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Nina Horta

Os reis da farofa em francês

Tudo se afrancesou no Brasil na República: do idioma à mesa, todos imitavam uma terra que não era a deles

Farofa, farinha, frigideira, frisada, frita, fritada, fúlvida, fundamental, fundadora farofa. Vamos deixá-la um pouco no livro do Dória e voltamos a ela na semana que vem. Há outros ensaios no livro, que não comentamos, muito interessantes.

Mas eis que chega a República totalmente afrancesada e, por um tempo, nos julgamos franceses. Os barões do café, do cacau, do açúcar, do isso aqui, isso acolá, confundem-se. Não enxergam mais o Brasil, eis que a França é aqui. "Comprava-se no Parc Royal, no Bon Marché", lia-se em francês, falava-se francês, até o nosso bom Portugal era esquecido. Que bando de jacus a imitar uma terra que não era deles.

Há um livro bonito, interessante, do qual já falei, de Lucia Garcia, pela editora Imprensa Oficial, com a coleção de cardápios de Olavo Bilac. (Uma inveja, era uma coleção pela qual me perderia, importante, não era bobo o poeta.)

Pois é, tinha tempo de colecioná-los, lindos, sedosos, caprichados. No Brasil os banquetes tiveram menus em francês e foram servidos à francesa. (Me comovo com os garçons, sempre iguais a espiarmos através dos tempos, com o mesmo uniforme e mesmas bandejas, atentos. Me parecem os mesmos, desde a chegada de Cabral.)

O banquete, escrito em francês, servido à francesa, começava pelos "hors d'oeuvres" colocados na mesa e continuava com uma levíssima sopa, a "potage". Logo depois dela o peixe. O "relevé de poisson" (badejo e robalo, os mais fiéis), geralmente com alcaparras. Depois o "rôti", prato principal. Eram as "côtelletes de mouton Villleroy", "aspics" de foie gras (o foie gras jamais era esquecido, os espertinhos),os "asperges sauce mousseline".

E as "entremets", sobremesas geladas e o "dessert", os doces e frutas propriamente ditos que espoucavam junto ao champanhe e os discursos.

E os reis da farofa comiam em francês até as velhas francesas cheias de "krankheit". Nada de crioulas. Na terra em que tudo dá só se comia aspargos e trufas, bisques, crevettes, galantines. (Tem cabimento?)

Acho bem interessante os intraduzíveis. Dou risada ao ver um inhambu apertado na gaiola francesa. Seriam considerados chiques ou não haveria palavrório francês para eles?

A canja vinha como canja mesmo, o inhambu trufado, a galantine de macuco, também trufada. A canja provavelmente também era de macuco ou inhambu. Muito sem criatividade os menus. Comia-se sempre a mesma coisa e, lendo-se os cardápios do Itamaraty de hoje, continuamos com os jambon de York, as vitelas, o roast beef.

Mas, apesar da falta de inventividade, o peru, "dindonneau", era sempre recheado à brasileira (acho que era lá que se escondia a farofa), quando não eram "farci aux marrons". Muita lebre e muita perdiz e um bijupirá à la tartar, perdido no meio dos linguados.

Chartreuse de inhambu à la Perigord era comum. E havia o footing nas ruas, as confeitarias, o sorvete e o chá. Cada vez mais a elite se afastava da farofa, afinal estavam no Brasil por acaso.

Não faltavam os que se riam de nossa estrangeirice. Devagar com a louça, imploravam eles! Hoje, devido a chefs denodados e escritores preocupados, parece que estamos dando um passo verdadeiro para nos orgulharmos dos extintos macucos.

ninahorta@uol.com.br

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ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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