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28/09/2004 - 03h16

10 aspectos da arte contemporânea

Cacilda Teixeira da Costa
especial para a Folha de S.Paulo

Em 1910, o russo Wassily Kandinsky pintou as primeiras aquarelas com signos e elementos gráficos que apenas sugeriam modelos figurativos, uma nova etapa no processo de desmanche da figura, que se iniciara com Pablo Picasso e Georges Braque, na criação do cubismo, por volta de 1907. Assim, a abstração, uma representação não-figurativa —que não apresenta figuras reconhecíveis de imediato— tornou-se uma das questões essenciais da arte no século 20. Movimento dominante na década de 1950, a abstração pode ser conhecida também em livros como "Abstracionismo Geométrico e Informal", de Fernando Cocchiarale e Anna Bella Geiger (Funarte, 308 págs., esgotado).

A "arte concreta", expressão cunhada pelo holandês Theo van Doesburg em 1918, refere-se à pintura feita com linhas e ângulos retos, usando as três cores primárias (vermelho, amarelo e azul), além de três não-cores (preto, branco e cinza). No Brasil, o movimento ganhou densidade e especificidade própria, sobretudo no Rio e em São Paulo, onde se formaram, respectivamente, os grupos Frente e Ruptura. Waldemar Cordeiro, artista, crítico e teórico, liderou um grupo com o objetivo de integrar a arte a aspectos sociais como o desenho industrial, a publicidade, o paisagismo e o urbanismo. Para saber mais, consulte o site do Itaú Cultural (www.itaucultural.org.br) e o livro de Helouise Costa "Waldemar Cordeiro e a Fotografia" (Cosac & Naify, 78 págs., R$ 37).

O grupo Neoconcreto teve origem no Rio de Janeiro e teve curta duração, de 1959 a 1963. Ele surgiu como conseqüência de uma divergência entre concretistas do Rio e de São Paulo. Em 1959, Ferreira Gullar publicou um manifesto onde as diferenças entre os grupos são explicitadas, e a ruptura se consolidou, gerando um movimento brasileiro de alcance internacional. Entre os artistas mais conhecidos estão Hélio Oiticica e Lygia Clark, além do próprio Gullar. Três excelentes introduções são "Etapas da Arte Contemporânea" (Revan, 304 págs., R$ 48), de Gullar, "Neoconcretismo" (Cosac & Naify, 110 págs., R$ 59,50), de Ronaldo Brito, e "Hélio Oiticica Qual É o Parangolé?" (Rocco, 144 págs., R$ 24,50), de Waly Salomão.

A aparição da pop art (ou novas figurações), na Nova York do final dos anos 50, foi surpreendente. Longe de ser uma representação realista dos objetos, ela enfocava o imaginário popular no cotidiano da classe média urbana e mostrava a interação do homem com a sociedade. Por isso, tomava temas de revistas em quadrinhos, bandeiras, embalagens de produtos, itens de uso cotidiano e fotografias. No Brasil, interagiu com a política e teve em Wesley Duke Lee, Antonio Dias, Nelson Leirner, Rubens Gerchman e Carlos Vergara seus expoentes. O site da Tate Gallery (www.tate.org.uk) traz bons exemplos internacionais.

A arte conceitual trabalha os estratos mais profundos do conhecimento, até então apenas acessíveis ao pensamento. Nascida no final dos anos 1960, ela rejeita todos os códigos anteriores. No Brasil, o movimento conceitual coincidiu com a ditadura militar (1964-1985), e a contingência lhe deu um sentido diferente da atitude auto-referencial, comum nos outros países. Um dos artistas brasileiros mais ligados ao conceitual é Cildo Meireles, cujo trabalho foi estudado pelo crítico e curador americano Dan Cameron, em livro que leva o nome do artista (Cosac & Naify, 160 págs., esgotado). "Poéticas do Processo: Arte Conceitual no Museu" (MAC-USP/Iluminuras, 197 págs., R$ 33,60), de Cristina Freire, traz visões mais gerais do movimento.

A presença do objeto na arte começa nas "assemblages" cubistas de Picasso, nas invenções de Marcel Duchamp e nos "objets trouvés" (objetos encontrados) surrealistas. Em 1913, Duchamp instalou uma roda de bicicleta sobre uma banqueta de cozinha, abrindo a rota para o desenvolvimento dessa nova categoria das artes plásticas. Hoje em dia, os "ready-mades" —obras que se utilizam de objetos prontos— já se tornaram clássicos na arte contemporânea. Por aqui, a essas experiências começaram a ser realizadas somente nos anos 60, com os neoconcretos e neofigurativos.

As instalações se caracterizam por tensões que se estabelecem entre as diversas peças que as compõem e pela relação entre estas e as características do lugar onde se inserem. Uma única instalação pode incluir performance, objeto e vídeo, estabelecendo uma interação entre eles. O deslocamento do observador nesse espaço denso é necessário para o contato com a obra, e é assim que a noção de um espaço que exige um tempo passa a ser também material da arte. Para um passeio virtual, visite o site do Museu de Arte Contemporânea (www.mac.usp.br).

Na forma como o compreendemos hoje, o "happening" surgiu em Nova York na década de 1960, em um momento em que os artistas tentavam romper as fronteiras entre a arte e a vida. Sua criação deve-se inicialmente a Allan Kaprow, que realizou a maioria de suas ações procurando, a partir de uma combinação entre "assemblages", ambientes e a introdução de outros elementos inesperados, criar impacto e levar as pessoas a tomar consciência de seu espaço, de seu corpo e de sua realidade. Os primeiros "happenings" brasileiros foram realizados por artistas ligados ao pop, como o pioneiro "O Grande Espetáculo das Artes", de Wesley Duke Lee, em 1963.

Da integração entre o "happening" e a arte conceitual, nasceu na década de 1970 a performance, que se pode realizar com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas, acontecer apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões, realizando-se com ou sem um roteiro, improvisada na hora ou ensaiada durante meses. O precursor das performances no Brasil foi Flávio de Carvalho, que, em 1931, realizou sua "Experiência Número 2", caminhando em meio a uma procissão de Corpus Christi, em sentido contrário ao do cortejo e vestindo um boné. Sobre o artista, ver "Flávio de Carvalho" de Luiz Camillo Osório (Cosac & Naify, 120 págs., R$ 59,50).

De difícil veiculação pela TV comercial, a videoarte tem sido divulgada pelo circuito tradicional das galerias e museus. Além dos pioneiros, Wolf Vostell e Nam June Paik, destacaram-se inicialmente as pesquisas de Peter Campus, John Sanborn, Gary Hill e Bill Viola, que tem um bom site (www.billviola.com). No Brasil, as primeiras experiências foram realizadas nos anos 1970 e apresentadas por artistas como Anabela Geiger, Sonia Andrade e José Roberto Aguilar.

Exposições recomendadas: "Sonhando de Olhos Abertos", 274 obras dadaístas e surrealistas (Instituto Tomie Ohtake, até 29/11), 26ª Bienal de Artes São Paulo (parque Ibirapuera, até 19/12) e "Fragmentos e Souvenirs Paulistanos Vol. I" (Galeria Luisa Strina, até 22/10), todas em São Paulo.

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