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Entrevista Leda Paulani

Cidade tem que deixar de ser guiada por setor imobiliário

Secretária de planejamento diz que prefeitura tem de exercer seu papel de ordenar o crescimento urbano em SP

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

O conflito na reintegração de posse na área conhecida como "Pinheirinho 2", em São Paulo, é um episódio paradigmático do desenvolvimento urbano pautado pela lógica mercantil, cuja finalidade última não é o ser humano. As sentenças judiciais de desocupação deveriam levar em conta também a função social da propriedade.

A visão é da secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão da cidade, Leda Maria Paulani, 58. Para ela, economista marxista, "se o Estado não entra para reequilibrar o jogo, é um desastre".

Nesta entrevista, ela afirma que a força do capital em São Paulo construiu espaços privados e deixou o interesse público de lado. Daí decorrem os problemas da megalópole, onde convivem a riqueza suntuosa e a pobreza aviltante. A cidade tem um "deficit de urbanidade", diz.

Anteontem, a reintegração de posse no "Pinheirinho 2" foi suspensa pela Justiça após horas de tensão entre a PM e os ocupantes da área.

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Pinheirinho 2

É um episódio paradigmático de uma situação em que o desenvolvimento urbano e a relação com a propriedade da terra se deram de forma desordenada e sem participação ativa do poder público.

Os processos que são comandados pela lógica mercantil são muito poderosos e vão levando de roldão as coisas. Isso fica visível no preço dos imóveis de três anos para cá, que subiram muitíssimo além do que qualquer alteração monetária justificaria.

Sentenças judiciais

Têm sido pautadas pelos interesses privados e por uma leitura estrita dos direitos de propriedade. Se fosse levada em conta a função social da propriedade, que está na Constituição, talvez algumas dessas sentenças tivessem outro teor. A sociedade brasileira é patrimonial; a propriedade é cláusula pétrea da sociabilidade brasileira.

Se o Judiciário quisesse de fato fazer valer o que está na Constituição, não poderia jamais ter dado uma sentença dessas [Pinheirinho 2]. A terra está com essas famílias há quanto tempo? O que o proprietário fez? Nada. Se não se aplicar aí a função social da propriedade vai aplicar onde?

Especulação

A invasão de certa forma ajuda [a especulação] porque quase que impõe uma desapropriação. O proprietário está errado, fez algo ilegal? Não. Mas é um comportamento especulativo. As pessoas acabaram até ajudando o jogo.

A lógica mercantil é uma lógica em si mesma. A finalidade última dela não é o ser humano. Marx foi quem mais claramente colocou isso. Se o Estado não entra para reequilibrar o jogo, é um desastre.

Ação da prefeitura

A prefeitura vai fazer o possível e impossível para resolver isso de uma forma civilizada, ver como manter essas famílias até construir moradias decentes.

Setor imobiliário

Sua força impositiva é inversamente proporcional à força do poder público municipal em seu papel de ordenar o crescimento urbano.

Está na hora de o poder municipal começar a exercer seu papel de ordenador, pautando o setor imobiliário, em vez de ser pautado por ele.

Prioridade

O maior desafio é fazer de São Paulo uma verdadeira cidade. Há um tremendo deficit de urbanidade em São Paulo.

A força do capital por aqui foi construindo espaços privados contíguos e não espaço público, que é onde a cidade de fato existe. Seus principais problemas decorrem disso.

O crescimento explosivo da cidade produziu essa concretude estonteante e contraditória de riqueza suntuosa e pobreza aviltante, de civilização e barbárie. Esse processo insano foi puxado em boa medida pela lógica da valorização capitalista. E também pelo espírito da época, o qual tornou Estado e planejamento palavras proscritas.

Rumos da prefeitura

[É preciso] melhorar a cidade e mudar seu eixo numa direção menos opressiva, de mais liberdade e generosidade.

A Prefeitura de São Paulo é hoje progressista e protossocialista. [É preciso] sanar, ou ao menos reduzir o deficit de urbanidade que aflige a cidade, diminuindo desigualdades e ampliando direitos.

E a redução da desigualdade não passa apenas pela redução da desigualdade de renda. É também redução de desigualdade espacial, de mobilidade, de participação, de acesso a emprego, a cultura, a serviços de qualidade.

O que vai mal

É a falta de recursos. O Orçamento aprovado ao final de dezembro superestimou a receita, criando despesas que não poderiam existir, e deixou despesas importantes de fora, como a despesa com o subsídio à tarifa do transporte público, que foi orçada a menor, e os recursos necessários para as obras da Copa.

Principal problema

No curto prazo, a principal dificuldade são as restrições orçamentária e financeira. Mas existe um problema de fundo, que é a desestruturação enorme dos recursos humanos da prefeitura.

Há carreiras bem estruturadas, como as de auditor tributário, procurador, magistério. O restante é muito complicado. Apesar dos concursos, os bons quadros acabam não ficando na prefeitura. Por exemplo: engenheiro tem salário inicial de R$ 3.000,00, absolutamente insuficiente para reter bom profissional.

Transporte público

Em grandes centros urbanos como São Paulo tem que ser subsidiado e não há recursos suficientes. Há décadas os subsídios vêm sendo dados de forma invertida, incentivando-se o transporte individual e desestimulando-se o transporte público.

Lixo e varrição

Os contratos atuais estão sendo renegociados e o modelo de gestão também pode ser alterado.

Orçamento participativo

A participação é uma questão de grande peso na atual gestão. Na gestão Marta, fizemos o Orçamento participativo tradicional. Esse modelo está sendo repensado, devendo-se levar em conta hoje a realidade das subprefeituras e a existência de outros órgãos de participação, como o recém-criado Conselho da Cidade, o conselho de representantes das subprefeituras e os vários conselhos específicos, além da possibilidade de reeditarmos as conferências municipais (de saúde, educação etc).

Orçamento e democracia

O crescimento da participação social sempre suscita a discussão sobre os limites da democracia representativa.

Ao contrário do que pensam alguns, essa sorte de democracia direta está longe de diminuir o poder da democracia representativa. Com maior conscientização e participação popular, ganham todos os níveis e todos os poderes de governo. Quem perde é apenas a velha política, que deve mesmo ser enfraquecida.

Avanço menor do PIB

A crise do final de 2008 faz sentir até hoje seu impacto, mas não explica tudo.

De meados dos anos 1990 até meados dos anos 2000, incluindo-se aí a primeira gestão Lula, o governo federal praticou uma política neoliberal, afinada com os interesses financeiros e rentistas. Isto implicou um par câmbio/juros em tudo avesso ao crescimento industrial e ao aumento do investimento. Quando a política interna começa a mudar, na segunda gestão Lula, se choca com a crise mundial. A reação interna foi rápida e deu resultados no curto prazo, que não foram sustentáveis.

Depois de mais de uma década vivendo sob uma política anti-indústria não é de estranhar que o investimento, principal variável a determinar o comportamento do PIB, demore tanto a reagir.

Estratégias para o país

A estratégia escolhida nem sempre foi acertada. Se, em vez de despender tantos recursos com incentivo ao consumo e desoneração fiscal, o governo tivesse revertido tudo isso num amplo programa de investimentos públicos, os resultados seriam melhores.

Por aqui, investimento privado só reage quando puxado pelos investimentos públicos. Sustentar crescimento na ampliação do consumo e o consumo na ampliação do crédito é tentar fazer a roda da macroeconomia girar ao contrário.


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