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29/08/2005 - 08h31

Apatia e indiferença ameaçam a identidade judaica, diz professor

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SHIN OLIVA SUZUKI
da Folha Online

A retirada dos territórios ocupados por Israel na faixa de Gaza e parte da Cisjordânia demonstrou a vigência do debate sobre o sionismo [movimento que prega o estabelecimento de uma nação judaica no mesmo local onde viveram os ancestrais do povo judeu], afirma Yossi Goldstein, PhD em judaísmo contemporâneo pela Universidade Hebraica de Jerusalém.

Em entrevista exclusiva à Folha Online, por e-mail, o acadêmico diz que o verdadeiro perigo para a identidade judaica é "a apatia de muitos ou a indiferença de tantos outros [das comunidades espalhadas pelo mundo quanto ao Estado de Israel]".

Goldstein, que nasceu na Argentina, é professor do Centro Melton de Educação Judaica da Universidade Hebraica, em Jerusalém. Nesta segunda-feira, ele ministra palestra no colégio Bialik (r. Simão Álvares, 680, Pinheiros, zona oeste de SP).

Na visão do professor, foi desse modo [com apatia ou indiferença] que os descendentes da Diáspora observaram o processo de desocupação perpetrado recentemente por Israel. Ele afirma que isso se deve a uma "identificação passiva com os governos do Estado de Israel ou por identificação com toda proposta que abra as portas à renovação do processo de paz".

Segundo o professor, o "muro de proteção" [barreira construída por Israel sob alegação de impedir a entrada de terroristas palestinos em território israelense. Os palestinos classificam a barreira como um ato separatista. A construção é condenada pela comunidade internacional] "é uma reação, não só do premiê Sharon [Arie], aos atentados suicidas fundamentalistas, um ato de autodefesa".

Leia íntegra da entrevista concedida por Yossi Goldstein à Folha Online.

Folha Online - Qual é o impacto no sentimento judaico atual a retirada na faixa de Gaza e na Cisjordânia? embora haja diversas linhas políticas e culturais em Israel, existe a percepção que o Estado perdeu força com a desocupação?

Yossi Goldstein -Antes de tudo não existe um sentimento judaico único, o povo judeu de hoje é muito complexo e diverso, assim que deveríamos falar de diferentes correntes e sentimentos. Em linhas gerais a diáspora judia ocidental, que em sua maior parte assimilou o mundo moderno e é caracterizada por identidades judaicas laicas ou tradicionalistas, mostrou apatia ou aceitação da retirada de Gaza e dos assentamentos do norte de Samaria ou Cisjordânia. Isso se deve a uma apatia ou identificação passiva com os governos do Estado de Israel ou por identificação com toda proposta que abra as portas à renovação do processo de paz e diminua as tensões étnicas não somente no Oriente Médio como também no mundo.

Em Israel, a opinião pública foi a favor [da retirada], segundo as últimas sondagens 62% da população é a favor desse processo e o aprova, e os resultados são positivos para a jovem democracia israelense. Existe uma minoria que vê a retirada como um sinal de debilidade, mas não é o caso da ampla maioria dos cidadãos israelenses, incluindo obviamente os cidadãos de outras religiões e minorias.

Folha Online - A retirada não vai deixar de estimular a vinda de mais imigrantes de origem judaica para Israel que pensavam em trabalhar nos assentamentos. O governo de Israel reconhece que há um problema demográfico no país?

Goldstein - Não há uma relação direta entre os processos de imigração judaica para Israel e a desocupação, se esta conduzir a uma negociação de paz e à queda de atentados terroristas. O país seria mais atraente não só para esses imigrantes como para a área turística e para a economia de Israel. A premissa de que Israel perde força com a retirada é ideológica e subjetiva e não está demonstrada, embora possa se argumentar o contrário. Ninguém é dono da verdade nem pode prever o futuro.

Folha Online - Quais são as características atuais do movimento sionista de hoje? Como se conforma a identidade judaica entre as comunidades em Israel e da Diáspora?

Goldstein - Essa questão é muito complexa.Por um lado se argumenta que o sionismo como ideologia nos séculos 19 e 20 ficou ultrapassado em uma era de globalização ou pós-moderna. Por outro, a desocupação demonstrou a vigência do debate sionista dentro da sociedade israelense, refletindo dois modelos diferentes de sociedade e duas visões de futuro diametralmente opostas. O judaísmo da Diáspora não se conecta a Israel através de uma doutrina ideológica senão através de imagens e sentimentos, na melhor das possibilidades, o verdadeiro perigo hoje em dia é a apatia de muitos ou a indiferença de tantos outros.

Já não é vigente um modelo de centro e periferia; os velhos conceitos de uma comunidade judaica organizada são anacrônicos e devem ser revisados. Não obstante Israel cumpre e deveria cumprir um papel fundamental no fortalecimento da identidade judaica na Diáspora.

