorar ao máximo o 11 de Setembro. Ele tem procurado mostrar ao eleitorado que a política internacional que desenvolveu após o 11 de Setembro é a mais correta, que é a que garante mais segurança aos EUA e a seus aliados. Para isso ele tem usado bastante os sinais de alerta de segurança, eu ousaria dizer que ele tem usado a lembrança do 11 de Setembro e o terrorismo internacional para fins eleitoreiros.

Folha Online - E o candidato John Kerry?

Williams Gonçalves - Kerry também usa o 11 de Setembro. A sociedade norte-americana viu que o território americano não é inviolável. Porém, Bush se sente mais do que qualquer outro autorizado a fazer isso uma vez que ele era o presidente quando o fato ocorreu. Mas este é um tema natural da corrida eleitoral. É um tema que se impõe a qualquer um dos candidatos.

Folha Online - Na memória do americano hoje o tema está tão vivo quanto há três anos?

Williams Gonçalves - Os cidadãos gostariam de esquecer tudo, gostariam de voltar a se sentir seguros, porém o 11 de Setembro vai se impor durante muito e muito tempo ainda para a sociedade americana, até mesmo depois das eleições.

Folha Online - O senhor acha que a Doutrina Bush sofreria mudanças em um eventual segundo mandato?

Williams Gonçalves - Eu penso que não haveria mudanças porque as idéias que foram praticadas por Bush contra o terrorismo vinham sendo gestadas há muito tempo pelos intelectuais que o cercam. Elas não brotaram depois do 11 de Setembro, o que aconteceu é que os ataques criaram as condições necessárias para que essas idéias extremadas fossem alçadas à condição de diretriz da política externa dos EUA. Quem acompanhava a política americana há de se lembrar que Bush começou o período de governo de maneira muito hesitante. Ele não tinha verdadeiramente um programa, ele tinha conquistado a Presidência a partir de um processo eleitoral de legitimidade duvidosa e não tinha uma direção muito clara. Por isso acho que a doutrina não vai mudar.

Folha Online - As pessoas no mundo hoje vivem mais ou menos tranqüilas com a Doutrina Bush?

Williams Gonçalves - A Doutrina Bush não ajuda em nada a estabilidade internacional e a paz mundial. É uma doutrina que causa muita inquietação. Se nós formos comparar, na Guerra Fria estava em jogo a possibilidade da guerra nuclear, que os estudiosos chamavam de "equilíbrio pelo terror". As duas superpotências [EUA e ex-União Soviética] não se enfrentavam porque havia o risco de destruição do planeta. A ameaça hoje é o terrorismo. Porém, no período da Guerra Fria, os EUA conseguiram legitimidade para suas políticas defensivas. Hoje em dia, o problema é que são poucos os aliados de Bush que assinam embaixo do que ele faz e isso faz com que todos fiquem inquietos. A "doutrina da contenção" [imposto durante o período das Guerra Fria para conter o expansionismo soviético] tinha a legitimidade que hoje a Doutrina Bush não consegue ter. A doutrina da guerra preventiva cria instabilidade e não dá estabilidade.

Folha Online - Os críticos chamam Kerry de "fraco" e "indeciso" por ter votado a favor da Guerra do Iraque e depois se posicionar contra ela. O sr. acha que, se eleito, ele terá uma política externa diferente de Bush?

Williams Gonçalves - A curto prazo não. Uma política externa do Kerry pode fazer alguma diferença fazendo os EUA voltarem aos fóruns multilaterais. Uma das características fortes de Bush é o unilateralismo. Ele mandou o Protocolo de Kyoto [acordo das Nações Unidas que prevê a redução das emissões de gases do efeito estufa em 8%, em relação aos índices registrados em 1990] às favas. As tropas ficarão estacionadas no Iraque, por exemplo, durante muito tempo ainda. Bush criou uma situação que não permite uma solução rápida.

Folha Online - Qual dos dois candidatos é mais interessante para o Brasil?

Williams Gonçalves - Na teoria, sempre foi muito melhor para o Brasil as relações com os republicanos porque, a princípio, eles estão mais comprometidos com o livre comércio. A preocupação deles são os negócios. Em tese, os democratas têm o apoio dos sindicatos, sendo protecionistas. No plano teórico seria muito melhor negociar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) com os republicanos que com os democratas, que deveriam ser mais duros na negociação. Mas acho que a diferença será muito pequena para o Brasil.

Folha Online - Ao mesmo tempo que Osama bin Laden [líder da rede terrorista Al Qaeda que reivindica os ataques de 11 de Setembro] não foi preso, a tragédia da escola russa na semana passada foi atribuída a rebeldes de origem árabe. De que maneira o 11 de Setembro reforçou a "cultura do medo" nos EUA e no mundo?

Williams Gonçalves - O 11 de Setembro foi o ataque terrorista máximo, pela maneira espetacular como foi produzido, pelo número de mortes e por ter acontecido em Nova York. Com o fim da Guerra Fria e do comunismo, em toda parte se defende o status quo, todos os governos, as elites dos principais países chegaram à conclusão que não há alternativas válidas para o modelo econômico-social existente. Então Putin [Vladimir, presidente da Rússia] diz que a luta dele é a mesma da de Bush. Todos sabem que não é, mas fingem que é e todos se apóiam para manter a ordem dos países como está. Não quero defender o terrorismo, mas ele se justifica porque as relações políticas estão atrofiadas. Ninguém quer discutir por razões racionais se o tchetchenos devem ser independentes ou ouvir as razões dos árabes e muçulmanos. O grande problema é que o mundo esgotou suas alternativas e movimentos mais fanatizados se lançam a esse tipo de atitude que não leva a nada, só reforça o status quo.

Folha Online - Qual a opinião do sr. a respeito das conclusões dos relatório parlamentar que investigou o 11 de Setembro que apontaram críticas na segurança interna, mas isentaram os chefes de Estado de responsabilidade?

Williams Gonçalves - Foi uma maneira de diluir as responsabilidades porque todo mundo sabia disso. A manipulação que Bush fez foi escandalosa, mas denunciar aquilo naquele momento seria ser chamado de antipatriótico. Por isso é que acaba havendo uma certa homogeneização, um consenso para políticas as mais enlouquecidas do Bush porque ninguém quer ser acusado de antipatriótico mesmo três anos depois. Todos fazem mea-culpa, exageraram porque tinham boas intenções, porque são bons patriotas. É um compromisso coletivo para dizer que Bush se excedeu, mas, por outro lado, dizer que a culpa não foi dele, que se baseou em relatórios que não foram bem feitos. Nos EUA, o medo de parecer antipatriota é uma característica fundamental.

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