Folha Online sinapse  
30/09/2003 - 02h00

Íntegra: "Por que os jovens se arriscam?"

da Folha de S.Paulo

Confira abaixo a primeira parte da transcrição da palestra "Por que os jovens se arriscam?", com o psiquiatra Jairo Bouer, no segundo dia da "Semana Sinapse", mediado pelo editor do Folhateen, Cássio Starling Carlos.

Jairo Bouer - Boa-noite a todos, queria agradece ao Cássio, o Cássio é meu editor no Folhateen já há bastante tempo e, enfim, é sempre um prazer estar com ele nesses eventos. Queria agradecer o caderno Sinapse por esse convite, essa oportunidade de estar aqui conversando com vocês. Às vezes, a gente fica do outro lado escrevendo, fazendo matéria, reportagem e falando no rádio, mas a gente, muitas vezes, não tem um contato direto com o público, com as pessoas para poder trocar, enfim, pensar, repensar coisas que a gente vinha pensando e falando então acho importante esse contato mais direto.

Bom, acho interessante que a gente se propôs a, quer dizer, as reflexões que foram propostas nessa semana de discussão do caderno Sinapse são bastante interessantes e quando a gente discutiu o tema e a gente resolveu falar um pouco do "Por que os jovens se Arriscam?". Eu fiquei pensando um pouco em como ultrapassar essa barreira de que a gente costuma volta e meia encontrar, não é? A gente fala assim: por que o jovem se arrisca? E aí vem muito aquela questão assim: ah, o jovem é inquieto, o jovem está descobrindo, o jovem é onipotente, o jovem não tem limite, o jovem quer descobrir seus novos limites e tal, enfim, são discussões que vocês, imagino, já devem ter ouvido uma série de vezes já assim: ah, é do jovem se encontrar com o risco ou passar pelo risco ou poder estar sempre muito próximo do risco, não é assim? Isso faz parte da juventude, da adolescência e vai ser assim desde que o mundo é mundo e vai continuar sendo assim. Então, quando eu pensei um pouquinho em falar na questão do jovem e do risco, eu pensei em a gente tentar ir um pouquinho além disso, não é? E, toda vez que a gente vai um pouco além disso, a gente vai passar para um campo, que é um campo de conjecturas, de hipóteses, de reflexões, muito mais do que uma coisa fechada, por isso que eu acho importante a gente estar discutindo.

O próprio conceito de Sinapse é um conceito muito próximo a esse que eu queria pensar nesse bate-papo que a gente está fazendo. Sinapse é uma estrutura anatômica, que tem dentro da cabeça da gente, que basicamente é o encontro entre dois neurônios. Neurônios são as células nervosas do corpo da gente. São as células que transmitem informação e a sinapse é a região de aproximação entre esses dois neurônios. Então, esses neurônios não se tocam, eles se aproximam, quase que se entrelaçam, mas seus prolongamentos não se tocam e você tem substâncias químicas, mensageiros químicos que fazem a mediação da transmissão e da passagem da informação de uma célula para outra ou de um neurônio para outro.

Durante muito tempo as pessoas acharam que a estrutura da sinapse fosse uma coisa estática. Então a sinapse fica definida desse jeito e assim será para sempre. O que não é verdade. A gente sabe que a sinapse é uma estrutura anatômica dinâmica. Ela pode mudar, o arranjo pode mudar. a conformação da sinapse pode mudar e pode mudar por várias coisas. Pode mudar por experiências, pode mudar pelo aprendizado, pode mudar pelo uso de medicamentos, pode mudar por um trauma, enfim, as próprias experiências que a gente vai passando na vida vão fazendo com que essas estruturas sinápticas, esse encontros neuronais possam mudar. Então é assim, basicamente, é um movimento muito dinâmico é uma estrutura anatômica, mas que não está fechada, não está definida, não está estabelecida assim para sempre, ela pode mudar.

Acho que isso é um conceito muito parecido com o conhecimento e com a formação do conhecimento da gente, coisas que a gente sabe e vão se modificando, vão se rearranjando, a partir das experiências e das trocas que a gente vai fazendo ao longo da vida. Então, acho que o conceito de Sinapse é um conceito interessante quando a gente vai pensar em assuntos que não tem uma resposta fechada, que a gente vai discutir uma questão mais aberta.

Bom, eu queria falar então que, eu acho bacana a gente discutir isso e as perguntas que vocês vão mandar aí, o Cássio também está mais do que convidado a participar e dar os depoimentos dele. O Cássio é uma pessoa que tem uma experiência grande, ele edita um caderno para jovens já há bastante tempo, então, ele também pode estar aí colaborando com a gente.

Bom, eu trouxe alguns número para a gente pensar e acho que, a partir desses números, eu queria fazer algumas reflexões e depois a gente tentar amarrar algumas coisas com vocês. Obviamente, eu não sei os números de cor, então, vou colar alguns números e aí a gente vai avançando junto aqui.

