Folha Online sinapse  
27/04/2004 - 02h58

Saber ler, ver e ouvir

CLÁUDIA CROITOR
free-lance para a Folha de S.Paulo, do Rio

Foi-se o tempo em que sexo e violência ocupavam o primeiro lugar entre as preocupações dos educadores a respeito da relação das crianças e dos adolescentes com a mídia. Hoje a principal questão é bem mais ampla: o relacionamento dos jovens com o que recebem dos meios de comunicação, um dos temas tratados na 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, que ocorreu na semana passada, no Rio de Janeiro.

Publius Vergilius/Folha Imagem
O pesquisador Roberto Giannatelli, durante evento no Rio

"No passado, o fluxo de informação era mais facilmente controlado por editores, padres, pais e políticos. Com a distribuição digital, as pessoas conseguem passar por esses 'guardiões' e acessar diretamente a informação. Ao mesmo tempo que isso é bom, as crianças ainda precisam de orientação para usá-la estratégica e criativamente." A afirmação, da professora-assistente da Universidade de Austin, no Texas, Kathleen Tyner, que desenvolve programas de mídia e educação nos EUA, reflete a preocupação crescente entre educadores de como educar para a mídia.

Para trabalhar essa nova formação com estudantes de ensinos fundamental e médio, cada vez mais os educadores têm adotado a chamada educomunicação, que consiste, em poucas palavras, em fazer o próprio aluno produzir comunicação —aprender a fazer vídeos, jornais, programas de rádio, sites na internet—, para que ele possa, aprendendo como se faz, ser capaz de analisar e interagir de outra forma com o que vê, lê e ouve. "Sendo capaz de produzir, o aluno será capaz de ter uma visão mais crítica do que recebe", diz Ismar Oliveira Soares, coordenador do NCE (Núcleo de Comunicação e Educação), da USP.

"É preciso reconhecer o impacto negativo que o excesso de violência e sexo na mídia exerce sobre crianças e jovens, sem dúvida. Mas, mais que isso, é preciso que a criança possa desenvolver autonomia e espírito crítico e passe a dialogar com o que a mídia tem de bom", continua.

Soares coordena o projeto Educom.radio, uma parceria do NCE com a Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo, que atende a 450 escolas, promovendo workshops e oficinas para ensinar técnicas de produção de rádio a professores e alunos. Segundo Oliveira, no entanto, o objetivo de projetos como esse não é fazer do aluno um "pseudojornalista ou aprendiz-apresentador". "O objetivo é ensiná-lo a analisar sob os pontos de vista do poder econômico e ético, que produz os meios de comunicação, das 'montagens do discurso e da cena', que constroem as mensagens, e da audiência, que lhes dá sentido."

O projeto do NCE tem servido de modelo para outras iniciativas, mas há também propostas um pouco mais conservadoras, que defendem que a educação para a mídia se torne uma disciplina regular no currículo das escolas, como matemática ou geografia.

Essa é a idéia do pesquisador italiano Roberto Giannatelli, da Associação Italiana de Media Education. Participante do painel "Educação para a mídia - Passaporte para a cidadania na sociedade da informação", na cúpula mundial, ele elaborou uma proposta de implementação da disciplina "Educação para a mídia nas escolas", que ainda não foi aprovada pelo governo italiano.

"O governo só está interessado em fazer com que o aluno aprenda sobre a internet", diz. "A mídia como um todo é um elemento importante para entendermos nosso tempo. Os educadores para a mídia querem mostrar que esse meio deve ser visto como uma grande oportunidade de criar um senso de democracia, de promover a justiça social", diz Giannatelli. Para ele, ensinar nas escolas a lidar com a mídia é uma maneira de "capacitar o aluno a exercer sua cidadania". Na proposta, o programa de educação para a mídia, de três anos, inclui história da comunicação, semiótica, linguagem televisiva e análise de textos jornalísticos.

O colégio Santo Inácio, no Rio, é um dos que já desenvolvem atividades de educação para a mídia com seus alunos desde a pré-escola. O colégio promove o que chama de "TV no recreio", em que as crianças do pré à primeira série são convidadas e estimuladas —nada é obrigatório— a assistir vídeos infantis durante o intervalo das aulas e, depois, a comentá-los e discuti-los e a fazer atividades baseadas no que viram. "Fazemos um trabalho de educar o olhar. Não estamos ensinando que algo é certo ou errado", diz a professora Ana Paula Motta, uma das participantes do projeto.

A professora Kathleen Tyner, de Austin, defende que educar para a mídia "não é impor gostos particulares sobre a programação. O ideal é que cada um tenha capacidade crítica para aproveitar oportunidades e permitir uma melhor interação com a sociedade".

Para o pesquisador mexicano Guillermo Orozco, ligado à Unesco, o esforço educativo só será eficiente ao atingir crianças e adolescentes —e ensiná-las a ler, ver e ouvir a mídia— se partir de sua realidade, ou seja, "quando considerar os estudantes como audiência e quando usar uma pedagogia lúdica, que ao mesmo tempo os divirta e os eduque". "Acho que, na área de educação para a mídia, a aula não pode ser nem formal nem séria. Tem de ser divertida. E tem de ser algo seqüencial, com vários graus de complexidade", afirma.

Leia mais
  • Um manual para assistir à TV

  •      

    Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).