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Marcelo Leite

Estreia constrangedora

Gerar um excesso de expectativa pode não ser a melhor maneira de iniciar um campeonato

A abertura da Copa do Mundo no Brasil, nesta quinta (12/6), conseguiu decepcionar até quem não esperava grande coisa dela. Não fossem Neymar e Oscar, teria sido decididamente vergonhosa.

O show de inauguração, sobre uma lona amarela e desbotada, foi de dar dó. Parecia escola de samba pobre, incapaz de encher a avenida e os olhos. Os figurinos de torcedores na arquibancada eram melhores que os dos dançarinos no gramado.

A luz do campo apagou várias vezes. Celulares não funcionaram. A plateia, muito mais branca que a seleção, mostrou algo da boçalidade brasileira oculta sob o verniz da alegria, ao apupar com palavrões a presidente Dilma Rousseff.

Para quem tem apreço por ciência, o pior foi assistir ao espetáculo canhestro do exoesqueleto do neurocientista Miguel Nicolelis. O que era para ser uma demonstração da excelência da pesquisa brasileira (na realidade, uma colaboração internacional com grande peso americano e japonês) deu chabu.

Não foi só o fato de a TV ter mostrado apenas meia dúzia de segundos do "experimento". Louve-se o fair play do jovem Juliano Alves Pinto, 29, que se arriscou a protagonizar um fiasco, mas ele não teria feito muito melhor figura se a Fifa tivesse honrado todos os 29 segundos prometidos à trupe de Nicolelis.

Para começar, houve a esfarrapada desculpa de que a exibição não seria feita no centro do campo por causa do peso do equipamento. A bola-flor de LED que se abriu para Claudia Leitte, J-Lo e Pitbull deve pesar várias vezes mais. Provavelmente algum manda-chuva do marketing avaliou que o risco era excessivo.

A indumentária do rapaz não ajudou. Seu macacão verde e amarelo era pavoroso. Estranhamente folgado, suscitou a suspeita de que seu propósito era esconder algo (cintas? ferragens?), e não exibir patriotismo.

O exoesqueleto estava ou não sustentado por um varal afixado a um carrinho de golfe com pelo menos três pessoas? Alves Pinto parecia estar mais suspenso do que apoiado sobre os pés da geringonça.

Mal se viu a perna robótica mexer. É certo que a bola a tocou e se moveu para a frente, na direção correta do garoto fantasiado de árbitro. Chamar aquilo de chute, porém, exige bem mais que boa vontade --fé ou militância, talvez.

Por fim, a ninguém do público se permitiu testemunhar como Juliano Pinto e o exoesqueleto chegaram ali. Estava sentado, levantou-se? O aparato não sugere graus de liberdade que permitam tal movimento.

Como informou esta Folha, a promessa original, bancada com R$ 33 milhões da Finep e reiterada três dias antes no site oficial www. copa2014.gov.br, era que um paraplégico, movimentando uma veste robótica controlada pela atividade cerebral, iria se levantar de uma cadeira de rodas, caminhar 25 metros e dar o primeiro chute da Copa.

O que se viu foi uma máquina enorme, com homem dependurado nela, dar um micropontapé e a bola rolar um ou dois metros.

Isso não é motivo suficiente, decerto, para crucificar Nicolelis. Seu projeto continua generoso, e nada do pouco que apresentou autoriza concluir que nunca chegará ao objetivo de dar autonomia a quem teve a medula seccionada pela má sorte.

Foi o bastante, porém, para todos perceberem que ainda vai demorar muito. E que gerar um excesso de expectativa pode não ser a melhor maneira de iniciar um campeonato.


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