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entrevista - francis collins

Houve excesso de otimismo com o DNA, diz líder do Projeto Genoma

Francis Collins, que comanda os institutos nacionais de saúde dos EUA e verba de US$ 30,1 bilhões, diz que a revolução genômica está a caminho

MARCELO LEITE DE SÃO PAULO

O médico Francis S. Collins, 64, tornou-se uma celebridade em 26 de junho de 2000, quando anunciou, ao lado do presidente Bill Clinton, a decifração do genoma humano. Hoje ele dirige os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que investem US$ 30,1 bilhões ao ano em pesquisa biomédica.

Em visita ao Brasil para um congresso de biologia molecular em Foz do Iguaçu e para anunciar um acordo com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Collins admite que houve exagero no otimismo com a revolução que o DNA levaria à medicina.

Reitera, contudo, que ela ainda virá, nos próximos dez anos, na forma de medicamentos projetados sob medida com base nas raras diferenças entre o código genético do paciente e o "manual de instruções" da espécie.

Folha - O Projeto Genoma Humano já tem mais de uma década. Ele ocasionou a revolução na medicina com que sua conclusão foi associada?
Francis Collins - O projeto certamente ocasionou uma revolução notável na pesquisa biomédica. É inquestionável.
A revolução na prática médica, sempre soubemos, demoraria mais. Uma coisa é ter 3 bilhões de letras do código de DNA diante de você e outra é tentar entender e descobrir como diferenças na soletração podem afetar sua saúde.
Pode ter havido algumas predições excessivamente otimistas sobre a velocidade com que a informação genômica transformaria a prática da medicina. Eu tentei não fazer essas predições.
Houve alguns avanços importantes. Por exemplo: nas famílias em que há alta frequência de casos de câncer de mama ou de cólon, sabemos hoje identificar os indivíduos com risco maior, e isso nos põe na situação de salvar vidas, tomar medidas.
Se eu tivesse câncer, hoje, certamente iria querer ter o DNA do meu tumor analisado para ver quais são as mutações em funcionamento que estão fazendo células boas se tornarem más e causarem a malignidade, porque essa é a melhor forma de dizer qual vai ser o prognóstico e, mais importante, de definir a melhor opção de terapia.
Enfim, estamos avançando, mas, para a maior parte das pessoas que vão ao médico tratar uma doença ou obter informação para permanecer saudável, a revolução genômica ainda não chegou.
Parte disso é por causa da questão do custo. Mas está baixando rápido. Chegaremos até o final de 2014 ao mítico genoma de mil dólares.

Se tivesse de destacar um tratamento que resultou do genoma, qual seria?
Eu poderia citar uma droga chamada crizotinib, que foi aprovada em tempo recorde para o tratamento de câncer de pulmão. Se você é um paciente que tem uma alteração específica num gene chamado ALK, o crizotinib vai lhe dar, em lugar do que seria provavelmente uma doença fatal rápida, uma significativa extensão de vida, talvez até uma cura. Mas essa é só uma droga, há uma lista com várias dúzias delas.

E nos próximos dez anos, qual será o resultado mais provável da informação genômica, novos fármacos ou informação pessoal para o indivíduo adequar seu estilo de vida?
As duas coisas acontecerão em paralelo. Os NIH lançaram uma iniciativa muito ousada com dez empresas, a Parceria para Aceleração de Medicamentos, com foco no mal de Alzheimer, em diabetes, artrite reumatoide e lúpus, para usar informação derivada do genoma que lança luz sobre as vias metabólicas envolvidas nessas doenças, para desenvolver novos fármacos. Não é uma colheita de curto prazo, mas esperamos que leve a toda uma nova geração de medicamentos.

A indústria farmacêutica tem dificuldades em encontrar novas vias para desenvolver medicamentos. Estamos vivendo uma crise farmacológica?
Não é uma crise, mas certamente não é uma situação ótima. Considerando a taxa de sucesso das companhias que estão tentando desenvolver novos fármacos para uma série de doenças, está na realidade piorando a chance de atravessar todo o processo e conseguir aprovação. É um paradoxo, considerando que, cientificamente, estamos aprendendo tanto.

Havia a expectativa de que, como a informação genômica, surgiriam novos alvos.
A taxa de fracasso é horrenda. Cada vez trabalhamos mais com a indústria, de uma maneira que é boa para a ciência e é boa para o público. Criei um novo centro nos NIH, o Centro para o Avanço da Ciência Translacional, a fim de ter nos institutos um entroncamento para esse tipo de pensamento científico: quais são os gargalos que tornam tão difícil criar com sucesso um medicamento? Por que a taxa de fracasso é 99%?

Uma das coisas que o centro está fazendo é examinar um monte de ouro escondido nos freezers de companhias, medicamentos que falharam para uma aplicação, mas poderiam ser bem sucedidos para outra. No ponto em que se descobre o fracasso, a droga já consumiu milhões de investimento, só que não funcionou para aquela doença, por exemplo o câncer. Mas pode ser útil para diabetes, ou esquizofrenia.
Um exemplo é a primeira droga contra o HIV, o AZT, que foi desenvolvido para câncer. Estava na prateleira.
Na primeira rodada, conseguimos a participação de oito empresas, que puseram à disposição 58 compostos. E cada um deles teve pelo menos um pesquisador interessado. Depois de revisar as propostas, escolhemos nove, dos quais um para alzheimer e dois para esquizofrenia.

Diz-se que o número de fraudes na pesquisa está crescendo. Qual é o seu grau de preocupação com o fenômeno?
Estou seguro de que fraudes --plágio, falsificação ou invenção de dados-- são eventos muito, muito raros. É algo devastador para o indivíduo que for apanhado.


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