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18/09/2005 - 07h02

Análise: As eleições na Alemanha e a sua influência na União Européia

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JULIE SCHMIED
especial para a Folha Online

As eleições que se realizam neste domingo na Alemanha, a tradicional locomotiva da Europa, representam uma batalha para mover o país da paralisia econômica e política em que se encontra atualmente.

Angela Merkel é a alternativa mais cotada para fazer frente às reformas sociais do atual chanceler e candidato à reeleição, Gerhard Schröder, embora nenhum dos dois candidatos convença os alemães, já cansados após os atuais sete anos de governo, quando o SPD (Partido Social democrata) se aliou aos Verdes, do Ministro das Relações Exteriores Joschka Fischer.

Na campanha alemã, os partidos favoritos são a aliança da União Democrata Cristã (CDU-União Social Cristã) com o Partido Liberal (FPD).

O chanceler Schröder viu-se abrigado, no passado mês de maio, a antecipar as eleições legislativas, em razão do forte desgaste enfrentado pelas derrotas do seu SPD, nas eleições regionais.

Na terceira maior economia do mundo, Schröder buscou impulsionar os seus planos, ante a um índice de desemprego e impopularidade pelas reformas do Estado, voltadas para o bem-estar da população, sem considerar os sindicatos, tampouco a esquerda do seu partido. Essas reformas provocaram, inclusive, a deserção do esquerdista Oskar Lafontaine, aliado com os pós-comunistas.

O desemprego já afeta hoje a quase 5 milhões de alemães, cujos cidadãos têm perdido, pela primeira vez, certos benefícios sociais.

Os cortes sociais impostos por Schröder têm afetado sua popularidade, mas a principal bandeira do chanceler continua sendo o seu carisma pessoal, único campo em que supera os índices atualmente alcançados por Merkel.

A Moderna Alemanha

Em 1948, os aliados norte-americanos, franceses e britânicos decidiram criar o Estado alemã ocidental. Esta nova Alemanha deveria ser federal, com um poder central débil, mas um poder regional forte.

O ex-chanceler Ludwig Erhard (1897-1977) assentou as bases da economia social de mercado, que permitiriam ao país se levantar das ruínas e equilibrou o liberalismo econômico com medidas para garantir a proteção social e o direito dos sindicatos de participarem na vida econômica.

A moderna Alemanha é uma das democracias com os maiores índices de bem-estar e estabilidade em todo o mundo, que foi construída graças ao consenso das forças políticas internas, às administrações passadas e entre os industriais e trabalhadores --um antídoto perfeito contra a tirania imposta por Adolf Hitler e a energia adequada e vital para ter operado esse verdadeiro milagre.

Sessenta anos depois, os alemães têm as suas dúvidas sobre as bondades do "modelo" implantado, atribuindo a busca do consenso como o fator responsável pelo atual estancamento da Alemanha.

De fato, para alguns, o federalismo é um obstáculo para a adoção das medidas que afetam a população como um todo.

As decisões sob esse regime são lentas e permitem aos lobbies e aos Länder (governos locais) formularem objeções e imporem compromissos diversos.

O inconveniente do federalismo alemão, experimentado pelo próprio Schröder está no Bundesrat [Câmara Alta]nas mãos da oposição conservadora. Na atualidade, mais de 60% das leis alemãs requerem a aprovação do Bundesrat.

Por isso, no papel, o chanceler governava, mas, na realidade, não podia decidir sem a autorização dos barões dos Länder. Esse foi um dos argumentos para antecipar as eleições --o de que o Bundesrat não permitia ao chanceler governar e que havia que clarificar quem mandava na Alemanha.

Na atualidade, a República Federal Unificada tem 16 governos locais (Länder).

Merkel, que alguns comparam a Margaret Thatcher [ex-primeira-ministra
britânica], se vencedora, terá um Bundesrat com maioria democrata-cristã que, em princípio, a apoiaria. Mas também pode existir a idéia de uma grande coalizão entre sociais-democratas e democratas-cristãos que acabe governando, o que seria uma "apoteose do consenso".

A política do bem-estar

Na Alemanha, os regimes não-democráticos do passado tentaram compensar a falta de liberdade com a seguridade social. Essa foi a tradição alemã, que é criticada. Na Alemanha do Leste ainda ficam aspectos por resolver, onde a unificação do Estado social exigiria uma grande transformação na Alemanha, para então também se poder pensar na universalidade dos valores da liberdade, igualdade e solidariedade.

Na Alemanha do Leste o regime comunista marcou profundamente as pessoas, que continuam esperando sempre algo do Estado.

A República Federal contava com quatro décadas de abertura ao Ocidente, quando os alemães da RDA [ex-Alemanha Oriental] tiveram esta possibilidade apenas em 1990.