Acho que a primeira coisa que eu queria pensar com vocês é o seguinte: quando a gente pensa na questão do risco acho que a primeira coisa que vem na cabeça da gente é assim, as pessoas sabem que estão se arriscando? As pessoas sabem como evitar o risco? O que as pesquisas que a gente tem visto, o que o conhecimento que a gente vem adquirindo mostra para a gente é que, na maior parte das vezes, o conhecimento, o saber, qual é o risco que se corre ou que tipo de risco pode se correr não impede a pessoa, muitas vezes, de se expor ao risco. Quer dizer, entre o saber e o fazer, entre o saber e se cuidar e não se expor ao risco e se prevenir existe um "gap", um intervalo muito grande que não é preenchido, a gente sabe, só pela questão racional. Só pela questão da informação. Bom vamos dar uma olhadinha numa primeira pesquisa que foi feita pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Cebrap, que é o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, no final de 99, mais ou menos de 98 a 99 essa pesquisa foi feita, depois os resultados foram divulgados.

Bom, essa pesquisa é chamada: "Comportamento Sexual do Brasileiro" avalia o comportamento do brasileiro nas diversas faixas de idade e a gente tem uns dados bem interessantes:

a faixa dos 16 aos 25 anos, que é a primeira faixa que é estudada nessa pesquisa, mostra-se a faixa mais bem informada sobre a questão da Aids e da prevenção da Aids. Então, de um questionário de nove perguntas sobre Aids os jovens dessa faixa de idade acerta em média seis perguntas. Então, eles sabem de regular para bom quando o assunto é Aids e prevenção. É a faixa de idade que melhor responde a esse teste, a essas perguntas, é a faixa de idade mais bem informada sobre Aids. E, também é a faixa que mais usa camisinha. O uso de camisinha nessa faixa de idade é maior do que nas outras faixas de idade.

Mas aí a gente pergunta o seguinte: todo mundo usa camisinha? Todo mundo que deveria usar camisinha usa camisinha? Está usando camisinha? A resposta é "não", obviamente, "não". O uso da camisinha aumentou muito nas últimas duas décadas, todo mundo está cansado de saber, a gente tem estudos que mostram isso, pesquisas que mostram isso, mas ainda esse uso está longe de ser o uso que a gente desejaria para as pessoas e, principalmente, nessa faixa de idade. Então, surge uma primeira pista, uma primeira pergunta para ajudar a nossa reflexão que é a seguinte: o saber, a informação, por exemplo no caso da questão da Aids não deveria ser suficiente para as pessoas se prevenirem? A resposta é "não". A gente sabe que só o saber, só a informação, só o racional não é suficiente. Então, eu acho que essa é uma primeira pista para a gente pensar na questão do risco.

Um outro dado derivado dessa pesquisa mostra o seguinte: quando a gente vai checar o uso da camisinha na população jovem 44% dos jovens dizem que usam a camisinha sempre, em toda relação sexual. Quando a gente divide essa pergunta entre homens e mulheres a gente chega ao seguinte resultado: - antes vamos ver se vocês acertam: quem vocês acham que usam mais camisinha, os homens ou as mulheres? Quem acha que são os homens? Só para eu ter uma idéia. Quem acha que são as mulheres? Então, a vasta maioria errou, na verdade, os homens usam mais camisinha que as mulheres. Segundo a pesquisa 53% dos homens dizem usar sempre a camisinha contra aproximadamente 35% das mulheres. Aí a pergunta que vem e que, na verdade, acho que, na verdade é a segunda pista, a segunda pergunta para a gente é a seguinte: por que elas se descuidam mais, vacilam mais do que eles? Vocês têm algum palpite? Tem alguma idéia?

Público - Inaudível.

Jairo - O que foi? Submissão. Alguém mais tem algum palpite? Oi?

Público - Inaudível.

Jairo - Confiam mais nos parceiros. Idéias? Pressão, vergonha. Quem mais tem idéias? é um pouco de tudo isso que vocês estão falando, sem dúvida nenhuma e some-se a isso o fato de que as mulheres estabelecem, nessa faixa de idade, em todas as faixas de idade, mas, principalmente, nessa faixa de idade, parcerias fixas, mais rapidamente, mais precocemente do que os meninos. Então, de fato, os meninos têm uma variedade maior de parceiras sexuais nessa faixa de idade, as mulheres têm menos parceiros sexuais na média do que os homens. E, o que acontece? No estabelecimento de uma relação mais estável, de uma relação de mais tempo, de mais duração, o uso da camisinha é menor, as pessoas acabam abandonando o uso da camisinha ou por confiança ou porque incomoda mesmo e eles querem ficar livres da camisinha, a camisinha é um empecilho para a relação, para o afeto, para a paixão - não estou falando que eu concordo com tudo isso -, são respostas que a gente tem quando a gente o porquê. Então, de fato, o estabelecimento da parceria estável acaba contribuindo para um menor uso da camisinha. Então, de fato, a gente percebe aí que os homens usam, a gente sabe que os homens estão usando mais do que as mulheres. Essa é uma segunda pista para a gente pensar mais para frente um pouco na questão do risco e perceber que, na verdade, algumas questões de relacionamento, algumas questões emocionais começam a permear essa questão do risco de maneira muito nítida.

