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25/02/2003 - 03h28

Caminho das Pedras: Uma república pré-republicana

LUÍS AUGUSTO FISCHER
especial para a Folha de S.Paulo

Em setembro, a data histórica mais importante é o dia 7, aniversário da Independência, certo? Se a pergunta fosse endereçada a um gaúcho, ele diria: errado. E corrigiria: é o dia 20, que marca o início do primeiro movimento guerreiro da revolução que definiu para sempre os destinos do Sul brasileiro.

Gianne Carvalho/TV Globo
Mariana Ximenes e Thiago Fragoso em cena da minissérie "A Casa das Sete Mulheres", da TV Globo
Na noite de 19 para 20 de setembro de 1835, um grupo de homens começou a tomar a capital, Porto Alegre, para os rebeldes. Os líderes, gente como Bento Gonçalves e Bento Manoel Ribeiro —personagens retratados na minissérie da TV Globo "A Casa das Sete Mulheres"—, eram homens de convicção liberal, alguns com preferência republicana, todos certos de que o governo nacional era injusto com o Rio Grande do Sul.

Para eles, o governo federal não devolvia à Província, em forma de obras, o dinheiro que arrecadava com a produção do charque —o nome local da carne-de-sol. Também o governo não se dignava a pagar as dívidas que tinha para com os estancieiros-militares, que guardavam a fronteira e tinham acabado de lutar, com seus próprios homens, cavalos e dinheiro, contra a Argentina pela então Província brasileira da Cisplatina (atual Uruguai). O mesmo governo não protegia a produção econômica sulista —preferindo comprar o charque do Uruguai, que era mais barato.

Mesmo considerando o pouco tempo de colonização da região, que começou apenas cem anos antes dos Farrapos, é de ver que, na fronteira sul do país, as coisas se precipitavam, sem tempo para reflexão.

Caldo de cultura para a guerra, devido principalmente à posição geográfica de fronteira nacional, sempre houve. Bastou os liberais sul-rio-grandenses se sentirem afrontados na primeira legislatura da Assembléia Provincial para iniciarem o confronto. Confronto que não era nem republicano nem separatista, mas toma essas duas características no andar dos combates. Tanto que, em setembro de 1836, o general Netto —ao que parece, mais por ter sido convencido do que por fé pessoal— proclama a República do Piratini, hipótese de país livre que durará apenas até 1845, quando o futuro duque de Caxias negociará a paz com os revoltosos.

Os farrapos queriam a república, ecoando vários movimentos que, naquele tempo, se faziam notar, especialmente as iniciativas de Pernambuco. Queriam uma república federalista como sabiam existir nos Estados Unidos. Tanto queriam que ajudaram a fazer uma, a República Juliana (1839-1840), em Santa Catarina.

Várias iniciativas do governo nacional de Piratini podem ser apreciadas positivamente, a começar do cuidado com que os líderes tratavam o problema da representação: assim que foi proclamada a república gaúcha (53 anos antes da brasileira), os rebeldes promoveram eleições para uma assembléia constituinte, que funcionou com percalços —pois estava-se em guerra—, mas não teve o destino mesquinho reservado à primeira constituinte brasileira, dissolvida à força por d. Pedro 1º, em 1823. A preocupação com a educação era outra característica notável do período.

Essas características aparecem tanto no bom livro de Letícia Wierchowski, que deu origem à minissérie homônima, como na adaptação televisiva, muito embora a ênfase seja diversa, com foco na intimidade doméstica dos protagonistas. De todo modo, mesmo a fábula de "A Casa das Sete Mulheres"colabora para fazer pensar a história não como um quadro, mas como um contínuo movimento, em que a Guerra dos Farrapos, ou Revolução Farroupilha, é um vasto manancial.

Luís Augusto Fischer, 45, é professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e escritor. Gaúcho, organizou as edições anotadas de "Contos Gauchescos" e "Lendas do Sul", de Simões Lopes Neto (Artes e Ofícios). Acha que o Rio Grande do Sul vive num espaço cultural híbrido entre o Brasil e o Prata e considera como o maior intelectual gaúcho o portenho Jorge Luis Borges.

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