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28/10/2003 - 03h02

Boas maneiras na sala de aula alemã

SILVIA BITTENCOURT
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Heidelberg (Alemanha)

O professor Karl Witte, diretor de um centro escolar da cidade alemã de Bremen, no norte do país, já havia tentado de tudo: pediu, ameaçou, repreendeu e até mesmo expulsou os alunos que se comportaram mal. Não adiantou nem um "tratado" sobre "regras básicas para o convívio harmonioso" dentro da escola, que Witte fez assinarem mais de 600 alunos e pais no final do ano passado. Casos de agressão entre os alunos e falta de respeito perante os professores continuaram fazendo parte do dia-a-dia.

Reprodução
Tira dos personagens Max e Moritz, de Wilhelm Busch, famosos por suas travessuras

Foi nesse contexto que o educador criou a disciplina "trato, modos e conduta", obrigatória para alunos da quinta série. Uma vez por semana, durante um semestre, os estudantes aprendem e treinam, com o próprio diretor da escola, regras básicas de comportamento. Eles praticam o uso frequente de expressões como "com licença", "por favor" e "obrigado". Treinam bater na porta antes de entrar num recinto. Discutem, entre outros temas, por que as aulas têm de ser frequentemente interrompidas por causa da falta de disciplina dos alunos.

"Tínhamos atingido o nosso limite", disse à Folha de S.Paulo Karl Witte, 61. "Fazia anos que cada professor vinha tratando os problemas de comportamento em classe com os alunos. Estavam perdendo um tempo precioso das aulas", acrescentou.

Muitos pais apoiaram o diretor. Outros consideraram exagerada a criação de uma disciplina. Segundo eles, a escola, situada num bairro com alta concentração de estrangeiros, deveria se preocupar mais com o ensino de alemão.

O fato é que a criação de um curso exclusivo para melhorar o comportamento dos alunos gerou uma grande polêmica na Alemanha —e não apenas no meio educacional. "Há tempos nos confrontamos com o problema de jovens recém-saídos da escola desconhecerem regras básicas do convívio social", afirmou Dieter Hundt, presidente da Confederação dos Empresários da Alemanha.

O secretário da Educação do Estado de Saarland (oeste), Jürgen Schreier (da conservadora União Democrata Cristã), relaciona o mau comportamento dos alunos à perda de alguns valores antigos que, segundo ele, têm sido desprezados nas escolas desde os anos 70. Naquela década, influenciados pelo forte movimento estudantil do ano de 1968, os pedagogos alemães passaram a pregar uma educação mais livre e antiautoritária para crianças e jovens.

Schreier anunciou, então, uma "ofensiva" para o resgate desses valores nas escolas de seu Estado. Uma comissão recém-nomeada deve elaborar até o final do ano um "manual" sobre bom comportamento, que deve servir como base para que os professores orientem os alunos nas salas de aula.

Enquanto a maioria dos Estados alemães já dá notas para o comportamento dos alunos, a Baviera (sul) pretende introduzir no boletim de cada estudante —dos ensinos fundamental e médio— comentários a respeito. Ali e em outros Estados conservadores também se discutem medidas mais drásticas, como sua expulsão da chamada "Hauptschule" (modelo de escola mais "fácil" e generalista do ensino médio, mas que não permite o acesso à universidade). Expulso, um ex-aluno da "Hauptschule" não teria chance de concluir nenhuma formação.

Quando o curso de bons modos foi anunciado, vários pedagogos gritaram contra. De um modo geral, defenderam que a educação de uma criança deveria começar com os pais. Essa é a opinião do pedagogo Peter Struck, professor da Universidade de Hamburgo. Segundo ele, caso os pais se sintam sobrecarregados, a escola deve ajudá-los, "mas não assumir totalmente a tarefa que é deles".

Além disso, afirmou o sociólogo Klaus Hurrelmann, um curso desses só adiantará se a escola criar uma atmosfera propícia. "As regras precisam se estender por todas as aulas e durante os intervalos. Deve ficar claro que a escola é uma grande comunidade que depende delas."

Diante das críticas, o educador Karl Witte arrisca fazer um primeiro balanço de seu curso, inaugurado no mês passado. "Só a incrível ressonância já mostra que se trata de um tema importantíssimo. O debate não deve ser visto como uma declaração de falência do sistema educacional, mas sim como uma chance para renová-lo."

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