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01/07/2005 - 11h57

Sanção econômica foi "favor" dos EUA ao Irã, diz embaixador

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EMÍLIA BERTOLLI
da Folha Online

A restrição econômica imposta pelos Estados Unidos ao Irã, em 1981, foi o "melhor favor" que os americanos puderam fazer ao país. A afirmação é do embaixador do Irã para o Brasil, Seyed Jafar Hashemi, 51, que concedeu entrevista à Folha Online, por telefone, nesta quinta-feira.

Hashemi explica que, mesmo sem ter sido essa a intenção americana, o "aperto" dos EUA acabou gerando grande crescimento econômico e tecnológico, que levou o Irã a parcerias com outros países, como China, Índia e França.

Apesar do prognóstico otimista do embaixador, a perspectiva de pressão dos EUA sobre o Irã tende a se tornar ainda mais acirrada. O governo americano critica o programa nuclear iraniano, dizendo que a tecnologia será usada para a construção de bombas nucleares, e censura o resultado das eleições presidenciais realizadas no mês passado, da qual saiu como vencedor Mahmoud Ahmadinejad --que diz que o Irã não precisa dos EUA para progredir.

Questionado sobre uma possível intervenção militar dos EUA no Irã --em caso de as relações entre os dois países se tornarem ainda mais difíceis--, Hashemi disse desconsiderar essa possibilidade. "Isso pararia o mundo", afirmou, referindo-se ao fato de o Irá estar localizado no golfo Pérsico, região que abriga cerca de 60% das reservas mundiais de petróleo.

Leia íntegra da entrevista concedida à Folha Online.

Folha Online - O sr. pensa que o presidente eleito do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, considerado um político da linha ultraconservadora, conseguirá cumprir a promessa de ser menos radical e de privilegiar a democracia em seu governo?

Seyed Jafar Hashemi - Nós temos que considerar que essas divisões que vocês fazem dos grupos políticos do Irã são conceitos do Ocidente. Aqueles que vocês chamam "conservadores" fizeram mais reformas que os próprios reformistas. Vocês dizem, por exemplo, que o presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, é de esquerda. Mas algumas mudanças que ele fez são semelhantes às que foram realizadas pelo governo anterior. Essas divisões ocidentais não dizem respeito às divisões dos grupos partidários em nosso país. Ahmadinejad deixou claro em sua campanha eleitoral que não gosta de fazer exageros. Na nossa opinião, o processo democrático continua, e não haverá radicalismo.

Folha Online - O sr. considera que o presidente eleito poderá abandonar algumas aberturas sociais, principalmente as relacionadas com a questão das mulheres [o atual presidente, Mohammad Khatami, quebrou a obrigatoriedade do uso da cor preta para a roupa das mulheres, além de permitir outras mudanças nos trajes femininos]?

Hashemi
- Em primeiro lugar, uma das frases bem destacadas de nosso [novo] presidente é que as roupas não são uma maneira de distinguir uma pessoa de outra, e nós não fazemos distinções nesse sentido. Mas nós temos que explicar que as pessoas de fora do país fazem um pré-julgamento de uma coisa que não existe. Em qualquer país do mundo existe um tipo de vestuário tradicional. Dentro dos princípios islâmicos, existe uma forma de vestuário para distinguir um muçulmano de um não-muçulmano. Se você viajar para o Irã, vai verificar que as mulheres no nosso país fazem muitas atividades em diversas áreas: as mulheres representam 60% das pessoas que entraram nas universidades neste ano.

Folha Online - Apesar da mudança de governo no Irã [com a posse de Ahmadinejad, em 3 de agosto], o poder ainda ficará fortemente ligado ao aiatolá Ali Khamenei (conservador), líder supremo, e ao Conselho dos Guardiães (órgão dominado pelo clero linha-dura do país). O sr. pensa que a divisão do poder entre alas conservadoras facilita o recrudescimento cultural e político?

Hashemi
- A divisão dos poderes no Irã está descrita em nossa Constituição, e há divisão entre o poder Executivo, Legislativo e Judiciário. E, tanto agora como antes, essas divisões são respeitadas por todos. O povo elegeu o presidente Ahmadinejad.