Vamos sair um pouco do campo do sexo e vamos pensar um pouco na questão das drogas. A gente tem uma pesquisa do Cebrid - Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas, da Unifesp, da Escola Paulista de Medicina. Essa pesquisa é do final dos anos 90. O Cebrid é um instituto que faz as melhores pesquisas qualitativas e quantitativas em relação a drogas ou boa parte das boas pesquisas que são feitas no Brasil hoje são executadas pelo Cebrid. Esse é um estudo grande, que foi feito pelo Cebrid sobre o uso de drogas em estudantes de ensino fundamental e médio e essa pesquisa mostrava o seguinte: que 25% dos estudantes de ensino fundamental e médio das escolas públicas - nesse caso a pesquisa foi feita em escolas públicas - já tinha experimentado algum tipo de droga na vida, além do tabaco e do álcool. Não estou falando de cigarro, não estou falando de álcool, estou falando de outras drogas, 25% já tinham entrado em contato com algum tipo de droga ainda na escola, no ensino fundamental ou médio.

Tem uma outra pesquisa muito boa, feita pelo Grea, Grea é o grupo que estuda a questão do álcool e das drogas no Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo, e o Grea mapeia, mais ou menos a idade que as pessoas entram em contato com as drogas em São Paulo. Então, a gente tem assim: álcool aproximadamente, a média, aos 11 anos de idade. Cigarro aos 12 e maconha aos 13. Eu queria só juntar os dados dessas duas pesquisas que eu falei para a gente pensar numa terceira pista, numa terceira pergunta, que é a seguinte: é muita gente experimentando cedo demais. Quer dizer, a gente não está falando que a maior parte das pessoas experimenta droga na escola, mas muita gente experimenta droga na escola e muita gente entra em contato com as drogas cedo demais. O que faz a gente pensar também, quando a gente for pensar na questão do risco, como é a questão da administração do risco - quando a gente está falando em droga a gente está falando muitas vezes em risco - aos 11, 12, 13 anos de idade? Será que é diferente da administração do risco aos 30 anos de idade? Aos 25 anos de idade? Provavelmente, é, daqui a pouquinho a gente volta para falar, então, dessas coisas.

Eu trouxe também alguns dados do CDC - Centro de Controle de Doenças, de Atlanta, nos Estados Unidos. É como se fosse a Vigilância Epidemiológica deles. É o órgão americano que tenta descobrir quais são as doenças que estão acontecendo? O que está afetando as pessoas? Do que as pessoas morrem?

Jairo - Do que as pessoas ficam doentes nos Estados Unidos? E o CDC fez essa pesquisa grande com jovens de dez a 24 anos lá nos Estados Unidos, essa é uma pesquisa de 2001 e eles têm os seguintes resultados: - então, vou soltar alguns resultados para vocês, que são os seguintes: 42% dos jovens americanos de dez a 24 anos não usaram preservativo na sua última relação sexual, não é? Quer dizer, a pesquisa foi feita: na sua última relação você usou preservativo? Usou camisinha? Quarenta e dois por cento disseram que não, 82% não usaram nenhum método de prevenção de gravidez na última relação sexual. Então, não usaram camisinha, não usaram pílula, DIU, nenhum método anticoncepcional, 24% tinham utilizado maconha no mês anterior à pesquisa, 30% tinham exagerado, no mês anterior na dose de álcool, na quantidade de álcool que beberam, pelo menos uma vez, 14% raramente utilizavam cinto de segurança quando guiavam, 31% quase um terço dirigiam depois de beber e 33% se envolveram ou tiveram algum tipo de briga física no ano anterior à pesquisa. Eu estou mencionando esses dados porque obviamente são dados que se relacionam com a questão do risco. então, não usam os preservativos, não usam métodos anticoncepcional, uso de maconha, uso de álcool, exagero no uso de álcool, o não-uso do cinto de segurança a associação de beber e guiar e brigar, se envolver em violência e em briga no último ano. Bom, isso faz a gente pensar o seguinte: esses comportamentos que a gente está falando aqui no Brasil, a gente falou no primeiro momento de comportamentos em relação a sexo e drogas no Brasil, a gente percebe que isso não é um fenômeno isolado desse país. A gente vai encontrar esse tipo de fenômeno na maior parte dos países ocidentais, nos Estados unidos, em países da Europa, em outros países da América Latina, então, assim, esse tipo de comportamento não é um comportamento isolado aqui no Brasil, isso também vamos juntar lá para pensar um pouco mais para a frente.

Esse tipo de comportamento que a gente está falando vai refletir? Vai ter um impacto? Sem dúvida nenhuma na questão de como os americanos jovens adoecem e morrem. Então, só para vocês terem uma idéia, voltando, eu sei que dados são um pouco chatos, mas eu queria só dar uma passada nesses para a gente ter um substrato para a discussão, que é o seguinte: causa de morte dos jovens americanos de dez a 24 anos: 31% morreram em acidente de carro, 15% foram assassinados, 12% se envolveram em algum outro tipo de acidente: afogamento, enfim, 1% morreu por causa de Aids. Se a gente somar essas causas que tem a ver com a questão do risco: acidente de carro, assassinato, violência, outro tipo de acidente, Aids a gente vai ver que 59% das mortes foram por causas violentas ou causas que envolveram risco e poderiam de alguma maneira ter sido evitada se a relação com o risco fosse diferente. Só para a gente somar, mas 12% dos jovens americanos se mataram, não é? Quer dizer, então, 12% das causas de morte. Então, se a gente somar tudo 71%, 72% das causas de morte dos Estados Unidos tem a ver com essas questões que a gente falou aqui. Portanto, assim, o risco e as coisas que estão envolvendo o risco parece ser a grande doença, a grande epidemia que, na verdade está matando os jovens americanos hoje.