Portanto, ainda existem desequilíbrios entre o oriente e o ocidente, mas uma porcentagem elevada no oriente da Alemanha votaria pelos partidos clássicos, já que voltar à situação da antiga RDA, nem os próprios seguidores pós-comunistas desejariam.

Sinais de uma mudança de tendência são claros, como ocorrem na Agenda 2010 [pacote de reformas sociais, que incluiu cortes substanciais das prestações] impulsionado por Schröder.

A Alemanha tem a oportunidade de reformar o seu sistema social e o seu
federalismo, e isto também pode acontecer em uma mudança para um governo democrata-cristão.

A incógnita das eleições alemãs

Merkel, que foi criada na antiga Alemanha do Leste, é a favorita em chegar a ser a primeira mulher a alcançar o cargo de chanceler da Alemanha.

O povo alemão participa de uma campanha eleitoral cercada de pouco entusiasmo e emoção.

Para muitos alemães, a preferência ainda é por Schröder, mas na Alemanha se vota no partido mais que no candidato; e os eleitores desejam a mudança, confiando mais na CDU do que no SPD para saírem do estancamento que enfrentam.

Além disso, se o novo governo conseguir reativar a tradicional locomotiva alemã, que ainda tem mostrado sinais de vitalidade, os seus efeitos repercutiriam positivamente por toda a Europa.

A primeira economia de Europa e a primeira potência mundial em exportações tem apresentado, ultimamente, um crescimento abaixo da média européia.

Os democrata-cristaõs propõem reformas mais atrevidas que as de Schröder. Apóiam a co-gestão, que permite aos sindicatos alemães estarem presentes nas direções das empresas --o que tem garantido décadas de estabilidade social.

Mas as propostas da candidata Merkel supõem o fim do atual modelo alemã que tem levado à crise atual e que, portanto, deve ser reformado.

Merkel propõe reformas mais rápidas do que as de Schröder. Ambos compartilham do mesmo diagnóstico, com leves diferenças no que diz respeito à globalização e à competição com os países que oferecem mão-de-obra barata. Ela diz: "não podemos competir com salários mais baixos" e, se temos os salários mais caros, que sejam os melhores".

As eleições alemãs decidiram sobre o velho modelo alemão, fundamentado no consenso e no alto grau de proteção social. Nenhum candidato o renuncia, mas apenas os recortes sociais de Schröder têm começado a modificá-lo.

A política externa alemã

A eleições antecipadas, as que o Tribunal Constitucional alemão aprovou terão repercussão fora da Alemanha.

O não à Guerra do Iraque ajudou Schröder a ganhar as eleições em 2002. Agora ele tenta novamente nessa linha com a oposição a uma hipotética invasão do Irã, o que não tem servido de muito nesta campanha.

Uma vitória da oposição democrata-cristã, aliada com o Partido Liberal pode implicar numa aproximação de Berlim com Washington, depois do esfriamento das relações internacionais devido à oposição de Schröder à invasão do Iraque.

Sob o governo socialista-Verde a Alemanha tem se comprometido com um papel militar especial, tendo participado nas intervenções militares da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em Kosovo e no Afeganistão.

Pouco se defende, pelo seu passado, que Alemanha deveria ser pacifista como era a tradicional postura alemã da década de 90.

A influência na União Européia

Nestas eleições, a questão da Alemanha pode estar sendo resolvida ou encaminhada para uma solução, mas a questão européia ainda segue pendente.

Pelos processos da modernização do direito de cidadania da Alemanha, em vigor do ano 2000, ser cidadão da República Federal da Alemanha não é uma questão de ascendência, e, sim, de vontade política.

Embora a Europa esteja em crise, a ampliação [alargamento] européia tem afetado mais os cidadãos europeus do que o aprofundamento do processo de integração. Uma União Européia (UE) dotada de 25 Estados-membros exige as reformas institucionais previstas no Tratado Constitucional.

Como a ratificação da Constituição Européia tem apresentado dificuldade e gerado um fator de crise na Europa, como um todo, torna-se necessário reassumir as reformas sob a forma de um novo "tratado base". Sem essas reformas a Europa dos 25 não pode funcionar como desejado e tampouco operar de forma ampliada.

Em caso de não funcionar, poderia se estar levando a uma erosão da UE como um todo e à possível associação entre os Estados que desejarem colaborar de forma mais estreita. Que no caso de serem somente os antigos membros da UE, poderia implicar numa nova divisão da Europa.

A decisão da cúpula européia de Helsinque, em 1999, de prometer à Turquia o estatuto de candidato, quando os parlamentos nacionais não foram implicados na decisão e a opinião pública não teve a oportunidade de debater o tema, deixou a impressão de que se manobrava com uma política de fatos consumados, provocando uma certa decepção e frustração nos cidadãos europeus como um todo.

Para superar este impasse se deve vincular mais os parlamentos nacionais e a opinião pública aos processos de decisão da UE.

Julie Schmied é professora de direito internacional da Universidade de Brasília (UnB)

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