Folha Online - Analistas ocidentais previam a vitória do candidato reformista e ex-presidente Hashemi Rafsanjani nas últimas eleições presidenciais, mas Ahmadinejad chegou ao segundo turno e venceu o pleito. O sr. avalia esse resultado como uma surpresa?

Hashemi
- Os países ocidentais nunca podem prever sobre o que vai acontecer no Irã. As previsões externas chegaram a dizer que mais de 70% da população não iria comparecer às urnas, e tivemos uma grande participação [63% e 49%, no primeiro e segundo turnos, respectivamente]. Fizeram previsões erradas. A vitória de Ahmadinejad já era esperada no Irã, e ninguém cogitava a eleição de Rafsanjani. O ambiente de nosso país era contrário ao que quiseram expor. As previsões externas foram mais influenciadas pelos desejos de certos centros de poder fora do país, como os Estados Unidos, e não foram baseadas na realização de pesquisas internas.

Folha Online - O presidente eleito disse que "o Irã não precisa dos EUA para progredir". Além disso, as relações do país com a Europa também estão fragilizada [devido à questão do suposto programa iraniano de desenvolvimento de armas nucleares] Atualmente, quais são os países orientais que mantêm acordos comerciais com o Irã?

Hashemi
- Há muitos países que atualmente não acreditam no bloqueio imposto pelos EUA contra o Irã (1981) e têm boas relações conosco. A União Européia (UE) é nosso primeiro parceiro em relações comerciais externas. Temos acordos comerciais e boas relações com a maioria dos países orientais. A frase de nosso presidente parte de um princípio que, desde a revolução islâmica (1979), estamos desenvolvendo a auto-suficiência em diversos níveis. Em nível econômico, o país se desenvolveu muito nos últimos anos, baseando-se em seus esforços internos. Não foi com a ajuda dos EUA que registramos crescimento de 7% ao ano.

Sobre a frase do nosso presidente, podemos dizer que nossa política externa está baseada em boas relações com todos os países, quando existe respeito mútuo e não-interferência em assuntos internos. Ahmadinejad também falou que o governo dele será de paz mundial e justiça nas relações internacionais.

Folha Online - Como o sr. avalia o programa nuclear do Irã?

Hashemi
- Queremos desenvolver novos meios para produção de energia e de uso pacífico para energia nuclear. O Irã é um dos países que assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e tecnicamente não podemos desenvolver armas nucleares. O próprio documento do tratado diz que os países-membros têm direito a fazer uso da energia atômica para fins pacíficos. A própria AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) já afirmou que os programas do Irã estão de acordo com a regulamentação internacional e não houve nenhuma violação do acordo com nossos programas.

Folha Online - E por que os EUA dizem que o Irã viola a regulamentação internacional e desenvolve armas nucleares?

Hashemi
- Consideramos tudo isso como propaganda política. O processo do Irã [na AIEA] é mais político do que técnico. Nós acreditamos que há razões comerciais para os EUA reagirem dessa forma contra o Irã. O privilégio da produção de combustíveis atômicos está nas mãos de países como EUA e Alemanha, e eles não querem que outros países e outras pessoas entrem nesse mercado. Nós precisamos de combustível nuclear para o funcionamento de nossas usinas, e se não o fabricarmos, temos que comprar de fora. Se tivermos uma produção interna, estamos desafiando esses países. Tecnologia nuclear é base para outros estudos e interesses, e para o desenvolvimento técnico. É nossa obrigação fazer isso.

Folha Online - O sr. vê alguma possibilidade de os EUA agirem militarmente contra o Irã?

Hashemi
- Não existe essa possibilidade. A principal razão para que isso não aconteça é a posição geopolítica do Irã dentro da região. A posição do Irã é completamente diferente da de outros países, como Afeganistão e o Iraque. De um lado, temos o mar Cáspio (norte) e, ao sul, somos banhados pelo golfo Pérsico. Cerca de 60% das energias mundiais de petróleo estão concentradas nessa região. Basta acontecer alguma instabilidade no Irã para parar o mundo. Além disso, há um sentimento patriótico muito forte no Irã. Os iranianos jamais aceitariam a invasão externa.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o programa nuclear iraniano
  • Leia o que já foi publicado sobre Mahmoud Ahmadinejad
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