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29/07/2003 - 03h12

Procuram-se estudantes

PAULO DE CAMARGO
free-lance para a Folha de S.Paulo

Anteontem, mais de 3.000 pessoas participaram de um exame de seleção para disputar uma das 655 vagas oferecidas por quase todos os cursos da USP —para o segundo ano. Não é um vestibular, mas quase. O processo define quem serão os novos estudantes das vagas que foram abandonadas principalmente nos primeiros dois anos da graduação.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Thiago Higa, que trancou a matrícula de educação física para prestar jornalismo
O número de desistentes não é contabilizado, mas a evasão chega a um número tão expressivo que, além da USP, pelo menos outras quatro universidades públicas (UFRGS, UFPR, UFMG e Unicamp) investem em vestibulares "fora de época", destinados a preencher vagas abertas pelas desistências.

O primeiro obstáculo na hora de enfrentar a evasão é a falta estatísticas precisas. O Ministério da Educação estima que 20 mil vagas fiquem ociosas nas universidades federais todos os anos por causa do abandono, mas não tem números sobre o problema e baseia-se em estimativas para formular políticas de incentivo ao preenchimento das vagas abertas. "Dependemos de levantamentos feitos em cada uma das instituições. Não há uma base comum de informações sobre evasão", afirma Augusto Gregory, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Ensino Superior.

Algumas instituições, no entanto, estão aperfeiçoando metodologias para descobrir o tamanho exato do problema e esmiuçar as suas causas. A USP, por exemplo, está construindo uma base estatística para acompanhar a vida escolar de cada aluno que entra —na universidade, a estimativa é que a evasão chegue a 33% nos cursos de ciências humanas e a 25% na área de exatas. "A evasão é um dos problemas mais graves do ensino superior brasileiro", afirma o sociólogo especializado em educação Simon Schwartzman.

"Foi uma decisão muito difícil, pelo risco de perder tempo, de não conseguir passar novamente e por enfrentar resistência em minha família", conta Thiago Fernando Higa, 19, que trancou a matrícula no curso de educação física na Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Rio Claro (SP), para prestar vestibular para jornalismo.

A angústia é compartilhada por muitos outros alunos, que frequentemente procuram serviços como os oferecidos pelo pedagogo Silvio Bock, especialista em orientação profissional. Ao longo do ano, entre 300 e 400 estudantes do terceiro ano do ensino médio e dos dois primeiros anos de faculdade o procuram com medo de ter errado ou vir a errar na escolha. "É uma demanda crescente", diz.

Além de controlar as estatísticas, algumas universidades brasileiras deram início a programas para preencher as vagas e diminuir o número de desistências —até estancar a evasão.

Em 2001, a USP começou a realizar concursos anuais para preencher as vagas. O pré-requisito para participar desses processos de seleção é o candidato estar cursando alguma universidade e estar pelo menos no terceiro semestre do curso, para que possa fazer sua transferência.

A UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), além de abrir exames para ocupar as vagas da evasão —no dia 3 de agosto, os inscritos concorrerão a 575—, criou novos cursos noturnos —para possibilitar a entrada de estudantes que têm de trabalhar—, criou bolsas de permanência para alunos que desenvolvam atividades em laboratórios e em alguns setores administrativos e ampliou o número de bolsas de iniciação científica.

De acordo com a professora Wrana Panizzi, reitora da UFRGS e presidente da Andifes (Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior), a universidade conseguiu avanços também com a "matrícula responsável". Assim, reforçaram ações como a jubilação e criaram sistemas de aconselhamento para a escolha profissional.

Atitudes semelhantes foram tomadas por outras instituições federais. Uma das pioneiras foi a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde todas as vagas originadas por evasão são totalmente preenchidas, todos os semestres, por processos seletivos de transferência.

Nem sempre é fácil reconhecer que alunos que sofreram para entrar no vestibular queiram, de repente, desistir do privilégio de frequentar universidades públicas. Segundo o professor Mauro Braga, chefe de gabinete da reitoria da UFMG, o primeiro passo é conscientizar a universidade de que a evasão é um problema urgente.

Ao contrário do que muitos podem pensar, os fatores socioeconômicos não são os predominantes, afirma Braga. "Até porque o vestibular já se encarregou de selecionar alunos de setores mais privilegiados da sociedade", diz. Para o pesquisador, as razões da evasão incluem o prestígio social do curso (consequentemente, o mercado de trabalho), o desempenho do aluno e o desencanto com a escolha.

"O caminho tomado depois da evasão raramente é o abandono da universidade", diz a pesquisadora Elizabeth Mercuri, que estuda o problema na Unicamp. "Antes, os evadidos tentam as transferências internas, nem sempre fáceis, ou a troca de instituição universitária". Elizabeth indica como uma boa medida a possibilidade de o aluno transitar mais em outras áreas da própria universidade, para poder tomar alguma decisão.

O professor de filosofia Renato Janine Ribeiro, da USP, traz uma reflexão consoladora. Em seu recém-lançado "A Universidade e a Vida Atual" (Campus), ele faz o que chama de "elogio à evasão". "É natural que os alunos não se encontrem no modelo institucional existente. Hoje, há profissões que podem deixar de existir ao longo do decorrer do curso", exemplifica. Para ele, a evasão deve ser um fator a mais para que a universidade repense seu papel, e a trajetória do aluno é o seu termômetro.

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