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29/07/2003 - 02h56

Dez passos para compreender a arquitetura de Niemeyer

GUILHERME WISNIK
especial para a Folha de S.Paulo

Em 1936, ano da criação do famoso projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública, atual Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, Niemeyer era estagiário no escritório de arquitetura de Lucio Costa e Carlos Leão e foi incluído na última hora na equipe encarregada de assessorar Le Corbusier na definição do projeto. Após a partida do "mestre", a equipe terminou por recriar o projeto. Foi nesse momento que as soluções de Niemeyer começaram a aparecer e a se tornar relevantes, com a proposição de dois volumes íntegros para a implantação do edifício e com a idéia de aumentar a altura dos pilotis na praça térrea, dando maior leveza ao prédio.

No concurso para o pavilhão do Brasil na Feira de Nova York (1938-39), o projeto de Niemeyer, então com menos de 30 anos, foi classificado em segundo lugar, perdendo para o de Lucio Costa. Mas Costa, enxergando na proposta de Niemeyer uma espontaneidade nova, convidou-o a elaborar um terceiro projeto, em parceria. A leveza aérea do edifício construído tornou-se um chamariz, fazendo com que as atenções do mundo se voltassem para a arquitetura brasileira nascente —e para a de Oscar Niemeyer em especial. Resultado disso são as publicações de "Brazil Builds", de Philip Goodwin (MoMA, 1943), e "The Work of Oscar Niemeyer", de Stamo Papadaki (Reinhold, 1950), ambos em inglês.

Vailton da Silva Santos/Folha Imagem
Igreja de São Francisco
O Conjunto da Pampulha (1940-42), em Belo Horizonte, é a sua obra de maturidade, pois introduz uma importante mudança de linguagem na arquitetura, que aparece sobretudo no projeto da igreja de São Francisco. Formada por "panos de concreto" em forma de abóbadas parabólicas, a obra desloca a discussão do campo da independência entre estrutura e vedação, contida na grelha Dom-Ino (ou "casa dominó", um sistema no qual os espaços internos são livremente distribuídos), de Le Corbusier. Ali, a maleabilidade plástica do concreto é explorada como plano-superfície, isto é, novamente como elemento portante. Por isso, nas palavras do engenheiro e poeta Joaquim Cardozo (1897-1978), a igreja da Pampulha representa "uma exuberante exposição de averticalismo".

André Porto/Folha Imagem
Edifício Copan
São Paulo possui obras emblemáticas do arquiteto. Particularmente duas, concebidas quase simultaneamente: o edifício Copan (1951) e o conjunto do parque Ibirapuera (1951-55). O primeiro tornou-se um exemplo paradigmático de edificação urbana, por concentrar uma grande diversidade de equipamentos, como habitação, escritórios e comércio, configurando-se como uma "cidade vertical". O segundo, de maneira complementar, articula diferentes edifícios ao longo de uma extensão horizontal —uma marquise—, pontuando de urbanidade os espaços bucólicos do parque. Significativamente, ambos não chegaram a se realizar inteiramente: o Copan nunca teve o seu setor de hotéis, e o parque ainda aguarda a construção do seu teatro —palco de recente polêmica.

Reprodução
Croqui da casa de Niemeyer em Canoas
Na casa que construiu para si em Canoas (RJ), em 1953, o arquiteto leva às últimas consequências a possibilidade de criar ambiguidades pela forma orgânica. Sob uma cobertura curva e plana, que retoma motivos da marquise da Casa do Baile da Pampulha e dos vazios do edifício da Bienal, cria-se um espaço extrovertido que não separa claramente os ambientes domésticos das pedras, águas e vegetações do entorno. Por sua total excepcionalidade, a casa representou a encarnação daquilo que muitos viam como os grandes defeitos de sua arquitetura: uma beleza caprichosa, que o designer suíço Max Bill (1908-94) chamou de formalismo decorativo.

O projeto para o Museu de Caracas (1954) marca uma inflexão na sua obra. Com a forma de uma pirâmide invertida pousada no topo de uma colina, o museu antecipa as premissas de sua famosa autocrítica ("Depoimento", revista "Módulo", número 9, 1958), em que o arquiteto diz renunciar à gratuidade da forma livre em favor de sólidos geométricos mais puros. Essa passagem torna-se fundamental para a arquitetura feita em São Paulo nas décadas seguintes, por meio, sobretudo, de Vilanova Artigas (1915-85), que elege como questão expressiva o vínculo entre a construção e o solo: o dito "ponto de apoio".

Folha Imagem
Palácio do Planalto
Os palácios de Brasília (1957-62) são a sua maior realização. Referenciados fortemente pela linha do horizonte, os edifícios têm uma forte compostura clássica. Mas, ao mesmo tempo, são a matriz de experimentalismos formais nunca antes vistos, encarnando o otimismo afirmativo de um país que se lançava culturalmente com graça e competência tanto na música, com a bossa nova, como na arquitetura.

Reprodução
Sede da Editora Mondadori
Sua obra espalhou-se pelo mundo: França, Israel, Argélia, Itália, Estados Unidos —processo que se intensificou em seus anos de exílio, durante o regime militar no Brasil. Entre os edifícios projetados nessa fase, a sede da Editora Mondadori (1968), em Milão, na Itália, destaca-se pela conversa que estabelece com outras obras. Pois a colunata que, no Palácio da Alvorada (1957), existe apenas para dar um ritmo de composição à fachada, assume ali uma função estrutural inequívoca: suspender a caixa de vidro que contém o edifício propriamente dito. Operação semelhante à que faz no Palácio dos Arcos (1962), em Brasília, porém com uma diferença intrigante: o espaçamento irregular dos vãos mais uma vez põe em xeque os princípios do funcionalismo arquitetônico.

Recebendo a encomenda de projetar um assentamento urbano espraiado no deserto de Negev (1964), em Israel, Niemeyer decidiu contrariar as diretrizes dessa premissa inicial, propondo uma cidade vertical que permitisse um convívio mais próximo, na escala dos antigos burgos.

Apesar de muito celebrado, o arquiteto tem pouco material publicado sobre sua obra no país. Destacam-se: "Oscar Niemeyer: Uma Lição de Arquitetura", de Eduardo Corona (Fupam, 2001, 132 págs., R$ 35), e "Oscar Niemeyer e o Modernismo de Formas Livres no Brasil", de David Underwood (Cosac & Naify, 2002, 159 págs., R$ 37, veja galeria). Para a consulta do seu acervo ou o agendamento de visitas às suas obras, o leitor deve procurar a Fundação Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro ou em Brasília. Ou então simplesmente acessar o seu site: www.niemeyer.org.br. Em arquitetura, o embate ao vivo, com a obra construída, é mais importante do que tudo. Por isso, vale a pena percorrer esse inestimável acervo a céu aberto.

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