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16/08/2005 - 07h00

Para especialista, retirada ocorre por motivos "oportunistas"

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DANIELA LORETO
da Folha Online

Embora o premiê Ariel Sharon negue, a retirada dos 21 assentamentos judaicos da faixa de Gaza também representa um fortalecimento da presença israelense na Cisjordiânia, que é mais importante para Israel --o que significa uma medida oportunista e com pouca chance de pôr fim à crise israelo-palestina.

"Não vejo nenhuma indicação séria de que Sharon esteja disposto a fazer concessões territoriais mais abrangentes, que seriam necessárias para que se lançassem as bases de um Estado palestino viável e, desta maneira, chegar a um acordo de paz sólido com os palestinos", disse em entrevista à Folha Online, Peter Demant, 54, historiador especialista em Oriente Médio e professor de relações internacionais na USP (Universidade de São Paulo), autor de, entre outras obras, "O Mundo Muçulmano" (Contexto, 2004).

Nesta segunda-feira, entra em vigor o plano de retirada de cerca de 8.500 colonos judeus que vivem em Gaza e parte da Cisjordânia. Eles têm até a noite de terça-feira para sair voluntariamente de suas casas. Os que resistirem serão tirados à força pelo Exército de Israel, a partir de quarta-feira (17). Extremistas judeus prometem resistir.

Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online.

Folha Online: O senhor pensa que a retirada dos colonos dos assentamentos de Gaza e de parte da Cisjordânia irá deter os ataques terroristas contra Israel?

Peter Demant
: O fim dos ataques dependerá mais do balanço de forças dentro da comunidade palestina do que de qualquer atitude de Israel. Os palestinos são divididos em dois grupos. O primeiro, a princípio, gostaria de fazer um acordo de paz com Israel, baseado na retirada israelense dos territórios palestinos ocupados, o que aconteceria, primeiramente, em Gaza, e depois na Cisjordânia. Nestes territórios, seria construído um Estado palestino que, futuramente, coexistiria pacificamente com Israel. Este grupo representa a maioria entre os palestinos. O presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, também representa esta tendência, que se opõe a ataques terroristas contra Israel. Por outro lado, há um segundo grupo, uma oposição que tem elementos violentos, que rejeita o conceito da coexistência com Israel, cujas margens mais radicais não devem encerrar suas operações tão facilmente. Mais importante do que a política israelense é a reação da opinião pública palestina a esses ataques. É difícil prever, mas acredito que os ataques não irão cessar totalmente. No entanto, poderemos assistir a um período em que eles serão menores.

Folha Online: Há risco de, após a retirada de Gaza, os ataques migrarem para outros locais?

Demant
: Sim, isso faz sentido, por dois motivos: um deles estratégico e o segundo, político. Estrategicamente, a retirada dos colonos dos assentamentos de Gaza, que são alvos fáceis de ataques, por serem isolados dentro de um "mar humano" palestino, não existirão mais. Politicamente, após a retirada que, na minha opinião, irá ocorrer sem dramas demasiados, o foco dos ataques palestinos, logicamente, vai se mover para a Cisjordânia. É óbvio que [o premiê israelense] Sharon não planeja uma retirada maciça da Cisjordânia, como acontecerá agora em Gaza. Não devemos exagerar as dimensões. Em Gaza, são poucos milhares de colonos, contra uma população de palestinos acima de 1 milhão. Já na Cisjordânia, são pouco mais de 2 milhões de palestinos e um número entre 200 e 300 mil colonos. O equilíbrio entre as duas populações e a situação nos dois locais é bastante diferente. A Cisjordânia também envolve valores históricos, religiosos e estratégicos. O valor da Cisjordânia, para os israelenses, é muito maior e a resistência da direita israelense a uma retirada abrangente da Cisjordânia seria muito maior. Por isso, não acho que Sharon vá facilitar isso. Só um governo mais à esquerda aceitaria uma retirada abrangente da Cisjordânia.