Folha Online - A população de Israel, cansada de muitos anos de lutas e guerras, não tende a adotar uma posição pragmática em vez de tentar um Estado mais próximo da terra bíblica de Eretz Yisrael [que compreenderia um território muito maior do que o de hoje]?

Goldstein - A população israelense, em sua ampla maioria, nunca sonhou com a grande Eretz Yisrael com base nas fronteiras bíblicas. O sionismo foi em sua ampla maioria um fenômeno moderno e laico, pelo qual os setores ortodoxos religiosos se opuseram ao mesmo ou elevaram uma corrente minoritária com raízes religiosas. A terra de Israel foi para a maioria do movimento sionista e para a maioria dos israelenses de hoje um meio para libertar um povo, não um fim em si mesmo. Nesse sentido, a opinião pública israelense tem sido, desde a chegada do presidente egípcio Anwar Sadat [1918-1981, o primeiro líder árabe a visitar Israel] e os acordos de Camp David, muito pragmática e disposta a concessões sempre e quando ceda o terror fundamentalista e assegure a legitimidade do Estado de Israel como ente soberano.

Folha Online - Como o sr. observa as correntes que defendem que as populações israelenses e palestinas sejam separadas --como a construção do muro planejada por Sharon?

Goldstein - O muro é uma reação israelense, não somente do premiê Sharon, aos atentados suicidas fundamentalistas, um ato de autodefesa. Existe um consenso muito amplo em israel a favor do muro ou cerca, apesar da falta de legitimidade internacional. Israel é sempre julgada a partir de seus ideais ou de sua imagem idílica frente às nações ocidentais. É fácil julgar Israel sob critérios humanistas e universais, mas também é fácil esquecer de sua particularidade e estado de guerra permanente por falta de aceitação do entorno árabe-palestino.

É minha opinião que, com o avanço das negociações de paz e os progressos para uma solução pacífica do conflito, será possível e até recomendável desmantelar o muro. O ideal é manter as fronteiras abertas e claramente definidas entre israelenses e palestinos.

Folha Online - A ênfase excessiva na construção da identidade judaica também não reforça o nacionalismo e o confronto com os palestinos e as nações árabes?

Goldstein - É um ato de sobrevivência a construção da identidade, não se pode pretender que nenhum povo ou ente coletivo milenar renuncie a sua identidade e sacrifique sua continuidade em benefício de uma identidade universal amorfa ou de uma assimilação que implique um suicídio coletivo. A mesma pergunta se pode fazer a qualquer povo e nação, e é óbvio que toda acentuação de uma particularidade étnica pode acarretar reações negativas, isso é natural. De fato vastos setores do povo judeu no mundo estão renunciando a sua identidade e assimilando-se permanentemente. Israel como Estado criado para preservar a continuidade histórica do povo judeu. Não se pode aprovar um processo que implica a desaparição de um povo milenar.

Folha Online - E como o sr. vê a questão da preservação da cultura judaica nas comunidades na América Latina e no Brasil?

Goldstein -
É uma pergunta crucial. Justamente o contexto brasileiro é pluralista e aberto. Fomenta o sincretismo religioso e a integração étnica. Nesse caso o desafio é formular propostas significativas para gerar um sentido de pertencimento com símbolos claros e diretos, claramente midiatizados e coerentes. A educação judaica no século 21 apresenta em uma forma muito aguda o desafio de uma continuidade judaica que preserve identidades múltiplas, incluindo a particularidade judaica e o vínculo com o Estado de Israel. Não obstante, por processos históricos e demográficos, fica claro que na América Latina, salvo no caso do México que é muito particular, as comunidades judaicas serão carcomidas por processos de assimilação e imigração devido a instabilidade política ou econômica.

Em um futuro não muito distante é provável que fiquem somente setores que consigam preservar sua particularidade judaica construindo muros de separação com o entorno não-judaico, como no caso dos ultra-ortodoxos ou de diversos setores que lutam por preservar e adaptar novos modelos de identidade judaica baseados em propostas relevantes e na busca de novos significados para a cultura e para a identidade judaica com a necessária vínculo com as grandes coletividades judias e com o Estado de Israel.

Para resumir, o mundo judaico de hoje é muito complexo mas apaixonante, e o vínculo do judaísmo latino-americano com Israel continuará existindo com base em novos modelos e significados. Mas não poderá ser um sentimento compartilhado por amplos setores, que por sua própria vontade optaram por erradicar sua identidade ou particularidade judaica. O eixo central desse processo será, isso espero, a livre escolha de cada cidadão judeu no mundo e a adoção por sua própria vontade com o povo e a cultura de Israel.


A desconexão de Gaza a partir de uma visão de pensamento sionista
Quando: 29/8, às 14h
Onde: Colégio Bialik (r. Simão Álvares, 680, Pinheiros, zona oeste de SP)
Quanto: Grátis (Inscrições: tel. 0/xx/11/3093-0830, vagas limitadas)


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