No Brasil, esses dados não são muito diferentes, assim, quando a gente vem para as cidades, principalmente, para as grandes cidades do Brasil, a maior parte dos jovens que morrem nessas cidades grandes morrem por acidente de carro, morrem porque foram vítimas de assassinato, porque se envolveram em brigas, porque tiveram outro tipo de acidente, porque contraíram algum tipo de infecção como a Aids, muitos também acabam tendo o suicídio como comportamento, enfim, a gente tem uma relação com as causas de morte aqui bastante parecidas com a que a gente vê nos Estados Unidos.

Bom, então, acho que uma pista cinco para a gente pensar, uma questão cinco é quanto o risco parece estar intimamente ligado com a questão da morte dos jovens, não é? Será que a questão do risco é uma questão do jovem da atualidade? Será que o jovem de, sei lá, de 30, 40, 50 anos atrás, vamos pensar no Brasil, não se arriscava também? Acho que sim, se arriscava também, mas eu acho que, em alguma dimensão o risco ficava relativizado pelas próprias condições daquela época, não é? Hoje a gente vive num momento e nas grandes cidades principalmente, em situações de violência muito próximas a todos. Então, é um indivíduo que toma um porre e cai na rua, em São Paulo de 1950, provavelmente, ia ficar caído lá até o dia seguinte até que alguém o encontrasse de manhã ou ele acordasse e passasse o porre e ele iria para casa, não é? Havia muito menos carros, os carros eram menos velozes. Havia muito menos violência. Havia as drogas, existiam, mas existiam, talvez, numa disponibilidade menor, estavam mais longe, não estavam tão próximas ao universo dos jovens. Quer dizer, o risco e a convivência com o risco existia, mas a própria sociedade, a própria organização da sociedade era diferente. Hoje a gente vive uma proximidade muito maior em relação ao risco. Então, esse mesmo jovem que bebeu, nos anos 50, em São Paulo, e ficou caído até o dia seguinte, talvez, em 2000 e pouco se tomasse um porre e caísse na rua talvez não acordasse no dia seguinte. Talvez fosse atropelado por um carro. Talvez pegasse seu carro e batesse ou o carro tivesse algum tipo de acidente, talvez fosse assaltado, talvez fosse assassinado, enfim, as cidades ficaram mais violentas, a vida ficou mais violenta. Então, acho que essa é uma outra questão para a gente pensar, que o risco pode não ser exatamente um a novidade, mas hoje o jovem está mais próximo ao risco, está vivenciando o risco como alguma coisa que faz parte da vida dele, do cotidiano dele.

Quando a gente pensa também na questão do risco: se a gente pensar em gravidez na adolescência. Se a gente pensar em novos casos de Aids, por exemplo. Se a gente pensar em uso de camisinha. Se a gente pensar em uso de pílula anticoncepcional. Se a gente pensar em início mais precoce da vida sexual. Taxa de gravidez na adolescência. Índice de mortes violentas, enfim, em todos esses índices, no Brasil de hoje são piores, são mais preocupantes nas periferias das grandes cidades, nas favelas e entre a população mais pobre. Então, acho que essa é uma outra coisa para a gente começar a pensar que assim: por que o risco, óbvio, todo mundo que vive numa cidade grande está exposto ao risco e alguns tipos de condições expõem a gente ainda mais ao risco. Mas, por que esse risco aumenta? Por que esse risco fica ainda mais próximo das pessoas na periferia das grandes cidades e nas favelas das grandes cidades? O que está acontecendo? Será que isso é só coincidência? Acho que obviamente não e essa é uma sétima pista, uma coisa para a gente pensar.

Bom, antes de a gente tentar passar aí para uma tentativa de entender um pouco essa questão do risco, a gente perguntou, então, se só saber a informação não é suficiente para conter o risco? Depois a gente perguntou: por que as mulheres se descuidam e vacilam, ficam mais frágeis do que os homens na questão do sexo? Muita gente experimentando muita coisa cedo demais. Será que faz diferença? Quer dizer, o fato das pessoas estarem tendo contato com essas questões de sexualidade, droga, muito mais cedo será que faz diferença na questão do risco? O risco não é só aqui, por que esse risco está acontecendo nos diversos países do mundo ocidental? O risco parece ser uma doença que está muito próximo ao jovem, me parece uma das ou talvez a principal doença que está afetando os jovens. O risco não é uma novidade, mas o risco ficou mais próximo ainda do jovem pelas condições do momento que a gente ainda está vivendo. Por que o risco está mais próximo das populações mais vulneráveis, das populações mais pobres, das populações mais carentes de qualquer tipo de ajuda, não é? Então, acho que essas são algumas questões para a gente pensar.

