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29/07/2003 - 02h54

Diploma verde

ANA WEISS
free-lance para a Folha de S.Paulo

A economia ambiental está em alta. No Brasil, a estimativa é que devem surgir 500 mil ocupações ligadas ao ambiente nos próximos dois anos, e parte desses profissionais sairá de graduações que começam a nascer agora —ou que nasceram há pouco tempo—, segundo o economista Jacques Demajorovic. No mundo, a área criou até hoje cerca de 14 milhões de empregos, de acordo com dados do Worldwatch Institute.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Juliana Fullman, cuja formação técnica no Senac a permitiu trabalhar com o ambiente

As universidades brasileiras respondem a essa demanda com cursos específicos. Funções que antes eram da alçada de gente formada em biologia, química e geologia agora também pertencem aos ecólogos, tecnólogos, engenheiros e até advogados que levam a palavra ambiental no diploma. Instituições públicas e particulares remanejam docentes, horários e estruturas para encampar os novos cursos, antes restritos às pós-graduações e especializações.

A Unesp (Universidade Estadual Paulista) inicia neste semestre três cursos de graduação dessa natureza: engenharia ambiental, engenharia industrial madeireira e química ambiental. As instalações dos novos cursos, cujo primeiro vestibular foi realizado neste mês, estão em cidades do interior paulista —Sorocaba, Itapeva e São José do Rio Preto, respectivamente. Os locais foram escolhidos porque, de alguma forma, têm a economia regional ligada à área.

"Para a criação dos novos cursos, a Unesp realizou estudos sobre as características geográficas e socioeconômicas de cada município e região, assim como de sua vocação profissional", explica José Carlos Souza Trindade, reitor da Unesp. Segundo ele, a demanda do mercado para profissionais especializados foi uma das razões da escolha dos cursos.

A USP (Universidade de São Paulo) também lançou, no início do ano, seu curso de graduação em química ambiental, que entrou no manual do candidato antes da aprovação do Conselho Universitário, no segundo semestre de 2002. Por conta da ressalva da indefinição no manual, o curso teve em seu primeiro vestibular a concorrência pífia de 5,5 candidatos por vaga —o que não impediu empresas e indústrias de já recrutarem estagiários da graduação, ainda no primeiro ano de sua realização.

Para o próximo vestibular, a USP também selecionará novos alunos para a recém-lançada graduação em licenciatura em geociências e educação ambiental, curso aprovado neste mês pelo Conselho Universitário da instituição. Assim como química ambiental, a nova licenciatura vai utilizar a estrutura de mais de um dos cursos da universidade.

Geociências é um curso montado para formar professores para o ensino fundamental e médio. Pelo horário proposto, a tendência é reunir docentes de outras áreas. Segundo o coordenador do curso, o professor Mauro Bertotti, um dos objetivos proposto pelos dois novos cursos (são 30 vagas para geociências e outras 30 para química ambiental) é melhorar a qualidade do ensino. Ganham também os professores "deste lado do balcão": a USP contratou este ano três docentes e pretende contratar outros dois para lecionarem nos novos cursos.

À primeira vista, a vantagem das novas habilitações é que elas acrescentam ao ensino científico das áreas de exatas e biológicas muitas matérias práticas sobre legislação, direito, administração, recursos humanos e até marketing ambiental. Em tese, os estudantes saem com munição técnica para lidar com um amplo leque de problemas não só ambientais mas também industriais e empresariais de naturezas diferentes.
Criador e coordenador do curso superior de tecnologia em gestão ambiental do Senac São Paulo, Jacques Demajorovic trabalha desde 1990 em projetos e consultorias para empresas na área ambiental. Por isso, para a graduação que ajudou a criar em 2000, ele formulou um currículo que atende às necessidades profissionais que conheceu de perto.

O aluno do Senac tem desde as matérias chamadas de básicas, como história —que, no caso, se chama história ambiental—, até as técnicas, como direito, gestão e avaliação de impacto ambiental.

"Apesar de termos aulas até nos finais de semana, a maior parte dos nossos alunos começa a trabalhar durante o curso. Recebemos cerca de 40 pedidos de estágio por semestre e temos alunos em órgãos do governo, em empresas e em ONGs, além dos que preferem dar aula", diz Demajorovic, também autor do recém-lançado livro "Sociedade de Risco e Responsabilidade Socioambiental" (Senac São Paulo). O curso, entretanto, ainda não oferece registro profissional. Segundo sua coordenação, o pedido está tramitando no Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia).

Pelo que promete a grade curricular dos novos cursos superiores na área, um profissional recém-formado pode, sozinho, elaborar um laudo sobre área de ocupação para a aprovação do Ministério do Meio Ambiente (nem sempre ele pode assinar, como é o caso do tecnólogo formado pelo Senac, ainda sem registro), escolher a empresa que vai resolver o que será feito do lixo gerado por um novo produto (o destino dos resíduos sólidos é um dos grandes desafios da indústria hoje), desenvolver um projeto de maior aproveitamento das embalagens desse produto e escolher fornecedores que estão de acordo com os padrões exigidos de utilização de mão-de-obra e aproveitamento de recursos.

Com tudo isso, o profissional pode ainda trazer para a empresa em que trabalha aqueles selos de engajamento ecológico e social cada vez mais exigidos pela sociedade consumidora e pela lei.

Essas são algumas das possibilidades profissionais de Juliana Fullman, 26. Em um ano de poucas contratações na Natura, ela passou na frente de dezenas de estagiários com a bagagem do curso de dois anos de tecnologia em gestão ambiental do Senac. Depois de um ano de estágio, ela acaba de ser efetivada na empresa como analista júnior de meio ambiente. No seu trabalho, Juliana participa da elaboração de editais de concorrência de outras empresas interessadas em prestar serviços para a Natura na mesma tarde em que resolve questões da linha de produção, diretamente com os operários de chão de fábrica. A tecnóloga chegou a cursar três anos de química do Mackenzie e outro de turismo, na Anhembi Morumbi, ambas em São Paulo. "Não queria continuar dando voltas. Meu negócio era trabalhar com ambiente e, por isso, abandonei os cursos", diz.

Em um dos programas de que participa hoje —contratada por um salário de R$ 1.900—, a analista procura defeitos na linha de produção, com a ajuda de uma estagiária. "O trabalho com ambiente é prático, muitas vezes envolve eventos inesperados. O único problema dessas novas profissões é que elas ainda são pouco reconhecidas, até mesmo entre profissionais mais antigos da área", diz Juliana.

Outro atrativo das novas grades curriculares é a preparação em lidar com problemas que se atualizam a cada dia, como as mudanças na legislação e a exigência de novos certificados.

No Brasil, as regulamentações ambientais começaram a tomar a forma atual na década de 70, logo depois da criação da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). Na mesma época, em 1976, foi criado o primeiro curso do gênero do país, o de ecologia, na Unesp, instalado em Rio Claro, no interior de São Paulo.

Os grandes acidentes industriais dos anos 80, como o vazamento químico em Bhopal (Índia), em 1984, que até o ano passado havia matado 20 mil pessoas, levou a segurança ambiental ao topo das prioridades de alguns governos. Nessa época, disciplinas de educação ambiental começaram a ser incluídas em currículos tradicionais dos ensinos fundamental e médio em escolas de vários países.

No Brasil, a educação ambiental é obrigatória em todos os níveis de ensino desde 1999, considerada "componente urgente e essencial" da educação fundamental. O MEC prepara, em parceria com o Ibama, um projeto que pretende capacitar 1 milhão de professores para trabalhar com o tema.

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