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11/09/2005 - 08h58

Tragédia do Katrina reduz margem de manobra de Bush

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LUCIANA COELHO
da Folha de S.Paulo

A popularidade de George W. Bush pode até estar no lodaçal em que se transformou Nova Orleans e adjacências. Mas o que foi definitivamente levado pelo vendaval, sem chance de recuperação, foi sua agenda política.

Para analistas ouvidos pela Folha, o desastre provocado pelo furacão Katrina foi fatal para Bush: o presidente não terá espaço para manobra política nem dinheiro para levar adiante o que planejava para seu segundo mandato.

"Bush será forçado a redirecionar sua agenda porque não haverá dinheiro para custeá-la", diz Stephen Hess, que trabalhou nos governos dos republicanos Eisenhower (1953-61), Nixon (1969-74) e Ford (1974-77) e hoje é especialista em presidência e opinião pública na Brookings Institution (Washington). "Nesse sentido, o efeito foi mortal para o governo."

"A agenda política doméstica de Bush --novos cortes de impostos, reforma da Previdência e das leis de imigração, busca do equilíbrio orçamentário --foi afogada", observa Thomas E. Mann, especialista em estudos do governo na mesma Brookings. "Com a situação no Iraque se deteriorando, ele terá que mudar de rumo se quiser alguma vitória além das nomeações na Suprema Corte."

Pesquisas de opinião pública corroboram a avaliação. Sob o impacto do Katrina, pela primeira vez desde o 11 de Setembro, a maioria da população quer que o governo priorize os problemas domésticos em detrimento da guerra ao terror, indica um levantamento do Pew Research Center.

"Desde o 11 de Setembro, nós, população americana e governo, estamos obcecados com o terrorismo. Era legítimo, mas agora ficou claro que tal obsessão massacrou outras preocupações importantes", afirma Barbara Kellerman, que leciona políticas públicas e dirige o Centro de Liderança Pública na Universidade Harvard.

Na semana que passou, os colunistas políticos bateram forte no presidente. Não apenas os "liberais", ou de esquerda. Conservadores como Thomas Friedman, no "New York Times", ou Robert Novak (este, um radical), no "Chicago Sun-Times" usaram a veemência com que usualmente atacam os democratas contra o governo Bush e --surpreendentemente-- a tese republicana de quanto menos o Estado interferir, melhor. Quase uma catarse.

"Se Bush e [Dick] Cheney [vice-presidente] pareciam os caras certos para cuidar de Osama [bin Laden], eles parecem as pessoas mais erradas possíveis para lidar com Katrina", escreveu Friedman na quarta. Novak, em sua única coluna sobre o assunto, na quinta, chamou a performance da equipe de Bush de "miserável" e criticou a Casa Branca por se eximir de análises e de assumir culpas.

"[O Katrina] foi como a história do imperador que estava nu. Ele expôs a fragilidade das políticas vigentes de Bush, mostrou que ele tinha toda a sua atenção voltada para apenas um lado da população", compara Thomas Patterson, autor do premiado "The Vanishing Voter" (o eleitor desaparecido) e professor de mídia e governo na Kennedy School of Government, em Harvard.

Sobrevivência política

"Há um consenso disseminado no país de que a reação do governo federal ao Katrina foi horrivelmente inadequada e que o presidente Bush foi lento para mensurar a dimensão do desastre. Ele parecia tremendamente mal informado sobre os riscos de algo assim ocorrer e sobre como tratar a situação", afirma Mann. "Agora Bush tenta compensar isso gastando todo o seu tempo na mobilização de recursos federais [para as vítimas] e lançando uma estratégia de sobrevivência política."

O impacto inicial do Katrina na popularidade de Bush foi grande --em torno de quatro pontos percentuais de aprovação, nos primeiros levantamentos. Mas não surpreendeu os analistas.

"É importante lembrar que a popularidade dele já estava em queda, sobretudo por conta da questão iraquiana", contextualiza Patterson. "Já havia uma erosão da confiança em sua liderança, já havia a sensação de que suas políticas não estavam funcionando."

Se esse efeito perdurará, ainda é cedo para dizer, ressaltam. "Há outros personagens envolvidos, como a governadora da Louisiana e o prefeito de Nova Orleans [Kathleen Blanco e Ray Nagin, ambos democratas], que também têm responsabilidade e ainda não receberam muita atenção. É possível que com o tempo a culpa da Casa Branca seja mitigada", observa Kellerman.

Para a professora, o "jogo de culpa" será alimentado pela vergonha que tomou o país. "É embaraçoso para um país como os EUA, que se vangloria de ajudar os demais, de repente virar o destinatário da ajuda alheia e descobrir quão despreparado estava para um desastre natural."

Tampouco há como avaliar já se o desastre afetará o equilíbrio político para as eleições de 2008. Entre os republicanos, dizem os analistas, não há ainda força contrária a Bush que tenha emergido no rastro do furacão, e a maior parte das políticas que engendraram a desastrosa reação não são idéias só de Bush, mas do partido.

É possível, no entanto, que o furacão desperte o eleitorado para as deficiências do modelo que hoje está no poder. "Um evento como esse abre espaço para que outros líderes defendam suas posições", analisa Patterson.

"É difícil prever resultados nos EUA, pois muita coisa, além das circunstâncias, pesa na eleição. Mas já há mudança, e esse evento deve criar antecedentes para outros líderes. Se fosse um sistema parlamentarista, eu teria certeza de que o eleitor ia querer se ver livre do partido do governo", diz.

Hess, por sua vez, crê que o empenho do presidente em pedir dinheiro ao Congresso para ajudar os atingidos, em demitir o chefe da agência federal de emergências após um péssimo desempenho, e em marcar um dia nacional de orações pelas vítimas possam reverter parte do estrago.
Já os demais analistas são unânimes em dizer que os danos à imagem do presidente são permanentes. "Para reverter o efeito, ele teria que repudiar suas próprias políticas", afirma Patterson. "E uma das coisas que sabemos sobre Bush é que ele nunca admite que está errado."

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