E, acho que assim, vou juntar um pouco tudo isso, obviamente, não vou fechar essas histórias todas, porque eu queria muito a participação de vocês nesse momento, mas acho que fica óbvio para a gente que só informação não basta, não dá conta do recado. Só saber não é suficiente para conter o comportamento. Eu saber que se eu usar camisinha eu não vou pegar Aids não me impede de deixar de usar a camisinha em algumas situações. Saber que se eu exagerar nas drogas ou se eu exagerar no álcool eu vou estar mais exposto a risco também não parece conter o consumo de álcool e drogas. Saber que, por exemplo, eu vou beber e eu vou guiar mal, não vou conseguir guiar tão bem, também não é suficiente para eu deixar de beber e guiar. Essa associação continua acontecendo. Saber que beber e transar sem camisinha é uma associação, que também é (.........), quer dizer, se eu acabar bebendo vou passar da dose, a chance de eu não usar camisinha é maior, também, não me faz refletir muito sobre isso tudo.

Então, assim, o que acontece? A informação está aí. As pessoas sabem. Se eu perguntar para qualquer moleque de 15, 16 anos, sobre camisinha, ele sabe que camisinha protege. Ele sabe que transar sem camisinha ou sem método anticoncepcional implica em risco de gravidez. Ele sabe que beber demais implica em risco. Ele sabe que usar droga implica em risco. Ele sabe que beber e usar outras drogas ou beber e guiar implica em riscos, mas isso não parece ser suficiente para conter o comportamento. Isso, por si só, não dá o limite que a gente imagina que possa ajudar um pouco a pessoa a se controlar ou a se cuidar mais. Então, acho que a primeira coisa que a gente pensa é que o racional, a informação, o saber não é suficiente para a contenção dos comportamentos. E, aí se o racional não é o suficiente, o que está impactando no racional? O que não está deixando o racional se manifestar? Aí a gente entra num campo, que é um campo complexo, que é o campo das emoções humanas.

Quer dizer, o que acontece na minha cabeça na hora que eu posso fazer uma decisão e eu não faço essa decisão? Mesmo sabendo qual o caminho a ser tomado, qual o caminho a ser seguido, não é? O que acontece? Então, por exemplo, no sexo várias coisas podem passar na minha cabeça: putz, se eu usar camisinha a chance de eu falhar é maior. Ih, se eu não souber fazer? Estou começando a minha vida sexual, já nem sei fazer sem camisinha, será que vou saber fazer com camisinha? Eu tenho vergonha de usar e não conseguir ou tenho vergonha de pedir para o meu parceiro usar ou tenho vergonha de usar e a menina achar que eu já transei com um monte de gente. Timidez, não é? Quer dizer, a timidez também entra aí no meio dessas questões.

A sensação de que a paixão imuniza contra todos e contra tudo. Ah, eu estou apaixonado, eu estou amando, eu estou numa relação superbacana, isso, por si só, me protege. Ou a relação é tão intensa, é tão pura, é tão bacana, é a relação da minha vida, que, putz, se eu vou atrapalhar essa intensidade, essa sensação total para usar a camisinha ou para colocar a camisinha no meio da história. A tentativa muitas vezes de forçar um pacto de fidelidade, quer dizer, eu não usando e ela não usando significa que a gente está admitindo que a gente precisa ser fiel um ao outro, porque se a gente não for os dois estão correndo risco e tal.

Então, muitas vezes, bom a gente não está usando significa que está sério, significa que vai em frente, quer dizer, é como se eu forçasse, de alguma maneira um pacto de fidelidade. a troca de um risco pretensamente calculado aí pela vivência mais intensa do prazer. É o prazer que conta, é o prazer que tem que ser vivido, é o prazer que é a coisa mais importante e, por conta disso, eu posso correr alguns riscos. Esses são só alguns exemplos de sensações ou emoções que muitos jovens contam para a gente, descrevem para a gente quando eles explicam o não-uso ou porque não usam a camisinha.

Com a questão das drogas eu acho que assim, as questões não são muito diferentes, os argumentos não são muito diferentes. então, ah, meus amigos pressionaram. Eu queria sentir uma coisa diferente, eu queria sentir uma coisa mais intensa. Parece assim que na minha turma todo mundo fuma maconha, então, assim, usar a maconha é uma espécie de passaporte, de autorização para eu entrar nessa turma e poder fazer parte dessa turma. O desafio, quer dizer, experimentar uma droga é o jeito de provar que eu vou, que eu posso, que eu "aconteço". Isso a gente percebe principalmente entre os meninos. Ah, se eu não beber eu não vou ser macho. Se eu não usar as drogas como todos os meus amigos estão usando significa que eu não sou tão macho como eles e tal. É a questão do desafio.

A transgressão de regras e limites, não é? Quer dizer, pô quem disse que o que está escrito é o que eu tenho que cumprir? Todo mundo fala para eu não usar droga, porque, então, não posso ir em frente? Que limite é esse, que imposição é essa?

