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Cotidiano

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Para pediatra, profissão sofre com a falta de vínculos

Médico diz que muitos atendimentos fazem profissionais se distanciarem dos pacientes

Pediatra fala sobre dificuldades da profissão com ligações de pais preocupados e baixa remuneração

CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO

Plantões superlotados, consultas mal pagas, pais estressados que ligam na madrugada ou que não aparecem no consultório médico.

Essas e outras situações levaram o médico Cláudio Galvão de Castro Junior, 45, a desistir da pediatria geral e passar a exercer a hematologia e a oncologia pediátrica.

"Como estabelecer vínculo com o paciente dessa maneira?", diz ele, que atende no Hospital Albert Einstein.

A seguir trechos do seu depoimento.

Decidi fazer pediatria depois de passar por um estágio no Emílio Ribas durante a epidemia de Aids no início dos anos 90. Comecei a aprender o valor do vínculo entre o médico e o paciente.

Meu pediatra tinha sido pediatra da minha mãe e depois foi da minha filha. Clinicou até os 80 anos.

Exerci a pediatria-geral do início da residência em 1992 até o final de 1998. Depois, passei a me dedicar exclusivamente à oncologia pediátrica, ao transplante de medula óssea, e à hematologia.

Mesmo com o convívio diário com situações limítrofes, com a morte, ainda acho que tenho uma qualidade de vida melhor que nos tempos de pediatria-geral.

Os plantões nos prontos-socorros são um capítulo à parte. Lembro de ter atendido cem pacientes em um plantão de 24 horas.

Uma vez, havia uma centena de pessoas esperando em grandes bancos que ficavam defronte a uma mesa onde dois pediatras atendiam. Por algum motivo, dirigi meu olhar a uma mãe com um menino de uns dez anos no colo.

Estranhei uma criança tão grande estar no colo e perguntei para a mãe se ele era sempre assim. Ela disse que não, que era uma criança normal mas que naquela manhã acordara com febre. Olhei para a pele e vi manchas, chamadas de petéquias e comuns em quadros de meningococemia, um quadro gravíssimo.

Mandei-o direto para a sala de emergência. Caso a atendesse na ordem de chegada, talvez não tivesse sobrevivido.

Os pediatras, assim como qualquer médico em prontos-socorros, lidam com uma população estressada. Quantas e quantas vezes não fui ofendido ou ameaçado? Colegas meus já foram até agredidos.

No sistema privado, muitos pediatras são reféns do telefone. Certa vez fui jantar com um colega pediatra. O jantar de duas horas, num sábado, foi interrompido 8 vezes, por ligações de diferentes mães.

Por isso, alguns colegas recusam-se terminantemente a atender em consultórios, trabalhando apenas em prontos-socorros e UTIs.

No começo da carreira, tinha um consultório misto, que atendia pacientes tanto pediátricos quanto oncológicos. Ao contrário do que eu poderia supor, as mães das crianças que não tinham câncer ligavam muito mais do que outras, com filhos lutando contra o câncer.

A explicação talvez seja o vínculo formado com os pacientes com câncer.

Esse foi um dos principais fatores para desistir da pediatria-geral: a falta de vínculo, que fica dificultada nesse modelo de atendimento.

Lembro-me que muitos pais levavam os filhos a uma consulta e depois desapareciam, ou marcam consulta e nem ligam para desmarcar.

Sem contar que, pelo o que os planos pagam hoje por consulta, R$ 30, R$ 40, muitos pediatras precisam fazer volume para continuar com o consultório aberto. É uma consulta atrás da outra, às vezes com menos de dez minutos. Como criar vínculo?

Infelizmente, quem quiser ser pediatra hoje e ter um consultório particular deve esperar: baixa remuneração, ligações em qualquer dia e hora, 365 dias por ano, pais e mães cada vez mais ansiosos, ficando com menos tempo com os filhos, hospitais sem leitos em número adequado (pediatria dá pouco lucro ou até prejuízo!) e plantões estressantes.

A pediatria-geral tem de ser defendida e valorizada. Uma das coisas mais gratificantes, a relação médico-paciente e familiares, está se perdendo no atual modelo de atendimento.


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