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Pasquale Cipro Neto

As 'assossiações' e o 'propusendo'

Será que nenhum dos engomados tubarões da FPF pensou em dar uma olhadinha nos papeizinhos?

Que há muito tempo (ou desde sempre) o futebol brasileiro é caso de polícia é fato mais do que sabido. Falcatruas de toda sorte (ou azar) permeiam a história do nosso glorioso futebol --talvez mais fora do que dentro do campo de jogo.

Mas o futebol vai além das falcatruas. Desta vez, o esporte bretão nos deu uma demonstração mais do que explícita do alto grau de letramento da nobilíssima FPF (Federação Paulista de Futebol). Na semana passada, durante o sorteio dos grupos do Campeonato Paulista de 2014, organizado pela FPF, a querida Lusa e a velha Macaca viram o substantivo "associação", que inicia o nome completo das duas agremiações, virar "assossiação".

A perseverante Lusa virou "Assossiação Portuguesa de Desportos"; a Macaca se transformou em "Assossiação Atlética Ponte Preta".

Até o Microsoft Word, que é meio burrinho, corrige automaticamente o termo "assossiação". Para manter o erro no texto escrito no computador, é preciso voltar e trocar a "intrusa" letra "c" por "ss", para ser fiel ao sistema ortográfico da FPF.

Estudiosos dos fatos da língua sabem bem que nem de longe a ortografia é o item mais importante quando se avalia um texto produzido por um aluno. Quem já leu duas linhas do que escreveu o grande Paulo Freire sabe que o Mestre não exercia pedagogia demagógica. Dizia ele que a escola não pode ridicularizar ninguém pela língua que traz de casa ou pelo pouco domínio da ortografia oficial, mas ressaltava sempre que era função da escola prover o aluno dos conhecimentos relativos à língua padrão.

Será que os papeizinhos que as mocetonas tiravam dos potes foram produzidos por gente de poucas letras ou pouco familiarizada com a grafia padrão, ou seja, por gente que ainda está em processo de alfabetização? Será que "associação" é uma palavra de uso tão raro que justifique a falta de memorização da grafia padrão? Será que é tão difícil imaginar que o "c" de "sócio", palavra da mesma família de "associação", permanece nesse vocábulo? O fato é que é triste constatar que volta e meia eventos públicos nos escancaram a brutal dificuldade que há no Brasil no trato com as coisas da língua. É vexame atrás de vexame. É jogo duro, duríssimo!

Será que nenhum dos tubarões da FPF, certamente mais habituados a outras letras (as hipotecárias, imobiliárias, do tesouro, de câmbio, de crédito agrícola, de crédito imobiliário etc., etc., etc.), pensou em dar uma vista-d'olhos nos benditos papeizinhos? E, se dessem uma vista-d'olhos, será que demonstrariam que o que conhecem do sistema ortográfico é semelhante ao que conhecem de lógica, ou seja, zero?

Explico o que eu quis dizer quando falei de lógica: o regulamento do Campeonato Paulista de 2014 é uma verdadeira aula de falta de raciocínio (e de outras coisas). Se você gosta de desafios de lógica, leia o regulamento do certame e descubra você mesmo os inúmeros furos que lá há.

Ainda no território futebolístico, preciso citar uma pérola que ouvi na terça-feira. No Senado, debatia-se a criação de uma CPI do futebol, que analisaria os gastos com a Copa do Mundo etc. Lá pelas tantas, um cartola/senador vocifera: "Eu liguei pra ele, me propusendo a fazer isso". Como são terríveis essas esparrelas da língua! Dá-lhe, bola!

Como diz o filósofo Muricy, a bola pune. Pune até quem "capricha" e usa um verbo meio chatinho ("propor", chatinho como todos os que fazem parte da família do verbo "pôr"). O nobre senador misturou as bolas (olha o futebol aí!). Pegou o futuro do subjuntivo de "propor" ("se eu propuser, se tu propuseres, se ele propuser, se nós propusermos, se vós propuserdes, se eles propuserem") e fez dele a base para o gerúndio, que virou "propusendo" (a forma correta é "propondo"). E dá-lhe, bola! É isso.


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