A questão do alívio de uma angústia. O uso da substância para a obtenção de algum resultado, não é, quer dizer, eu vou usar uma droga porque eu estou angustiado, eu vou usar uma droga porque eu quero uma sensação mais intensa, que, na verdade, é um conceito que os filhos importam dos pais desde muito cedo. O moleque vê a mãe tomando remédio porque a mãe está tensa. O moleque vê a mãe tomando remédio porque ela quer emagrecer. O moleque vê o pai bebendo quando chega em casa para dar uma relaxada. Vê o pai bebendo com os amigos no final de semana para se socializar, quer dizer, o uso da substância para obtenção de algum tipo de efeito é um conceito que está muito presente, é muito nítido na sociedade da gente e as crianças vêem isso desde cedo e absorvem esse tipo de comportamento. Então, a questão do prazer, muitas vezes, principalmente, quando a gente fala em cidade grande e muitas vezes em periferia de cidade grande, a falta de opções de lazer, não é? Quer dizer...

(....)

...as crianças em escolas e elas são obrigadas a conviver com outras crianças, que tem outros modelos familiares. Muitas vezes os pais chegam cansados em casa, não conseguem dividir o seu espaço emocional com os filhos. As próprias famílias mudaram de estrutura. Muitos casamentos se rompem, se romperam. Casas que são tocadas ou administradas só pelas mães ou só pelos pais ou com novas combinações familiares, quer dizer, as pessoas mais preocupadas com elas mesmas e com menos tempo para dividir essas questões, dividir angústias, dividir, enfim, satisfações. Essas questões todas, de alguma maneira, fazem com que as crianças se sintam mais cedo como que autorizadas a testar novos caminhos, novas possibilidades, como se as crianças pudessem experimentar outras coisas mais cedo, pudessem tentar substituir algumas questões, que eram questões importantes, que hoje não são tão presentes, mais cedo, não é? Então, isso de alguma maneira é um comportamento ou é um tipo de sensação que está associado à vivência do risco ou à vivência precoce de determinas experiências como usar drogas ou fumar ou beber.

Uma outra coisa que eu acho que é uma coisa importante é que, de alguma maneira, a questão da informação, traz o mundo da razão, das regras, o mundo do real. Então, assim, eu aprendi desde os dez anos na escola que transar sem camisinha pega Aids. Eu aprendi desde muito cedo na escola que se eu bebo não posso guiar. Então, a informação, faz um pouco o papel do limite, ela mostra o que pode ser feito e o que não deveria ser feito. Ela traz o mundo do concreto, do real, muito próximo da vida do adolescente. Esquecer essa razão, esquecer essa informação, esquecer esse "impuch" de razão, de informação de alguma maneira libera ou poderia liberar as pessoas para viver um mundo, mais intenso, um mundo mais emocional, um mundo mais sensorial, um mundo do que eu faço o que eu bem quiser.

Então, é como, imagino assim: o pai fala você não pode sair hoje porque eu não quero que você saia de casa hoje. Então, assim, a coisa mais importante é sair de casa, porque se o pai está proibindo sair de casa é porque, provavelmente, uma coisa muito boa pode acontecer fora de casa ou se ele está colocando limite por que eu não posso ir em frente e ultrapassar esse limite? Por que eu não posso tentar ir além desse limite? Quer dizer, a informação falando o seguinte: use camisinha ou não beba e saia dirigindo o seu carro, de alguma maneira entra um pouco no papel do limite, da imposição, do é isso que você tem que fazer.

Bom, se é isso o que eu tenho que fazer, se estão dizendo que é isso que eu tenho que fazer, por que é isso que eu tenho que fazer? Por que necessariamente é isso que eu tenho que fazer? Por que de vez em quando não posso desligar o botãozinho e vivenciar as coisas do jeito que eu bem quero, do jeito que eu bem entendo. Por que não posso esquecer? Ah, vou apagar não é? O mundo ficou muito chato, o mundo ficou muito cheio de regras, o mundo ficou muito cheio de limites e nesse momento as regras e os limites são as coisas que mais aparecem na minha vida e no momento que eu estou transando, no momento que eu estou experimentando minha primeira relação sexual, no momento que eu quero fazer uma experiência com álcool ou que eu quero experimentar cigarro ou maconha, por que eu tenho que lembrar de tudo isso? Eu não vou querer lembrar de tudo isso. E, nesse momento, é como se houvesse um apagão da razão e houvesse uma vivência mais intensa do emocional.

Acho que isso é uma outra coisa que a gente percebe quando eles falam, quando eles contam essa questão. a informação acaba sendo empecilho, obstáculo, culpada, não é? Ela é quase culpada da situação. Então, seria alguma coisa do tipo, pô, é quase que a informação tem que usar camisinha sempre me lembra que a Aids existe. Não poder beber ou não poder beber em exagero me lembra que a festa poderia ser diferente se eu bebesse mais e se eu perdesse o controle e se eu, enfim, ficasse naquela noite sem qualquer tipo de limitação. Então, nessa hora, eu acho que, muitas vezes, eles entendem que a informação atrapalha, que a informação bloqueia, que a informação atrapalha a vida deles e eles desligam esse filtro de seleção das informações e do que eles podem fazer e acabam se expondo mais ao risco.

