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27/04/2004 - 03h02

Como liderar estrelas

JULIO GOMES FILHO
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Madri

Craque, sério, mal-humorado, inteligente, autoritário, sorridente, líder, teimoso, sonhador, poderoso. Genial e genioso.

Todos os adjetivos acima são apenas alguns dos já usados para definir o argentino Jorge Valdano, 48. Ex-jogador de futebol, técnico e jornalista, hoje Valdano é mais conhecido por exercer o cargo de diretor esportivo do Real Madrid, clube mais vitorioso do futebol europeu, que conta atualmente com alguns dos maiores talentos do esporte e, por eles, arca com uma folha de pagamento estratosférica.

Desde que o presidente Florentino Pérez assumiu o clube, em 2000, e deu o cargo diretivo a Valdano, a dupla contratou os jogadores mais bem cotados do mercado: o português Luís Figo, o francês Zinedine Zidane, o brasileiro Ronaldo e o inglês David Beckham. São os conhecidos talentos "galácticos" do Real. Mas a vida do dirigente argentino não se resume a trazer craques e tomar decisões no Real Madrid. Valdano tem outra profissão, que exerce de forma simultânea.

Valdano, que foi campeão do mundo pela seleção argentina na Copa de 1986, é presidente e fundador de uma consultoria empresarial que tem escritórios na Espanha, no México e no Brasil. A Make a Team, como foi batizada em 1999, tem como objetivo passar ao mundo corporativo a experiência vivida por seus componentes nas carreiras esportivas. É o esporte usado como ferramenta de aprendizagem para bancos, companhias de seguro, de tecnologia e de telecomunicações e até agências governamentais.

Entre os esportistas envolvidos com a Make a Team, estão o ex-jogador Raí, presidente de honra da empresa no Brasil, e Andoni Zubizarreta, conhecido ex-goleiro da seleção espanhola, que trabalha na Espanha.

Eles dão seminários e participam de cursos em que suas vidas de atleta, suas experiências, suas lições e suas decisões tomadas durante um jogo são "traduzidas" para o mundo empresarial.

Além de liderança, talento e motivação são os principais tópicos das palestras que Jorge Valdano ministra para os clientes. Sobre motivação, o ex-jogador é categórico: "Sempre que me proponho a sonhar, aperto o acelerador. Sou uma pessoa inquieta, e isso me dá uma vantagem, porque todo dia aprendo algo novo". Para Valdano, o talento é algo que precisa ser priorizado em qualquer tipo de processo de seleção —e a experiência com o Real Madrid só tem a confirmar sua opinião. "Encontrar a pessoa certa para o lugar certo resolve 80% dos problemas. E o talento necessita de alguns alimentos: um lugar, confiança, liberdade, exigência e, é claro, outros talentos ao lado. É assim que se arma uma equipe, seja ela esportiva ou empresarial."

Valdano se diz uma pessoa que faz os "comandados" participarem muito do desenvolvimento da própria equipe. E acredita que o bem-estar e a satisfação no trabalho são parte de um pilar fundamental "para que qualquer time consiga atingir o sucesso".

"Nas equipes em que eu jogava, o líder era o [atacante espanhol] Emilio Butrageño ou o [Diego] Maradona. Mas, com certeza, no cumprimento da minha função, eu me sentia muito importante. Até aqueles que ocupam lugares secundários têm de se sentir importantes. A grande tarefa do líder é fazer com que o talento de cada um de seus colegas de equipe se ajuste a um determinado tipo de atividade", explica.

Segundo Valdano, o ideal é que uma equipe esteja formada por gente que seja capaz de liderar a si própria. "Na Make a Team, não acreditamos nos rebanhos, acreditamos em gente diferente e que termina sendo complementar e enriquecendo o desenvolvimento do grupo."

Isso tudo leva a um outro aspecto: até que ponto é possível dar liberdade e garantir que uma equipe funcione? É preciso, segundo o empresário, encontrar a proporção justa entre disciplina e autonomia e, por isso, "é muito importante ser um especialista em cada uma das pessoas que estão na equipe". No entanto, Valdano acredita que, quanto mais talento tem uma pessoa, mais liberdade ela merece.

Tais idéias são das mais exploradas pelo empresário e por outro sócio-fundador da Make a Team, o espanhol Juan Mateo, no livro "Liderazgo" (Liderança). Segundo eles, a visão "humanista" é essencial para o desenvolvimento de uma equipe, seja no esporte ou no mundo empresarial. A idéia de que todos são iguais não é adequada. Os conhecidos "galácticos", por exemplo, não podem ser tratados da mesma maneira, segundo Valdano. "O Ronaldo não é igual ao Beckham. Um vem do Brasil, é mais festivo, mais alegre, mais livre. Já o outro vem do mundo anglo-saxão, é mais sério. Cada um necessita de um discurso adaptado."

As teorias de Valdano e Mateo vêm convencendo outros empresários e rendendo frutos. O empreendimento faturou no ano passado E 8 milhões (aproximadamente R$ 29 milhões) e tem atualmente 102 clientes, como Santander, Telefónica, Xerox, IBM, Ericsson, HP e Avis.

"No mundo do esporte e no mundo das empresas, há um ponto comum, que são os seres humanos. As reações, as condutas e os fatores motivantes não mudam. A vantagem do esporte é somente que as coisas acontecem com gente muito jovem, de modo mais exagerado e mais atrativo", diz.

Apesar de ser um time cheio de estrelas, os talentos individuais nem sempre garantem a vitória da equipe. No caso do Real Madrid, que iniciou a temporada com em busca de três títulos —Copa dos Campeões, Campeonato Espanhol e Copa do Rei—, a coisa não anda boa. Ele já foi eliminado da Copa dos Campeões, seu maior objetivo. Não será campeão europeu e mundial neste ano por isso. Perdeu a decisão da Copa do Rei para o Zaragoza, um clube bem mais modesto. Ainda luta pelo título do Campeonato Espanhol, que seria agora uma espécie de "prêmio de consolação".

Leia mais
  • O time em primeiro lugar
  • Resiliência: um conceito em alta
  • Enquete: Que característica melhor define um talento?

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