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Crítica - Drama

Atrizes duelam sobre a culpa em 'Prenda-me'

Sophie Marceau faz o papel da mulher que deseja confessar um assassinato à policial interpretada por Miou-Miou

LEMBRA RITMO DE TEATRO. ÀS VEZES, PARECE QUE O ROTEIRO ANDA EM CÍRCULOS, NUMA CIRANDA QUE SUFOCA

DE SÃO PAULO

Não foi suicídio. Foi assassinato. A nova versão da morte do homem ocorrida há dez anos sai da confissão da mulher que chega à delegacia. É noite, e a policial de plantão não quer prendê-la. Mas ela insiste. Está determinada a ir imediatamente para a cadeia pelo crime.

Por anos ela, uma funcionária dos correios, viveu uma rotina de violência. Intempestivo e estúpido, o marido batia nela o tempo todo; tinha feito agressão até com um garfo. Marcas ainda estavam no seu corpo.

A policial conhece o roteiro dessas histórias; só quer entender por que ela resolveu contar tudo agora.

Assim, Jean-Paul Lilienfeld constrói o longa francês "Prenda-me". A conversa entre a mulher (sem nome) e a policial Pontoise vai noite adentro e ancora a trama, mostrando as memórias em flashback. Nessas cenas, a câmera é colocada na perspectiva da vítima das agressões.

O filme é inspirado no livro de Jean Teulé, em que, originalmente, a personagem policial era um homem. Na fita, a tensão entre as duas mulheres traz diálogos perturbadores e inusitados. A mulher não sabe dizer se foi estuprada pelo marido, embora relate que era forçada a fazer sexo com ele. A policial se irrita: não há dúvida de que houve crime sexual.

Pontoise tenta obrigar a mulher a ir embora, virar a página. Já se passou uma década e ela cometeu o "crime perfeito", define a policial: sem gerar suspeitas, eliminou o marido troglodita. Ela é, afinal, vítima ou criminosa?

Nessa dicotomia, as personagens vão se construindo. A mulher (interpretada por Sophie Marceau) conta que faz boas ações, mas também comete pequenos delitos: ajuda e engana clientes.

A policial (Miou-Miou) rememora façanhas e remexe em mentiras e arrependimentos. Bebe um coquetel de álcool e remédios. A mulher só quer se entregar --e rápido, pois o caso pode caducar em minutos.

Ambas vão expondo cicatrizes e um passado de violência masculina. Há solidariedade entre elas? Há muito confronto, um desenrolar que lembra um ritmo de teatro. Às vezes, parece que o roteiro anda em círculos, numa ciranda que sufoca.

Mas logo há mais conflito. Numa cena desconcertante, a policial leva a mulher para ver as condições da carceragem, numa tentativa de convencê-la a desistir da prisão. Lá, os presos estão num bizarro entrevero usando capacetes. Usam o equipamento para não se ferirem --afinal, o Estado precisa preservar a vida dos detentos.

A tensão sobe. Cada vez fica mais evidente a importância crucial de um personagem quase oculto --o filho adolescente da mulher, que se encaminha para reproduzir o comportamento repulsivo do pai. De geração em geração, o machismo e a violência teimosamente se repetem.

Apesar dos avanços femininos, não é outra a explicação para a bruta realidade. No Brasil da Lei Maria da Penha, ainda a cada hora e meia uma mulher morre vítima de violência masculina.

Nas entrelinhas desse contexto, o dilema do enredo de "Prenda-me" trabalha ambiguidades e deixa a plateia perplexa. Criminosa ou vítima, a mulher só não quer ser mártir.


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