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24/06/2003 - 03h24

Nas prisões, jargão é arma

HELOÍSA HELVÉCIA
free-lance para a Folha de S.Paulo

O jargão já foi o nome da linguagem dos excluídos, uma espécie de código secreto dos marginais. O dialeto falado hoje em presídios é exemplar, para mostrar a função original, de defesa.

É prático, permite a comunicação rápida; é seguro, protege as mensagens dos ouvidos inimigos; e é essencial, por ter a função de marcar o vínculo entre homens isolados que perderam a identidade quando vestiram o uniforme, cortaram o cabelo e passaram ao espaço impessoal do cárcere.

"A gíria é o último e principal signo de grupo do detento, tanto que, quando quer mostrar regeneração, ele deixa de usá-la", afirma Léa Stella, 48, autora de "Tá Tudo Dominado: A Gíria das Prisões", tese que acaba de defender na PUC-SP. Stella, que deu aulas de português a presos, estudou durante meses o vocabulário usado em cadeias. Afirma ter se impressionado com a criatividade e a ironia de uma gíria praticada por um grupo de baixa escolaridade.

Chamam de "praia" o chão de cimento; "quieto" é a cortina que improvisam para criar alguma privacidade nos cubículos superpovoados. "Tumba" é o espaço sob a cama, onde dormem alguns, quando as lajes de pedra já estão ocupadas.

É um dialeto com mais força expressiva do que a língua morta na parede da Penitenciária do Estado: "Aqui, o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à comunhão social".

"Preso fala mais difícil que economista", compara o escrivão de polícia capixaba Clério Borges, organizador do dicionário "Gírias e Jargões da Malandragem", disponível só na internet (www.esshop.com.br/girias). Borges gosta de português e é escritor e presidente da Federação Brasileira de Entidades Trovistas.

Mas seu interesse pelo tema partiu de uma necessidade profissional. Como a lei exige que os depoimentos tomados na delegacia sejam transcritos exatamente na forma falada, o escrivão passou a anotar palavras desconhecidas e a pesquisar os significados.

Hoje, seu acervo tem mais de 10 mil verbetes, com termos que vão da economia ao hip hop. "Os puristas torcem o nariz para isso, mas a gíria e o jargão são o segundo idioma do brasileiro. Não dá para menosprezar, é preciso estudar, entender."

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