Quase
sempre o craque prevalece no basquete, sobretudo nas partidas
decisivas, aquelas que costumam requerer um algo a mais dos jogadores,
uma dose adicional de qualidade, um espasmo extra de talento.
A NBA, por exemplo, há mais de três décadas não vê a taça ficar
com uma equipe sem estrelas. O último grupo de “pedreiros” a triunfar
foi o Seattle, em 1979. Ainda na liga norte-americana, nenhum
time chegou ao título sem ter um atleta que fizesse pelo menos
18 pontos por jogo _ou, traduzindo o número, sem um referencial
ofensivo estabelecido.
Paradoxalmente, pela mesma razão, são cada vez mais fundamentais
os jogadores táticos, que complementem esses craques com desenvoltura
e eficiência. Que errem pouco, dêem “liga” à equipe e não atravessem
o caminho (e o humor) das estrelas.
São os chamados “role players”. E todos os últimos grandes campeões
da bola laranja tiveram atletas com esse perfil.
O caso do Chicago Bulls, hexacampeão nos anos 90, é o mais bem-sucedido.
O time contava com o melhor dos craques, Michael Jordan, e o melhor
dos coadjuvantes, Scottie Pippen (tão bom que talvez seja sacanagem
chamá-lo de “role player”).
Aliás, um dos veteranos do Chicago, Ron Harper, carregou esse
“know-how” para Los Angeles. Encaixou-se como uma luva nos Lakers
e foi vital na campanha que garantiu o título neste ano.
O debate sobre os “role players” veio à tona nas últimas semanas
no Brasil, com a aproximação das finais da WNBA.
É que, como a matriz, a liga feminina de novo consagra o equilíbrio
entres “astros” e “satélites”. Pela quarta vez consecutiva, o
Houston Comets, equipe com a combinação mais harmoniosa, vai à
final. Pela quarta vez consecutiva, deve levar o campeonato.
Além da aula tática que proporciona, a experiência texana nos
interessa porque, na órbita das estrelas, quem gira é Janeth.
A ala é um dos grandes trunfos do Houston (esta coluna publicou
no ano passado uma análise do próprio comando técnico da WNBA,
reconhecendo a importância estratégica da brasileira).
Improvisada como armadora, ela é um exemplo de “role player” nos
EUA. Pisa a quadra para o que der e vier, mas não pisa nunca nos
calos das craques do time, Sheryl Swoopes e Cynthia Cooper.
Janeth, porém, possui uma dimensão que outros coadjuvantes não
têm: a capacidade técnica, e a experiência, para naturalmente
se converter em protagonista. Poucos são os atletas capazes de
realizar essa transição, que sejam conscientes de suas limitações
e de suas qualidades, alheios aos holofotes.
Foi o que se viu na partida que classificou o Houston à decisão
deste ano, contra o dificílimo Los Angeles. Swoopes, doente, e
Cooper, sobrecarregada, não rendiam nos minutos finais. Janeth
tomou então conta do ginásio. A menos de 60 segundos do fim, garantiu
um rebote, conseguiu um desarme e marcou cinco pontos _os que
fizeram a diferença na vitória de 74 x 69.
Não, não foi um show, uma performance épica, algo para deixar
o mundo boquiaberto, como o jornalismo brasileiro vai fazer questão
de exagerar. (Tanto que o Texas festejou outra “role player”,
Tammy Jackson, que, aos 37 anos, parou as duas pivôs californianas,
ambas da seleção olímpica norte-americana).
Foi, sim, mais uma prova de que Janeth é especial. E basta.
NOTAS
Satélite
1
Difícil engolir a definição do time olímpico feminino. Ok, as
escolhidas para as três últimas vagas dificilmente verão o laranja
da bola em Sydney. Mas Geisa e Micaela parecem ter mais futuro
na seleção do que Zaine e Adrianinha. E o corte de uma das três
irmãs Luz, a Cintia, desfaz uma das espinhas dorsais emocionais
da equipe.
Satélite 2
Sem a âncora de Janeth, o Brasil perde o referencial no ataque.
Não à toa, levou três biabas na excursão à Europa diante de adversários
diretos na briga pela medalha na Olimpíada: Polônia, Austrália
e França. A seleção ostentou uma pontaria ridícula no ataque,
menos de 30% de aproveitamento.
Satélite 3
Um dos coadjuvantes mais cobiçados da NBA, Kukoc recusou uma oferta
do Los Angeles Lakers e preferiu renovar com o Philadelphia.
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