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16/09/2005 - 12h10

Alemanha quer Merkel para o "trabalho sujo", diz especialista

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DANIELA LORETO
da Folha Online

A poucos dias das eleições legislativas alemãs --marcadas para o próximo domingo (18)-- a mais forte candidata da oposição alemã à Chancelaria, Angela Merkel, da União Democrata-Cristã (CDU), aparece como favorita nas pesquisas de opinião e, se eleita, fará o "trabalho sujo", disse em entrevista à Folha Online o professor Gilberto Dupas, da USP (Universidade de São Paulo).

"Há um certo consenso na sociedade alemã de que é preciso se mexer e acredito que o próprio Partido Social Democrata (SPD) --que hoje é situação-- não acha tão ruim que Merkel ganhe, porque, caso vença, ela vai fazer o 'trabalho sujo'."

Igor Pastierovic/EFE
"Ela teria enviado soldados", diz cartaz de campanha de candidato do SPD, referindo-se a Angela Merkel, da CDU, que sempre se mostrou favorável ao apoio alemão à Guerra do Iraque
O professor explica que o "trabalho sujo" são as medidas impopulares --como o aumento de impostos, a diminuição de benefícios e a flexibilização do mercado de trabalho-- que fazem parte da plataforma de governo de Merkel e são necessárias para que o país consiga diminuir o preço da mão-de-obra e fazer com que a economia alemã volte a crescer.

Dupas, que é coordenador-geral do grupo de conjuntura internacional da USP e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), afirma ainda que, caso seja eleita, Merkel pode representar uma nova liderança na Europa. "Uma vez no poder, ela certamente deve despontar como uma forte líder na Europa e tenderá a fazer sombra a Blair [Tony, primeiro-ministro do Reino Unido]."

A mais recente pesquisa de intenção de votos divulgada pela imprensa alemã mostra que o atual chanceler alemão, Gerhard Schröder, que tenta sua segunda reeleição, enfrenta problemas com a opinião pública. Seu partido, o SPD, tem apenas 32,9% das intenções de votos, contra 41,7% da CDU --de Merkel.

Relação com os EUA

Segundo o professor, uma eventual vitória de Merkel deve causar também um estreitamento nas relações entre a Alemanha e os Estados Unidos. "O alinhamento da Merkel é de centro-direita, que é uma visão européia muito mais pró-americana que a de Schröder", diz.

De acordo com ele, isso poderia mudar o alinhamento europeu em relação a questões críticas --como a Guerra do Iraque e o conflito no Oriente Médio.

Além da aproximação com os EUA, a eleição de Merkel deve significar um estreitamento da Alemanha com o governo britânico de Blair e o desmantelamento do "núcleo duro" europeu bastante crítico em relação à política americana, formado por França e Alemanha.

"Caso a Alemanha volte a crescer, com uma líder jovem, que vem do Leste e que tem uma política pró-americana, o eixo da Europa pode mudar."

Alianças

No entanto, Dupas alerta que o sucesso de um eventual governo de Merkel também dependerá das alianças feitas por seu partido. "Os democratas-cristãos tem 49% dos votos na Câmara, e é preciso ter 50% para conseguir a aprovação de medidas", diz o professor.

"Se Merkel se aliar aos sociais-democratas para conseguir obter a maioria na Câmara, seu brilho poderá ser dissolvido pela necessidade de aliança com o governo que ela mesma derrotou", acrescenta.

De acordo com Dupas, ainda é cedo para prever o que irá acontecer, mas diz que se Merkel conseguir avançar nas reformas com legitimidade política e fazer a Alemanha voltar a crescer, ela pode ser um fenômeno que obrigaria a redesenhar as lógicas de aliança, não só dentro da Europa, como também no Leste Europeu.

Desgaste

Schröder pediu a antecipação das eleições após o mau desempenho que seu partido obteve nas eleições regionais no início desse ano, que provocou uma desestabilização do sistema de sustentação política, causando problemas de governabilidade.

O desgaste do atual governo vem desde 2003, quando Schröder lançou um programa de reformas chamado Coragem de Bem-Estar, que propunha mudanças que ele considerava vitais para a modernização alemã.

"Schröder se comprometeu com reformas duras e inevitáveis, que nunca avançaram", afirma o especialista.

O chanceler alemão já enfrentava dificuldades para governar devido à falta de apoio popular e do Parlamento, especialmente na Câmara Alta, que tem poder de veto sobre medidas de legislação

Dupas também concorda que o desemprego é um dos principais problemas na Alemanha atual. "Desde 2003, o país perde 1.300 empregos formais por dia. Além disso, a economia é considerada estagnada --já que não registra crescimento há dois trimestres consecutivos."

Unificação

Dupas afirma que a atual situação da Alemanha é reflexo de um processo de degradação que vem desde a pós-unificação das duas Alemanhas [que comemora 15 anos em novembro próximo], mas acrescenta que o país sofre declínio constante desde a década de 50.

"Logo após o pós-guerra, o PIB (Produto Interno Bruto) real alemão cresceu 107%. Na década de 50, cresceu 55%. Nas décadas de 70 e 80, antes da unificação, o crescimento foi de 31% e de 23% respectivamente", afirma.

Para ele, após a unificação --que era o grande projeto geopolítico do pós-guerra-- a situação piorou. A Alemanha fazia enormes fantasias de que a reintegração dos Estados pobres propiciaria mão-de-obra barata e que os custos da integração seriam superados pelas vantagens da integração. "Essa era a crença após a queda do muro, já que aconteceria a adição de 110 mil km quadrados, cinco Estados federais, 16 milhões de habitantes e uma população bem treinada pela época do regime comunista, com salários muito baixos", diz.

De acordo com o professor, acreditava-se que esses fatores gerariam mão-de-obra qualificada e um novo mercado de consumo no país, mas tudo isso foi "uma grande ilusão". O nível de desemprego na ex-Alemanha Oriental continuou sempre muito elevado. A média hoje na Alemanha varia de 11% a 12%, mas na ex-Alemanha Oriental esse índice chega a 20%.

Dupas também afirma que o fracasso da reintegração ocorreu principalmente porque os salários cresceram mais rápido do que o esperado nos Estados da ex-Alemanha Oriental e os países do Leste Europeu -- que agora são membros da União Européia (UE)-- passaram a ser concorrentes no fornecimento de mão-de-obra barata.

"O Leste Europeu fornece mão-de-obra pela metade do preço da mão-de-obra da ex-Alemanha Oriental, com o mesmo tipo de treinamento", explica.

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