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BBB da Rocinha

Enquanto são vigiados, PMs monitoram 24 horas por dia tudo que acontece na favela carioca... até jogo de baralho

MARCO ANTÔNIO MARTINS DO RIO

De bermuda, boné azul e sem camisa, um homem distribui cartas de um baralho a outros três, sentados à mesa numa das entradas da favela da Rocinha, zona sul do Rio.

Atento ao jogo, ele toma um gole de cerveja enquanto estuda a melhor jogada, tentando esconder seus trunfos.

Não imagina que, a quase um quilômetro dali, quatro policiais militares observam atentamente todos os seus movimentos -e veem, com nitidez, as cartas que ele esconde dos adversários.

"Fica de olho nele. Deve ter dinheiro. Foi preso assim semana passada", diz um PM.

"Ainda não vi dinheiro", responde outro.

"Atenção aí, soldado. Se tem música, tem bebida. Se tem bebida, tem droga", alerta um terceiro.

Os PMs estão de plantão em um antigo sobrado no meio da Rocinha. De lá monitoram 12 telas que exibem imagens captadas por 84 câmeras instaladas em janeiro nas vielas da favela.

Quando detectam alguma ilegalidade, ou pressentem a possibilidade de crime, acionam a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

Com um joystick, o PM aproxima a imagem para se certificar de que não há nada errado. Não encontra nada. Pouco depois, o grupo de jogadores se dispersa.

A rotina dos plantonistas que se revezam para monitorar a Rocinha em turnos de 12 horas às vezes é sonolenta, como constatou a Folha ao acompanhar, durante dez dias e em horários alternados, o trabalho dos policiais.

Nas primeiras semanas de instalação do que os próprios PMs chamam de "Big Brother da Rocinha" os plantões eram um pouco mais animados.

"Chegamos a flagrar um jovem roubando uma mercearia. Visualizamos na câmera, alertamos os policiais e o prendemos", afirmou um policial militar.

Outro momento de tensão para os plantonistas aconteceu em fevereiro, quando as lentes captaram um grupo de homens armados, vestidos com uniformes pretos, semelhantes aos do Bope, caminhando no topo da favela.

Uma operação foi montada para conter a "invasão" -imaginou-se que traficantes tentavam retomar parte da favela, ocupada por forças de segurança desde novembro de 2011.

Mas eram, na verdade, jovens da zona sul que aproveitavam a região pacificada para jogar uma partida de paintball, no qual duas equipes se enfrentam e vence quem eliminar mais adversários -com tiros de tinta.

Quatro meses depois da instalação das câmeras, cuja manutenção custa R$ 98 mil por mês, os flagrantes diminuíram. Moradores -e aqueles com eventual intenção de burlar a lei- sabem onde os equipamentos estão.

Isso não faz com que o criador do BBB Rocinha, major Edson Santos, comandante da UPP, ache que seu projeto não seja parte importante da tentativa de manter a paz.

"Com elas, aumentamos a vigilância. Quem está envolvido com coisas erradas muda de comportamento. Por isso, as ocorrências diminuíram", afirma.

Segundo ele, antes das câmeras, havia notícias de dois a três casos diários de furtos na Estrada da Gávea, via que corta a favela. "Com as câmeras, o número de denúncias baixou para zero", diz.

Agora, o que se vê nas telas são grupos de evangélicos caminhando pela rua 2, turistas atravessando a Via Ápia na madrugada de sábado e outras cenas banais.

O tédio e o cansaço batem nos plantonistas. "O sono está me torturando", diz o soldado, após três horas de plantão numa noite de sexta.

Para evitar que seus subordinados caiam no sono, o major Santos criou o "BBB do BBB". No início de abril uma câmera foi instalada na sala de monitoramento e, de seu tablet, ele acompanha o trabalho dos policiais.

Quem dormir ou se atrasar é afastado do projeto. A partir do que vê, Santos decide se vai "explodir" um plantonista -termo usado pelos PMs para falar daqueles desligados do "BBB da Rocinha".

"A tropa é grande e a vigilância tem que ser o tempo todo", diz o major.

A preocupação aumentou depois que dois PMs foram baleados na favela, no início do mês. A movimentação dos criminosos, armados com fuzis, estava longe do alcance das câmeras.

Os confrontos aconteceram em uma parte da favela conhecida como Roupa Suja. Lá, onde não foram instalados equipamentos de vigilância, traficantes se escondem, armados com fuzis.

Outra preocupação dos policiais da UPP da Rocinha agora é com a possível volta do grupo envolvido na invasão do Hotel Intercontinental, em São Conrado, em 2010.

No fim de abril a Justiça deu habeas corpus para nove invasores do hotel, supostamente integrantes da quadrilha do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem.

A soltura trouxe de volta o medo. Moradores que se sentiam confortáveis com a presença dos PMs e das câmeras, agora evitam falar com jornalistas. "Estão me vendo com as câmeras? Deixa isso pra lá", diz um morador.


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