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26/10/2004 - 02h58

Na ciência, a história se repete

Vinícius Queiroz Galvão
free-lance para a Folha de S.Paulo

Apesar de serem maioria nos cursos de graduação (em 2003 foram 63,6% do total de formandos que fizeram o Provão) e do expressivo crescimento no número de bolsas de mestrado e de iniciação científica, as mulheres são minoria em cargos de direção de centros e institutos de pesquisa ou de gestão de política científica e tecnológica no Brasil.

Ao dar posse ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, em setembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a instituição de "clube do Bolinha", criticando o fato de haver, à época, apenas uma mulher -Wrana Maria Panizzi, 56, reitora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e então presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior)- entre os seus integrantes.

Hoje a composição continua a mesma: saiu Panizzi e entrou Ana Lúcia Almeida Gazzola, reitora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) para o mesmo cargo, de representante de entidades nacionais dos setores de ensino e pesquisa, ciência e tecnologia. Todos os 12 membros permanentes e oito designados do conselho, cargos mais importantes, são homens.

"Não foi citado o nome de uma mulher, o que é uma coisa que vamos ter de reparar daqui para a frente. A não ser que se prove que não há mulher cientista", disse Lula, dirigindo-se ao então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral. O próprio Ministério da Ciência e Tecnologia, hoje ocupado por Eduardo Campos, nunca teve uma ministra à sua frente.

Das 22 instituições científicas ligadas ao MCT, apenas uma, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na UFPA (Universidade Federal do Pará), tem uma mulher como diretora, a antropóloga Ana Rita Alves, 54. A Academia Brasileira de Ciências, por exemplo, tem cerca de 10% de mulheres entre seus membros, pouco mais do que nos Estados Unidos, onde a presença feminina gira em torno de 7,5%.

Nos órgãos regionais, as mulheres também não aparecem. Na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) não há mulheres nos cargos de direção. Há um presidente, três diretores e 12 membros no conselho deliberativo, todos homens. A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), fundada em 1949, já teve 27 presidentes -apenas duas mulheres.

As mulheres brasileiras entraram no século 20 analfabetas e terminaram o século com escolaridade maior do que a dos homens. "Mas, a despeito do crescimento expressivo do número de mulheres com formação universitária no país, a participação feminina na produção científica ainda está aquém de sua presença na universidade", avalia Hildete Pereira de Melo, pesquisadora da UFF (Universidade Federal Fluminense), que fez um estudo sobre o assunto.

Mas, se depender dos números do ensino superior, a situação poderá ser revertida em breve. Segundo o CNPq, desde 1995 as mulheres já são maioria nas concessões de bolsas de iniciação científica (52,8%) e, desde 1998, nas de mestrado (52,1%). No doutorado, no entanto, ainda são os homens que dominam: além de o número de concessões ser maior para eles, tal realidade se manteve inalterada ao longo de toda a década de 90, com 69,5% de bolsas.

"A menor presença feminina nessas bolsas pode ser explicada pela inserção tardia das mulheres no sistema, mas o fato de as mulheres serem maioria nas universidades e nas bolsas de iniciação científica e de mestrado faz supor que, no futuro, a participação feminina na carreira científica em todos os níveis será alterada", diz Hildete de Melo.

Para Elizabeth Balbachevsky, 46, especialista em políticas de ciência e tecnologia e professora do Departamento de Ciência Política da USP, o fato de as mulheres serem minoria na direção e na coordenação de grandes centros de pesquisa tem de ser visto com cuidado. Ela não credita a presença maior de homens na direção de órgãos de fomento ao preconceito, mas concorda que o fato de haver um número menor de mulheres empobrece o grupo de pesquisa. "Quando um grupo social é menos representado sempre há perdas, por exemplo quanto à diversidade", completa.

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, 62, acredita que o quadro está mudando. Ele afirma ainda que não se justifica mais o fato de não haver mulheres no comando da ciência e que não vê nisso má vontade política, e sim "conservadorismo".

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