Folha Online: Até que ponto a retirada deve ajudar nas negociações de paz entre Israel e os palestinos?

Demant
: Do lado palestino, embora eles não falem isso abertamente, acredito que, se a retirada de fato ocorrer, irá melhorar o sentimento de confiança entre parte da elite palestina em relação às intenções de Israel, ou ao menos em relação à seriedade de Israel em, após tomar uma decisão, implementá-la. Nesse sentido, poderá facilitar um pouco as negociações. Do lado israelense, para muitos membros da direita, é como se Israel "vendesse" a faixa de Gaza para manter seu controle sobre a Cisjordânia. Deste ponto de vista, a retirada irá provavelmente dificultar os diálogos sobre futuras retiradas mais amplas. No entanto, tudo dependerá de quem estiver no poder em Israel.

Folha Online: O senhor pensa na possibilidade de que Israel esteja se retirando de Gaza para justificar a permanência na Cisjordânia?

Demant
: Bem, oficialmente isso não existe. Hoje mesmo, Ehud Olmert, o vice de Sharon, negou essa teoria, mas eu acredito que é quase inevitável chegar a essa conclusão. Sharon sempre foi um líder da direita e proponente da colonização judaica da terra de Israel --Eretz Yisrael, ou seja, o conceito da Grande Israel), inclusive nos territórios palestinos, e que chegou a decidir por essa retirada de Gaza por motivos de segurança. Na minha opinião, a retirada também está sendo realizada para fortalecer o controle israelense na Cisjordânia, que é mais importante para Israel. Não vejo nenhuma indicação séria de que Sharon esteja disposto a fazer concessões territoriais mais abrangentes, que seriam necessárias para que se lançassem as bases de um Estado palestino viável e, desta maneira, chegar a um acordo de paz sólido com os palestinos. Por outro lado, também não vejo nenhuma indicação de que Sharon, ideologicamente, tenha modificado sua posição. Por isso, suspeito que a retirada esteja acontecendo por motivos mais oportunistas.

Folha Online: Muitos colonos israelenses ameaçam resistir à retirada. Até que ponto deve ir a resistência?

Demant
: A maioria dos colonos de Gaza e da Cisjordânia se opõem à retirada, já que perderão suas casas. Embora possam receber uma recompensa do governo, também significa para eles uma grande atrapalhação. Para muitos, também é a ruptura de um sonho ideológico. Por isso, eles consideram o governo de Sharon, ou qualquer outro governo que proponha uma retirada, traidor. Uma tendência à resistência existe. Por outro lado, não acredito que a maioria dos colonos use a violência. A resistência deve ser pacífica, com atos de desobediência civil, demonstrações, pressões políticas, mas não por meio de violência física. Apenas uma minoria está disposta a usar a violência. A maioria dos israelenses, mas também a maioria dos colonos, inclusive aqueles que serão desalojados, rejeita a violência. De qualquer maneira, não acho que a resistência seja capaz de frear o processo de retirada, uma vez que Israel tomou a decisão política de se retirar. O único risco grave é que grupos extremistas entre os colonos provoquem um 'banho de sangue' entre a população árabe, descarrilando o processo de paz e provocando uma retomada da violência por grupos extremistas palestinos. Um exemplo disso é o que ocorreu na semana passada, quando um soldado desertor do Exército israelense, que, em seguida, foi linchado, matou quatro árabes-israelenses em um ônibus. O [grupo extremista palestino] Jihad Islâmico já divulgou uma nota afirmando que estão considerando reações violentas. Na minha opinião, este é o maior risco.

Folha Online: A resistência violenta dos opositores extremistas poderia criar um novo conflito, desta vez entre os próprios israelenses?