Então, acho que essas são algumas sensações que a gente apreende das conversas e dos e-mails que os jovens acabam mandando para a gente.

Então, novamente, tentando organizar um pouco todas essas coisas que eu disse, a gente percebe que o racional não dá conta de segurar os comportamentos e que, provavelmente, o entrar em contato com o risco está muito ligado a questões emocionais. Vivências pessoais, vivências emocionais, sensações e quase uma tentativa de furar alguns bloqueios, furar algumas regras, algumas imposições para tentar vivenciar coisas diferentes. E aí eu acho que a gente impacta na seguinte sensação: e aí o que se faz? Vai deixar o jovem viver o risco? Vai deixá-lo fazer o que ele quer? Vai deixar de dar a informação? Vai deixá-lo fazer o que ele bem entende? Então, assim, se a informação só não basta e se a emoção de alguma maneira estaria ligada ou é responsável por vivenciar o risco e aí o que fazer? Como controlar essas emoções? Como controlar essa ligação com o risco? e aí, assim, eu acho que, a gente tem que pensar, num novo jeito de lidar com essa informação e um novo jeito de lidar com esse jovem. A gente não pode esquecer que esse é um jovem que, desde muito cedo foi exposto a muita informação, esse é o primeiro ponto.

A gente não pode esquecer que é um jovem que, muito cedo, teve que tomar decisões porque muitas vezes não tinha o pai em casa, não tinha a mãe em casa, enfim, é um jovem que, de alguma maneira tem que tomar condutas, decisões, posturas, de uma certa maneira tem um amadurecimento mais precoce que o jovem de 20 ou 30 anos atrás. Amadurecimento nesse sentido, é o de ter que tomar algumas posições que antes não tinha que tomar.

Ao mesmo tempo, ele não tem tempo emocional para conseguir preencher esses vácuos dele com experiências de vida. Se ele é obrigado a tomar uma decisão, muitas vezes, ele não tem o estofo emocional para poder lidar com essa emoção. Digo assim, metade dos meninos está transando antes dos 15 e um terço das meninas está transando antes dos 15 anos de idade. Será que aos 15, aos 12 ou aos 13 é fácil, por exemplo, para a menina argumentar ou discutir o uso da camisinha, por exemplo com um menino mais velho? Não. Quer dizer, para ela é muito mais difícil, ela não tem argumento, ela não sabe como fazer, ela se sente desprotegida, ela fica tímida, ela tem vergonha, quer dizer, às vezes, ela não tem o estofo emocional, ela não tem a quantidade de vivências e elaborações, amadurecimentos emocionais para poder lidar com essa questão de um que exige uma tomada de posição, uma postura mais imediata, não é?

Então, eu acho que se a gente tem um jovem que é poliestimulado muito cedo. Se a gente tem um jovem que é obrigado a viver coisas mais cedo, pelas próprias constituições sociais que a gente vive hoje, é um jovem que, muitas vezes, não tem tempo de ligar ou de ter uma massa crítica emocional que vá ajudá-lo a tomar essas decisões. O filtro dele não é um filtro muito bom ainda. Ele vai precisar de mais tempo para poder enriquecer, para poder tornar esse filtro mais seletivo.

Então, é com esse jovem, provavelmente, que a gente tem de lidar no dia-a-dia e esse jovem, a gente não pode esquecer que nas periferias, quando a gente vai para as camadas mais pobres da população é um jovem que tem esses filtros ainda mais complicados, porque a exposição aos riscos, a exposição às tomadas de decisões, enfim, que o jovem tem que tomar são ainda mais precoces, mais precocemente ele tem que entrar em contato com essas questões. Ele tem menos suporte emocional. Ele vem de famílias, muitas vezes, completamente, desestruturadas.

Ele vem de famílias, às vezes, que não está vivendo com o pai, nem com a mãe, enfim, são agrupamentos, vivem três, quatro crianças de casamentos de diferentes pais, diferente mães, numa mesma, quer dizer, ele não tem a quem recorrer. Ele não tem um papel social, ele não consegue ficar muitas vezes na escola, ele não tem a perspectiva de um emprego. Como ele vai conseguir forrar esse filtro de material emocional para poder tomar as decisões dele? A formação desse filtro é muito precária. Ah, e é um jovem que juntando isso as questões de dificuldades sociais, as misérias, a própria violência que está talvez muito mais próxima a ele nessas periferias, obviamente, é um jovem que está muito mais exposto à questão do risco. Então assim, esse é um outro jovem que a gente tem que pensar, não é outro jovem, mas também é o jovem que a gente tem que pensar quando a gente faz essa reflexão.

