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07/05/2006 - 09h36

"Populismo não é um conceito pejorativo"

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FLÁVIA MARREIRO
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

Estudioso dos fenômenos populistas na política, o historiador e sociólogo argentino Ernesto Laclau é um entusiasta do governo venezuelano. Sustenta que o presidente Hugo Chávez promoveu a incorporação de mais setores ao jogo democrático e provocou a superação de um sistema político que estava "podre".

Autor de "La Razón Populista" (a razão populista), Laclau diz que é preciso tirar a carga negativa da palavra "populista", o conceito mais usado para definirHugo Chávez e o presidente boliviano, Evo Morales.
"Sou contra a idéia de que o populismo seja um conceito pejorativo, ou seja, que o único que é válido o momento institucionalista e que o movimento de mobilização é sempre vilipendiado".

Para Laclau, que também é professor de teoria política na Universidade de Essex, no Reino Unido, o populismo é uma forma de construir o político, que nasce quando várias demandas sociais não encontram respostas no sistema institucional e se reúnem em torno de alguns símbolos comuns. Ainda assim, é contra a idéia que a América Latina viva uma onda populista porque ainda é frágil institucionalmente.

"Creio que, paradoxalmente, depois de o sistema político do continente latino-americano ter sido tão mais débil que o europeu, hoje, os sistemas neopopulistas são mais potentes do que o francês, por exemplo."
De passagem por Buenos Aires, ele falou na semana passada à Folha. Leia trechos da entrevista.

Folha - Qual a sua definição de populismo?

Ernesto Laclau -
Primeiro, sou contra a idéia de que o populismo seja um conceito pejorativo, ou seja, que o único que é válido é o momento institucionalista e que o movimento de mobilização é sempre vilipendiado. Mas também não é necessariamente positivo. Não é algo que se relacione como um tipo de regime ou ideologia. É uma forma de construir o político que consiste em privilegiar o que eu chamo de lógica da equivalência sobre a lógica institucional diferenciada.
Por exemplo, se temos uma localidade onde os moradores pedem à prefeitura que seja criada uma linha de ônibus para levar e trazer ao trabalho. Se é criada, sem problemas. Mas, se não conseguem, isso vira uma frustração. Quando as pessoas têm outras dessas demandas frustradas, de saúde, de educação, então começa a ter uma certa solidariedade entre todas essas demandas. Então, tende-se a dicotomizar o espaço social entre o campo dos que estão no poder e dos que estão abaixo. Isso já é uma situação pré-populista. Quando todas essas cadeias equivalenciais de demanda se cristalizam em torno de certos símbolos comuns, nesse caso já temos o populismo no sentido estrito.

Folha - Mas há matizes na experiência latino-americana atual, não? Essa situação é resultado da fragilidade institucional? Uma etapa a ser cumprida?

Laclau -
Há casos que o institucionalismo domina, outros em que o populismo domina. Por exemplo, o governo Lula combina as duas lógicas, hoje em dia as duas coisas vão juntas. Há governos, como no caso do Chile e do Uruguai, onde o componente institucional predomina. E há outros, como na Venezuela, em que o componente equivalencial ou populista predomina. Na Argentina, a situação é intermediária, menos instucionalizada do que no Brasil, por causa da desarticulação da crise de 2001. Não creio que o populismo seja uma etapa que corresponda a um certo estágio de desenvolvimento.
Por exemplo, alguns dizem que as formas institucionalistas correspondem a estágios mais avançados, mas não é assim. Hoje na Califórnia há um desenvolvimento claramente populista nos movimentos de renda, na batalha dos impostos. Pode haver explosões populistas em qualquer tipo de país, se acontece esse tipo de curto-circuito entre a acumulação de demandas insatisfeitas e a capacidade do Estado para absorvê-las.
Na França, as manifestações mais recentes mostram que o sistema institucional não está funcionando de uma maneira muito azeitada. Essas manifestações tem um caráter populista muito claramente definido.

Folha - Mas na França não surgiu nenhuma liderança política...

Laclau -
Isso mostra que a crise francesa continua sem solução. Nem caminhou para uma solução institucional nem por meio da formação de um movimento popular alternativo. É um panorama instável e nada fácil. Não é impossível que possa surgir uma figura política. Creio que, paradoxalmente, depois de o sistema político do continente latino-americano ter sido tão mais débil que o europeu, hoje, os sistemas neopopulistas são mais potentes do que o francês, por exemplo. Na Itália não está muito melhor. Na Alemanha, a situação de impasse político, com o compartilhamento do governo, provoca uma certa mobilidade. Ou seja, os sistemas políticos europeus não estão passando por um bom momento ao passo que os latino-americanos estão em processo de consolidação. Em geral, esse tipo de realinhamento se dá quando há uma grande crise, impõe divisões maiores.

Folha - O sr. defende o governo Chávez, que a experiência alarga a participação democrática. Mas há ganhos efetivos?

Laclau -
O caso de Chávez é o que mais se aproxima do populismo clássico pelo fato mesmo de que se tinha lá um sistema político podre, com uma base clientelista, com uma escassíssima participação de massa. Havia a típica situação pré-populista: havia demandas que ninguém podia canalizar dentro do sistema político. Chávez começa a interpelar essas massas por fora do sistema institucional tradicional. Faz essas massas participarem do sistema político pela primeira vez. Isso se produz por meio de mecanismos populistas, através da identificação com o líder. O que se dá não é um populismo do tipo autoritário, porque essa não é uma mobilização de cima. Pelo contrário, há um aspecto de auto-organização das massas, nos locais de trabalho. E nisso a participação dos técnicos cubanos foi decisiva. É um ganho efetivo. Não há dúvidas que o futuro latino-americano passa por esse tipo de projeto.

Folha - E o que dizer da oposição no Congresso? E das sucessivas reformas constitucionais?

Laclau -
Noticiou-se recentemente que vai se formar uma oposição com uma imagem de centro-esquerda mais tradicional, e não chavista. Ou seja, o que aconteceu até agora é que a oposição foi muito fraca politicamente, pelo fato de que suas bases tradicionais estavam em erosão, o sistema clientelístico na Venezuela já não funciona como no passado. E por outro lado, a imagem que ficou da tentativa de golpe de 2002 foi terrível, espantosa. O que se viu foi que as acusações de fraude não tinham fundamento.

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