Demant
: Isto poderia acontecer, mas, dentro de Israel, a situação é bastante diferenciada. Um terço ou um quarto dos israelenses são ideologicamente a favor da colonização e se opõem à retirada israelense. Mas a maioria hoje defende a separação entre as duas populações [israelense e palestina] e é a favor da retirada. Por enquanto, ela não colocaria Israel em perigo estratégica ou militarmente. A maioria quer a separação e está disposta a aceitar um Estado palestino como condição para colocar fim ao conflito. No entanto, não podemos excluir a possibilidade de extremistas se unirem a outras pessoas que defendem sua linha de pensamento e realizarem ataques contra outros judeus, provocando tensões políticas dentro de Israel. Mas não acredito que isso poderia resultar em uma guerra civil em Israel. Os tabus do uso de violência de judeus contra os outros judeus são fortes e a maioria dos israelenses são racionais demais para se deixar levar por essa direção. O que pode acontecer é que colonos radicais realizem ataques contra palestinos, provocando uma reação violenta do lado palestino e reaquecendo todo o ciclo de violência entre Israel e os palestinos. Esse é um risco real.

Folha Online: O senhor acredita que um Estado palestino independente possa ser criado em um futuro próximo?

Demant
: Em um futuro próximo, não, mas em um futuro meio termo, é a única saída. Mas esta questão envolve dois problemas. O primeiro é que nem todos os palestinos e nem todos os árabes e muçulmanos se satisfariam com esta solução. Há sempre uma parte do espectro político que só se satisfaria com a aniquilação do Estado de Israel. Inclusive, acho que no mundo muçulmano mais amplo, fora de Israel e dos territórios palestinos, essa linha vem ganhando mais apoio. Este é um dos problemas. Uma vez que se estabelecesse um Estado palestino viável, com coexistência razoável entre este Estado palestino e Israel, acho que os fatos seriam mais fortes e iriam facilitar a neutralização do conflito. Mas nós não temos ainda este Estado. Hoje, felizmente, o tabu sobre as negociações já é mais ameno, mas as dificuldades políticas, mesmo entre aqueles do lado palestino, que aceitam a idéia do Estado, são grandes. Isto porque a criação deste Estado implicaria em uma retirada israelense muito mais ampla do que Sharon está disposto a contemplar. Isto é o segundo problema. Na Cisjordânia, há centenas de milhares de colonos judeus vivendo em assentamentos, o que quase impossibilita territorialmente este Estado. Antes que um Estado palestino seja possível, israelenses e palestinos precisam ainda resolver questões como as de Jerusalém e dos refugiados. Ali há dificuldades políticas, tanto do lado palestino quando do israelense, bem maiores. Não digo que elas são insuperáveis, mas não acredito que sejam passíveis de uma solução durante o governo de Sharon.

Folha Online: Quais devem ser as conseqüências da retirada na relação e na vida cotidiana de israelenses e palestinos que moram na região?

Demant
: As conseqüências práticas devem ser mínimas, já que todos os colonos israelenses que serão retirados [de Gaza] são cerca de 8.000 pessoas em uma população de milhões. Eles são pontinhos insignificantes em termos territoriais práticos, não vejo quase nenhuma conseqüência. É uma questão mais ideológica. Em Gaza, a retirada vai dar fim a uma permanente provocação. No entanto, não deve solucionar nada para os palestinos, até porque Israel irá destruir toda a infra-estrutura dos assentamentos antes de serem retirados dos territórios que serão desocupados. E, mesmo se eles deixassem tudo, isso não ajudaria a diminuir a miséria desta massa humana concentrada na faixa de Gaza.

Folha Online: O senhor acredita que um acordo político mais amplo, que dê fim ao conflito israelo-palestino, possa acontecer a curto prazo?

Demant
: A curto prazo, não, porque as condições políticas não são favoráveis. Eu acho que um acordo é possível, mas, para que isso aconteça, é preciso não só que haja uma liderança palestina disposta a fazer concessões, como me parece que é o caso de Mahmoud Abbas, mas também, do lado israelense, um governo disposto a fazer concessões maiores que este governo de Sharon.

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