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25/11/2003 - 03h06

Em nove passos, entenda a dupla hélice

REINALDO JOSÉ LOPES
free-lance para a Folha de S.Paulo

Como qualquer outra área da ciência, a genética tem seu próprio vocabulário —um punhado de conceitos que ajudam a formar a base do conhecimento e entender o que está acontecendo naquele universo. Por sorte, não é preciso conhecimento avançado de matemática ou qualquer outro arcabouço teórico para se alfabetizar em genética, basta um mínimo de boa vontade. Qualquer livro de biologia do ensino médio traz esse abecedário, mas uma introdução ao tema que inclui alguns dos desdobramentos mais recentes e intrigantes do campo é "O DNA" (Publifolha, 105 págs., R$ 12,90), escrito por Marcelo Leite, editor de Ciência da Folha de S.Paulo. Além de explicar com bom grau de detalhe o funcionamento da dupla hélice, o livro traz um resumo da história da genética, das experiências de Mendel com ervilhas às aventuras de Watson e Crick.

Ainda na linha "história da genética", não dá para deixar de lado o próprio relato do biólogo americano James Watson, "The Double Helix" (Touchstone Books, 256 págs., R$ 55,72; há também uma edição portuguesa, da Editora Gradiva). Escrito depois de Watson e Crick terem levado o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962 graças à descoberta da estrutura do DNA, o texto adota um ponto de vista rigorosamente pessoal e até narcisista. Watson não poupa nem o colega de Nobel —"Nunca vi Francis Crick se comportar de forma modesta" é a primeira frase do livro. Quem estiver em busca de um relato mais sóbrio sobre esse marco da ciência deve apreciar "Watson e Crick: A História da Descoberta da Estrutura do DNA", de Ricardo Ferreira (Odysseus, 132 págs, R$ 22).

Entender os detalhes microscópicos do DNA é um bom começo, mas que tal dar um salto do mundo molecular para o dos seres vivos? Mestre em unir as duas pontas desse universo, o zoólogo britânico Richard Dawkins escreveu duas magníficas introduções que ajudam a explicar como coisas tão minúsculas quanto moléculas de DNA produzem de mastodontes a bactérias ao longo de bilhões de anos. Os livros em questão são "A Escalada do Monte Improvável" (Companhia das Letras, 372 págs., R$ 45) e "O Relojoeiro Cego" (Companhia das Letras, 496 págs., R$ 45,50). Dawkins é mestre em criar analogias saborosas para explicar os mecanismos da evolução —a mais impagável talvez seja a que ele propõe entre o mecanismo de cópia e correção do DNA e uma datilógrafa com um revólver apontado para a cabeça, que dispara a cada engano de digitação.

Genes de nada servem se não forem passados adiante, e os seres vivos desenvolveram um arsenal impressionante de estratégias para realizar essa tarefa primordial, alguns muito mais bizarros e evolutivamente importantes do que se imagina. Esse é o tema de "O Que É Sexo?" (Jorge Zahar, 220 págs., R$ 37), de Lynn Margulis e Dorion Sagan. A dupla explora com bom humor e até poesia os segredos da hereditariedade, dos relacionamentos entre humanos na era da internet ao "sexo" primordial das bactérias, e defende a teoria de que a fusão entre células diferentes ajudou a forjar os seres vivos complexos que existem hoje.

Depois de se abastecer com essa bem-vinda dose de conhecimentos básicos, já dá para começar a encarar as polêmicas que cercam a moderna genética e a biotecnologia derivada dela. Uma boa introdução à polêmica sobre os alimentos geneticamente modificados que vem dividindo o governo Lula é "Os Alimentos Transgênicos" (Publifolha, 90 págs., R$ 12,90), também de Marcelo Leite. Uma rápida folheada no livro, lançado em 2000, já deixa claro que o escopo da discussão pouco mudou nesses últimos três anos, apesar do que clamam tanto defensores como detratores dos transgênicos.

Mais controversa que o plantio ou não dos transgênicos, no entanto, é a prática da clonagem. Os interessados em medir os prós e os contras da prática e de entender as circunstâncias nas quais ela pode se tornar justificada devem apreciar "Clonagem: Fatos e Mitos" (Editora Moderna, 80 págs., R$ 16), da pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP. A autora estuda os fenômenos biológicos que, na maioria dos casos, fazem com que a clonagem seja um fracasso completo, mas defende que a técnica pode ter importante futuro terapêutico —não copiando seres humanos, mas ajudando a criar tecidos para transplantes, por exemplo.

Apesar de raramente trazer um conjunto organizado de informações, a internet ainda é um dos melhores lugares para acompanhar os últimos avanços da genômica —os esforços em grande escala para soletrar o DNA dos mais variados organismos, que ainda estão longe de terminar. Vale a pena dar uma olhada, por exemplo, no site oficial do governo americano para o Projeto Genoma Humano (www.genome.gov). A página conta com notícias e uma bem-aparelhada seção educacional para estudantes e professores interessados em genética. O site da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), por outro lado, traz informações ilustradas sobre os princípios da hereditariedade e das doenças genéticas (www.virtual.epm.br/cursos/genetica/genetica.htm).

A variabilidade genética, o combustível da evolução, também está presente, como era de se esperar, entre os membros da espécie Homo sapiens. Qual o significado disso para as diferenças que existem entre os muitos povos que formam a humanidade? O geneticista italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza tenta responder a essa pergunta em "Genes, Povos e Línguas" (Companhia das Letras, 304 págs., R$ 36). O resultado, para o pesquisador, deixa em maus lençóis os que ainda dizem existir base científica para o racismo: existem diferenças entre os grupos humanos, mas elas empalidecem diante da extraordinária unidade de uma jovem espécie com 100 mil anos de vida.

Finalmente, é hora de encarar os desdobramentos cada vez mais complexos, muitos deles trazidos pelo próprio Projeto Genoma Humano, que ameaçam mudar as bases do que os geneticistas consideraram fatos por décadas. É o que sugerem "O Século do Gene", de Evelyn Fox Keller (Crisálida, 208 págs., R$ 25), e "A Tripla Hélice", de Richard Lewontin (Companhia das Letras, 144 págs., R$ 27,50). Velho crítico do determinismo genético (a idéia de que o mero conteúdo do DNA responde pelo destino de pessoas e demais seres vivos), o biólogo Lewontin argumenta que as interações imprevisíveis entre gene, organismo e ambiente (as três hélices do título) são as verdadeiras responsáveis por fazer dos seres vivos o que eles são. Por sua vez, a física e historiadora da ciência Fox Keller revê a impressionante vitalidade do conceito de gene ao longo do século 20 e conclui que, afinal, a realidade quase nunca respondeu à idéia. Uma nova forma de pensar o desenvolvimento da vida, mais sistêmica e menos determinista, é uma necessidade cada vez maior, diz ela.

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