Bom, então, eu acho que assim: a gente tem que construir essa informação de um jeito diferente. Eu acho que o primeiro desafio é a gente entender que a emoção tem um peso fundamental nessa equação e só a informação não vai dar conta do recado. A informação deve ultrapassar o campo da razão e deve começar a se combinar de alguma maneira com a questão da emoção. eu acho que, esse jovem que está mais informado, que está mais exposto a uma série de decisões mais precocemente é um jovem que não gosta de discursos prontos e acabados. Não é o cara que você vai chegar para ele e falar assim: ó, usa camisinha porque senão você vai se ferrar, você vai pegar Aids ou ó, não usa drogas porque senão você vai se dar mal ou não bebe demais senão você vai se dar mal.

Não é isso, a gente tem que construir essa vivência com ele a partir de informações práticas, constatações reais que ele pode perceber no dia-a-dia nos amigos, na escola, nas pessoas que estão próximas a ele. Acho que assim: essa construção dessa informação tem que ser feita junto com ele. Acho que isso funciona muito mais do que a gente impor um discurso. Até as campanhas que eu acho que a gente faz, a gente tem que rever muito até que ponto essas campanhas - use camisinha para se prevenir, use camisinha o tempo inteiro -, com discurso pronto, simplesmente, elas não reproduzem a questão que eu estava falando anteriormente do limite da regra, do real e acabam assustando, atrapalhando, o jovem entrar em contato com essa informação.

Até que ponto até a campanha não podia ser mais interativa? Até que ponto as campanhas: a gente percebe isso, talvez, de alguns anos para cá, possivelmente, nas campanhas - não sei se vocês já viram umas campanhas que estão no ar em alguns canais de televisão, de cigarro acho que é o "............... prevention", que você constrói a informação de que a pessoa, pode, na verdade, ser radical, ser descolada, ser bacana, isso não implica em ela fumar. Diferente de: não fume que você vai se ferrar. Você vai pegar câncer de pulmão e isso e aquilo.

Se você mostra uma pessoa que pode ter um comportamento radical, pode ser bacana, pode ser decolada, pode fazer parte da turma e não precisa fumar para isso. As campanhas da MTV também, se vocês acompanharam essas campanhas desses últimos anos, eles batem muito na tecla da questão da decisão que você jovem tem no momento que você está vivenciando a situação. Quer dizer, o uso da camisinha é assim: você sabe que você precisa usar, agora a decisão de usar é sua. No momento não é a campanha, não é o pai, não é a mãe, não é o médico, não é ninguém que vai estar lá é você com você.

É você com seu parceiro, com sua parceira é você que vai estar lá e é nesse momento que você tem que tomar essa decisão. Então, eu acho que é a transferência da responsabilidade. A questão da autonomia com responsabilidade. A decisão é tua. Você tem todos os argumentos para saber como se defender, para saber como se proteger, mas a decisão fundamentalmente é tua. Então, eu acho que esse tipo de construção talvez seja mais operacional do que as coisas que a gente vinha fazendo até então, em termos de campanha, enfim, que definem que ditam aí o que tem que ser feito e o que não tem que ser feito.

E, caminhando já para o final, de novo autonomia para decidir o que vai fazer e acho que assim: a questão de resgate de alguns valores que ficaram diluídos nesse mundo que a gente vive, nesse mundo apressado, nesse mundo de competição, não é? O jovem é muito ligado a ter, a possuir, a consumir, a obter, a se dar bem, a passar os outros, a chegar na frente e para isso muitas vezes, pô pega bem eu falar que eu fiquei com dez meninas ao invés de que eu fiquei com uma menina. Ou pega bem eu falar que eu experimentei tudo ou pega bem... É essa coisa do consumir, do competir acaba, de alguma maneira ficando de novo, é um comportamento que um pouco se repete em diversas modalidade, não é?

Quer dizer, se repete na questão do sexo, se repete na questão das drogas, se repete na questão do guiar velozmente, de qualquer jeito, sem limites, enfim, eu posso, eu mostro, eu quero, eu aconteço. Acho que resgatar alguns valores que ficaram diluídos nessa questão toda, nessa pressa toda que a gente vive, nesse mundo mais autônomo, mais individualista em que as pessoas são obrigadas a viver e que são outros valores de amizade, de afeto, de escolher não pela quantidade, não pela intensidade, mas às vezes pela qualidade da emoção ou da vivência, não é? Acho que tudo isso são alguns conceitos que têm que ser reelaborados e melhor empregados quando a gente fala dessas questões em relação a risco, enfim, em relação ao relacionamento com risco.

Assim, a gente nunca, sendo realista, a gente não vai ter um jovem que vai estar isento de risco, a gente não pode isolar esse jovem e impedir que ele entre em contato com o risco. ele vai entrar em contato com o risco, até porque isso é uma questão que é muito própria desse momento, enfim, não só os jovens, mas todos nós estamos em relação direta com o risco, mas, nesse momento, ele vai entrar em contato, vai se aproximar disso tudo. Assim, é um jeito, talvez, mais tranquilo, mais ponderado, acho que mais pensado, mais amadurecido de entrar em contato com esse risco. Ao invés de não beber, talvez, saiba como beber. Ao invés de não transe. É transe, mas saiba como transar. Eu acho que é assim. É muito mais por aí do que a gente radicalizar em algumas situações que eu acho que não resolvem, muitas vezes até atrapalham.

Acho que é isso Cássio, desculpe falar demais.

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