Folha Online sinapse  
30/09/2003 - 03h08

"Construir conhecimento não é como ir ao cinema"

HELOÍSA HELVÉCIA
free-lance para a Folha de S.Paulo

Teorias pedagógicas como a da escola Lumiar têm, de acordo com a educadora Maria Madalena Costa Freire, 57, um ranço de reação, ainda, ao período de ditadura. "Parecem mais uma resposta ao centralismo autoritário que uma busca real de relações democráticas na escola. Confundem autoridade com autoritarismo, tentam eliminar a hierarquia. Mas toda instituição tem a sua, a hierarquia permeia as relações humanas. Até quando você diz que 'aqui ninguém manda' tem alguém mandando, só que não está assumido. Ninguém, numa escola, se safa dizendo que não é professor", diz a coordenadora do Espaço Pedagógico, centro de formação de educadores, em São Paulo.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
A educadora Maria Madalena Freire
Filha do educador Paulo Freire e autora de "Sala de Aula - Que Espaço é Esse?" (Papirus, 1986) e "A Paixão de Conhecer o Mundo" (Paz e Terra, 1982), entre outros, Madalena Freire inspirou várias escolas consideradas inovadoras nos anos 80. Desde aquela década, ela assessora secretarias de educação municipais e estaduais.

Madalena acha importante envolver as crianças na elaboração de normas, desde que a autoridade do professor esteja claramente nomeada. "Discutir, fazer plenárias, tudo isso é muito rico, mas não há porque ouvir as crianças sobre alguma regras. Somos educadores, temos de escutá-las não para obedecer seus desejos, mas para organizar sua busca do conhecimento."

A busca do saber, diz a pedagoga, só se dá com rigor e sistematização de atividades. "Construir conhecimento não é como ir ao cinema ou jogar bola. Exige tempo determinado, espaço determinado, rotina de trabalho, constância. Sem rotina, não se desenvolve disciplina intelectual, e isso se faz já a partir dos dois anos."

Na concepção da educadora, pode-se, no máximo, estudar individualmente, mas só se cria saber em grupo. Os atores necessários a essa construção são o grupo, o educador e o educando: "A liberdade com autoria e autonomia se dá no grupo. Essa trama delicada de organizar a liberdade só acontece se existe alguém que sabe mais. O dilema de buscar uma educação democrática é organizar o direito e a autoridade de cada um. Fugir desse dilema centralizando o poder num só pólo, seja o do educador ou o do educando, é reproduzir a relação autoritária. Mostra uma visão espontaneísta, familiar, e familiar desviada, porque até em casa alguém diz para a criança a hora de dormir".

Leia mais
  • Doutores em liberdade

         

  • Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).