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31/05/2006 - 10h53

"EUA não digeriram a Revolução Islâmica", diz iraniana

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Teerã

Entre os estudantes que invadiram a Embaixada dos EUA em Teerã, em 1979, radicalizando a recém-declarada Revolução Islâmica, estava Massoumeh Ebtekar. Aos 19 anos, a estudante foi escolhida como porta-voz do grupo pelo inglês fluente.

No último sábado, a hoje professora de imunologia, recebeu a Folha. Depois da invasão, Massoumeh, 46, virou a primeira vice-presidente da história do Irã, fundou um partido reformista, criou um jornal e dirigiu uma ONG. "Não vejo lugar para arrependimento", diz ela, sobre a invasão. "Demos um exemplo ao mundo." A seguir, sua entrevista:

Folha - A sra. se arrepende?
Massoumeh Ebtekar
- Olhando para trás, não vejo lugar para arrependimento.

Folha - Faria de novo, hoje?

Ebtekar
- Hoje é diferente. Ainda há o antagonismo com os EUA, mas as circunstâncias são outras. Olhando para aqueles dias, no entanto, creio que foi uma ação justificada, que significou muito não só para a Revolução Islâmica como para a luta da liberdade no mundo. Naquela época, o império norte-americano era um mito, parecia invencível. Sim, sofremos depois com os embargos, tivemos dificuldades, mas avançamos, somos livres e independentes.

Folha - Mas por que invadir?
Ebtekar
- Nós achávamos que os EUA estavam conspirando para minar uma revolução então ainda muito jovem. Nós tínhamos apenas um governo interino, não contávamos nem com um Parlamento. E, como estudantes de história, estávamos familiarizados com os precedentes de intervenções americanas, como no Chile, por exemplo. Um dos heróis que estudávamos, além de Che Guevara, era Salvador Allende. Quando o xá recebeu asilo dos EUA, decidimos tomar uma ação drástica, algo que impedisse os americanos de seguir adiante com seu plano de golpe.

Folha - Com a ação, no entanto, além de ferir as leis internacionais, ajudaram a isolar ainda mais o Irã.

Ebtekar
- Consideramos todas as opções e chegamos à conclusão de que uma negociação não era possível, pois ninguém escutaria a voz de um grupo de estudantes. Então, alguém sugeriu uma ocupação pacífica da embaixada. Pensamos na época que com isso pelo menos poderíamos parar o ritmo do golpe. Nós éramos intelectuais, não soldados ou terroristas, mas estávamos desesperados. Por isso tomamos atitudes não-convencionais.

Folha - O Irã e os EUA caminham para um novo enfrentamento, dessa vez em torno da questão nuclear. O que a sra. acha que acontecerá?

Ebtekar
- Espero que os americanos apreciem a oportunidade que têm agora de poder negociar. Eles ainda não digeriram a Revolução Islâmica, não sabem o que acontece por aqui. A energia nuclear para fins pacíficos tem o apoio unânime do povo, que pode até não se unir no apoio a esse governo especificamente no poder agora. Mas na questão de defesa territorial estamos unidos.

Folha - A sra ajudou a implantar esse regime. "República islâmica" não é uma contradição em termos?

Ebtekar
- Essa é uma questão que intriga estudiosos há vários anos. Desde a Revolução Islâmica, tivemos muitas experiências práticas de democracia num contexto islâmico. O Irã é uma república islâmica por insistência do imã Khomeini (1902-1989). Nos primeiros anos pós-revolução, havia muita discussão, alguns queriam fazer do país um Estado islâmico, mas o imã queria uma república, sem que o Estado fizesse sombra. Houve um referendo, e a sua escolha venceu. Nós temos eleições diretas, um sistema muito democrático, que nem mesmo os EUA têm. Eles não elegem o presidente por voto direto, por exemplo.

Folha - Mas lá existe a divisão entre igreja e Estado, que aqui se confundem.

Ebtekar
- Talvez o Irã seja um novo modelo de governo não só para países islâmicos mas para o mundo. Você vê tantos escândalos no mundo inteiro, talvez os princípios religiosos sejam um fator que mantenha o político na linha.

Folha - Então a sra. acha que o Irã vive numa democracia hoje?

Ebtekar
- Sabemos que temos problemas sérios e desafios. Temos interpretações diferentes da Constituição, rixas políticas, partidos que não toleram a abertura que uma sociedade islâmica tem de ter. Alguns são pessimistas, dizem que islamismo e democracia são incompatíveis, que poucos são como o ex-presidente Mohammad Khatami (1997-2005), que podem tolerar opiniões da oposição.

Folha - A sra. foi a primeira vice-presidente do país. Quão difícil é ser mulher no Irã?

Ebtekar
- É desafiador, como em qualquer sociedade. Você encontra pessoas com mentalidades diferentes, lutas de classes que impedem que você evolua, visões tradicionais que tentam se impor em nome do islamismo, erroneamente, eu devo dizer, em nome do islamismo. Tudo isso impede que a mulher avance.

Folha - Eu não pude cumprimentá-la com um aperto de mãos, e a sra. teve de me receber vestindo um xador. Segundo a lei islâmica, a sra. tem metade do valor jurídico de um homem. Isso não a incomoda?

Ebtekar
- Como ser humano, de acordo com o islã, sou totalmente igual a um homem, ao meu marido. Dito isso, homem e mulher foram criados para papéis diferentes na sociedade, têm diferentes responsabilidades. Isso não significa que um seja inferior ao outro.

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