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25/05/2004 - 02h50

Caminho das Pedras: O senhor dos jardins

Felipe Chaimovich
crítico da Folha de S.Paulo

Roberto Burle Marx (1909-1994) fez nossa paisagem moderna. Encontrou no jardinismo a expressão completa das múltiplas habilidades de pintor, escultor e botânico. Agiu politicamente como pioneiro da ecologia nacional.

Reprodução
"Retrato de Burle Marx" (1940), do modernista brasileiro Alberto da Veiga Guignard
Nascido em São Paulo, seu pai era alemão, e a mãe, brasileira de Pernambuco. A família mudou-se para o Rio de Janeiro em 1913.

A então capital federal fora recentemente reformada. O centro da cidade, antes teia de estreitas ruas coloniais, agora se ordenava em torno do bulevar da avenida Central (1904/08). Como na reforma de Paris, nos anos de 1850, implantava-se no Brasil o princípio urbanístico da cidade-jardim. A linha reta do trânsito era entremeada de verde e bancos para sentar e ver a vista.

O novo traçado urbano prolongava a política de ajardinamento iniciada pelo francês Auguste Glaziou (1833-1906). Como diretor de Parques e Jardins do Rio, construiu o campo de Santana, atual praça da República, e reformou o Passeio Público. Em ambos, adaptou plantas brasileiras ao traçado serpenteante das alamedas e às vistas pitorescas, compostas segundo os princípios do jardim inglês. Aceitou também encomendas de particulares, sendo a mais importante a Quinta da Boa Vista, residência de d. Pedro 2º.

Burle Marx continuaria o desenvolvimento paisagístico das capitais do Brasil. Couberam-lhe obras que hoje completam o jardinismo carioca: o aterro do Flamengo, os calçadões da avenida Atlântica. A mudança da capital federal para Brasília manteve a posição do artista: é de sua autoria o Eixo Monumental da cidade, com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Teve reconhecimento no exterior, executando parques públicos na cidade de Caracas (Venezuela). A aliança com os modernistas e com o governo garantiram-lhe hegemonia sobre o gosto das elites durante meio século, aplicado em residências, bancos e cidades inteiras a partir dos anos 30.

O amadurecimento do artista foi marcado pelo estudo de pintura na Alemanha, entre 1928 e 1929. Na terra paterna, Burle Marx descobriu as possibilidades compositivas da flora brasílica, enquanto desenhava numa estufa de plantas tropicais brasileiras do Jardim Botânico de Berlim.

De volta ao Brasil em 1930, o jovem ingressou no curso da Escola Nacional de Belas Artes. Lá conheceu Lúcio Costa, que o convidou para executar o primeiro jardim numa residência projetada por ele e Gregory Warchavchik, em 1932. Entre 1934 e 1937, Burle Marx foi diretor de Parques e Jardins de Recife, iniciando a prática urbanística.

Porém, a participação na obra de arte total dos modernistas viria em 1938. A primeira encomenda pública para o paisagista no Rio de Janeiro foram os jardins e terraços do Ministério da Educação e Saúde, colaborando com os arquitetos Affonso Reidy, Carlos Leão, Ernâni Vasconcelos Jorge Moreira, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, com o pintor e muralista Candido Portinari e com o escultor Bruno Giorgi. A integração do jardim no concerto das artes do edifício somava uma nova voz à reforma do gosto conservador.

"O jardim foi uma maneira de organizar e compor minhas obras pictóricas utilizando materiais não convencionais", declarou certa vez o artista. "Posso, em grande parte, explicar essa evolução pelo choque que minha geração viveu, sob o impacto do cubismo e da arte abstrata."

Burle Marx introduziu a pintura moderna no desenho de jardins. Buscava as florações e os formatos mais variados para compor manchas abstratas. A colagem de canteiros coloridos reinterpretava, em termos da estética vanguardista, as vistas pitorescas dos jardins tradicionais, dos tempos de Glaziou. Em São Paulo, Burle Marx plantou seu legado no parque Ibirapuera (1953/54) e, em Belo Horizonte, no complexo da Pampulha (1942). Encomendas pelo país afora, somadas às do estrangeiro, espalharam suas obras por espaços públicos e privados.

Assim, os jardins brasileiros começaram a exibir as mais novas descobertas sobre nossa própria natureza, pois o paisagista Burle Marx era também pesquisador em botânica e colecionador da flora nacional. Como colaborador do Patrimônio Histórico, despertou a atenção para a necessidade de leis de preservação de ecossistemas nacionais. Foi membro do Conselho Federal de Cultura do Brasil a partir de 1966. Em 1976, discursou perante o Senado em defesa da politização do debate ecológico.

Felipe Chaimovich, 35, é crítico de arte da Folha de S.Paulo e professor de estética. É autor de "Iran do Espírito Santo" (Cosac & Naify)

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