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17/06/2005 - 08h03

Análise: As eleições no Irã são mera formalidade?

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SAMUEL FELDBERG
especial para a Folha Online

A população iraniana esta sendo novamente convocada a votar em eleições presidenciais, após dois mandatos do presidente Mohammad Khatami e um longo período de expectativas frustradas.

Passados 26 anos da revolução que derrubou o xá Reza Pahlevi (1979) e colocou no poder o radicalismo xiita do aiatolá Khomeini, as eleições caracterizarão mais que nunca um referendo do atual governo. Talvez não tanto da Presidência que está sendo renovada [o presidente Khatami não pode ser reeleito após dois mandatos consecutivos], quanto da frustração pela ausência daquelas reformas que as duas ultimas eleições prenunciaram.

Khatami foi eleito com 70% dos votos, primeiramente em 1997, em eleições que contaram com a participação de 90% do eleitorado, um índice nunca antes alcançado não só no Irã, mas em toda a região [obviamente estão descartados aqueles resultados como no Iraque ou na Líbia que mostravam a reeleição de seus lideres por 99,9% dos votos] e reeleito em 2001 também com expressiva participação e percentual dos votos.

Mas para a maioria da população o mandato de Khatami somente serviu para demonstrar que o poder efetivo está nas mãos do aiatolá Ali Khamenei, o Conselho Islâmico de 12 membros e as várias organizações que controlam a segurança e que se recusaram teimosamente a atender as reivindicações por reformas.

O eleitorado iraniano caracteriza-se pela sua juventude [70% da população tem menos de 30 anos] e por uma aliança desta parcela do público com as mulheres, excluídas desde a revolução de amplas áreas da sociedade iraniana. Foi esta "coalizão" que garantiu a eleição e reeleição de Khatami, e que hoje está sendo conclamada a boicotar as eleições como sinal de seu descontentamento com a política anti-reformas da liderança religiosa radical.

Ambiente externo

O resultado das eleições, ainda que importante para ressaltar a promoção da democracia tão alardeada pelo governo de George W. Bush --este deve estar extremamente incomodado com a experiência democrática iraniana, ainda que possíveis vencedores reformistas não sejam capazes de implementar quaisquer reformas-- pouco efeito terá em questões de política externa iraniana.

A localização estratégica do Irã, aliada a suas reservas de petróleo fizeram do país o principal aliado norte-americano na região até a revolução xiita de 1979. Nos últimos anos o país tem-se mantido como alvo da política externa dos EUA como um dos membros do "eixo do mal", acusado de exportar o terrorismo [através do Hizbollah libanês] e desenvolver uma tecnologia nuclear que permitiria a confecção de armas atômicas. O programa de mísseis iranianos de longo alcance também é um dos mais bem sucedidos entre os países não-desenvolvidos.

Apesar destes fatores, nota-se um certo relaxamento na beligerância demonstrada pelos EUA. O fenômeno pode ser explicado por diversos fatores:

A difícil situação no Iraque, que demanda um esforço cada vez maior de uma força militar limitada, certamente poderia ser complicada por uma intervenção iraniana hostil, que apoiasse a revolta sunita ainda que isto contrariasse os interesses étnicos xiitas do Irã. Alternativamente, o incitamento da maioria xiita radical iraquiana [representada por Moqtada al Sadr] poderia comprometer os esforços norte-americanos baseados nas expectativas dos moderados xiitas de uma maior participação em um novo governo Iraquiano.

A situação no Afeganistão, ainda que não tão dramática quanto no Iraque, tampouco é tranqüila. A porosa fronteira com o Irã poderia permitir o refúgio de líderes afegãos que se opõem ao atual governo, dificultando tremendamente a estabilização do país e exigindo eventualmente o reengajamento de tropas norte-americanas em um momento extremamente desfavorável.
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Mas talvez a principal razão seja a constatação --especialmente após os últimos anos no Iraque-- de que é impossível dobrar os iranianos através de uma ação militar. O bombardeio do reator iraquiano de Osirak pelos israelenses em 1980 serviu de lição ao Irã e suas principais instalações nucleares estão espalhadas, protegidas, reforçadas e camufladas. O país não pode ser invadido e derrotado como o Iraque, e um ataque cirúrgico provavelmente geraria um maciço apoio da população a um monumental esforço de resistência. A ameaça ao livre fluxo de petróleo no golfo Pérsico tornar-se-ia um risco difícil de compensar com os improváveis resultados positivos de qualquer ataque. Somente o aumento do risco poderia elevar de tal maneira os preços do petróleo que estagnaria a economia mundial, outro cenário do qual os EUA preferem distanciar-se.

Uma das evoluções ao longo dos últimos anos foi a crescente onda de protestos, assim como as atividades de dissidentes, que lembram aqueles da era soviética. Mas estas manifestações de descontentamento, ainda que se alastrem pela sociedade iraniana, tendem mais a gerar um impasse que a provocar mudanças radicais. A liderança religiosa e o establishment estão seguramente estabelecidos no poder e os recentes aumentos de preço do petróleo tem revertido a erosão no padrão de vida da população permitindo uma maior distribuição da arrecadação crescente.

Os candidatos nesta eleição já não apresentam a atraente alternativa que Khatami representou no passado e a opção de abstenção tem-se mostrado como a melhor arma desta parcela descontente para expressar sua revolta.

Assim como em outras sociedades afetadas por problemas semelhantes, a maior parte da população está mais preocupada coma solução de seus problemas mais prementes. Jovens, "filhos da revolução" estão em busca de uma posição no mercado de trabalho ou de vagas nas universidades e, ainda que profundamente nacionalistas, almejam os benefícios oferecidos pela sociedade de consumo do ocidente. Mas uma vigorosa retomada econômica do país não será possível sem uma volta em peso das grandes empresas petrolíferas, inclusive as norte-americanas, e uma retomada do investimento para a produção, refino e exportação dos recursos energéticos do país.

As eleições desta sexta-feira provavelmente não trarão grandes mudanças. Certamente confirmarão o distanciamento da população dos líderes religiosos que controlam o país, seja através da eleição de outro presidente reformista, seja através da abstenção em massa que vem sendo apresentada como a melhor resposta a este descontentamento.

Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), é membro do Gacint (Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP) e professor das Faculdades Integradas Rio Branco


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