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Cotidiano

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O guardião da Cantareira

Funcionário do parque, Orlando Ferreira Amaral mora na reserva há 35 anos, no meio da mata e agora pode ter que sair

DANILO VERPA DE SÃO PAULO

É à luz de uma vela que Orlando Ferreira Amaral, 73, se arruma para trabalhar. Acorda às 4h, liga seu "companheiro tecnológico"(um rádio AM/FM a pilha), veste o uniforme e prepara o café.

Antes de o sol nascer, segue dez minutos por uma trilha na mata fechada que ele próprio abriu, além de dez minutos por estrada de terra.

Numa das mãos, carrega o rádio. Na outra, uma lanterna parar iluminar o caminho.

Amaral não está na Amazônia. Seu destino é a portaria do núcleo Águas Claras, no Parque Estadual da Cantareira, a só dez quilômetros do marco zero de São Paulo, onde trabalha desde 1972.

Amaral não só trabalha, mas também vive na reserva há 35 anos. Mora no meio de uma floresta tropical de quase 8.000 hectares, sem vizinhos num raio de pelo menos quatro quilômetros.

Nunca teve energia elétrica. Amaral se mudou para lá quando tinha 38 anos, junto da mulher, Lourdes, hoje com 79 anos, e cinco filhos.

Dedicou-se a demarcar os limites do parque, espantar caçadores e abrir trilhas.

"Não sei como vai ser viver longe de tudo isso. Vou sentir falta do sossego e do barulho de passarinho."

Depois de 35 anos, Amaral e a família terão que deixar o parque. No dia 11 de julho, a Fundação Florestal, responsável por administrar a área, pediu que eles desocupassem, em 30 dias, a casa.

O prazo já acabou, e o destino de Amaral, Lourdes e os dois filhos que vivem com o casal ainda é incerto.

Ex-funcionário da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Amaral era guarda até 2010. Quando completou 70 anos, foi exonerado pelo Estado, conforme a regra para servidores.

Desde então, o aposentado continua na portaria do Núcleo Águas Claras do parque da Cantareira, agora contratado por uma empresa terceirizada. Perdeu, entretanto, o direito de morar ali.

Procurada, a Fundação Florestal informou que Amaral não pode viver nas dependências da reserva porque não faz mais parte do quadro de funcionários do Estado.

Quando chegou à Cantareira, Amaral era vigia. Tornou-se chefe de fiscalização, à frente de uma equipe de quatro guardas. Realizava expedições na mata para coibir caçadores, invasores, demarcar as áreas e fazer abertura e manutenção de trilhas.

O guarda coleciona histórias: trocou tiros com bandidos que se refugiavam ali. Por pouco não perdeu a visão depois que um caçador lhe desferiu um golpe de faca.

A administração da reserva reconhece sua importância. "Se hoje não existe invasão no parque da Cantareira, muito se deve ao trabalho dele", afirma Vladimir Arrais de Almeida, atual gestor da área.

ROTINA

A família --além de Amaral e Lourdes, vivem ali a filha Marília, 47, e o filho Marco Aurélio, 46-- leva uma vida simples. Cada morador tem seu próprio maço de vela, rádio e lanterna.

A renda vem dos ganhos de Amaral (com aposentadoria e emprego atual) e do filho, que trabalha em uma loja.

Sair de casa dá trabalho. São 5 km até a portaria principal. Marília, que tem deficiência física, passa a maior parte do tempo na casa. Vez ou outra, visita seus parentes.

Marco faz o trajeto todos os dias. Para ir ao trabalho, no bairro vizinho, anda por uma hora para chegar ao portão.

Lourdes quase não sai. É responsável pela comida e por acender o fogão a lenha para a água do banho, pontualmente às 15h.

Amaral se divide entre capinar o terreno e preparar os galhos que queimarão no forno. Sempre que pode, dá um pulo na civilização para resolver questões da aposentadoria, fazer as compras ou uma "fezinha" na Mega-Sena.

O isolamento não é problema. Ele reconhece a falta que faz a energia elétrica, que os priva de ter bomba de água, chuveiro quente e geladeira. Mas não entende a indignação de quem o questiona sobre como é viver sem TV.

Amaral diz não se sentir alheio ao mundo. Conhece "esses celulares novos", mas não sabe como funcionam.

Nunca mexeu num computador e, sobre a internet, ouviu dizer que "se você não sabe alguma coisa, vai lá na internet e descobre na hora".

Sociável, está sempre de papo com funcionários e visitantes do parque, embora prefira os bichos.

"É muito melhor estar com os animais. Você nunca sabe a intenção do ser humano. A do bicho, eu já conheço."


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