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Oscar Vilhena Vieira

Justo prato

É muito difícil passar ileso por um sistema prisional caótico e medieval, como o brasileiro

Dias antes do Natal, compareci a um evento gastronômico inusitado. Alex Atala e Daniel Hertz diplomavam trinta novas chefes de vários países. Em um dos discursos fez-se um paralelo entre a vida e um prato de comida: quando montamos nosso prato com ingredientes limpos, saudáveis, gostosos e bonitos fazemos uma boa refeição. Da mesma forma a vida é resultado daquilo que escolhemos nela inserir. E concluiu: um prato, como a vida, tem que ser justo.

Nunca havia escutado alguém se referir a um prato como justo. Mas o inusitado da formatura gastronômica não se limitou à intrigante frase, mas sim ao fato de que estávamos na Penitenciária Feminina do Estado, na presença do futuro presidente do TJ, Renato Naline, as formandas eram todas detentas, a maioria por "tráfico", e a frase vinha da diretora do estabelecimento.

O sistema prisional brasileiro apresenta um quadro explosivo. São mais de meio milhão de presos. Somente 54% condenados. Os demais aguardam julgamento em cadeias públicas e centros de detenção provisória. Nos últimos dez anos houve um crescimento de 320% da população carcerária. Parte desse crescimento se deve a uma legislação ultrapassada sobre drogas, que promove a prisão em massa de "mulas", meros transportadores de pequenas quantidades, e não de verdadeiros traficantes.

Também falta à política criminal uma capacidade de ser mais seletiva, reservando o cárcere apenas àqueles que cometeram crimes mais graves. A insuficiência das Defensorias Públicas contribui para a falta de um controle mais estrito de quem deve ir e ficar na cadeia. Em São Paulo, cada defensor cuida de 17 mil processos de execução.

As condições de encarceramento não poderiam ser piores. Marcos Fuchs, do Instituto Pro Bono, que tem visitado presídios em todo país, relata a presença generalizada de doenças como sarna, tuberculose e mesmo lepra. A higiene é precária. Em alguns presídios, pessoas comem e defecam nas mesmas vasilhas. Os conflitos entre facções potencializam a violência, tendo ressurgido a prática de decapitações. A revista dos familiares é vexatória.

Há duas formas de se pensar a questão carcerária. A primeira foca na punição e no sofrimento daquele que cometeu o crime. Quanto mais criminoso preso, melhor. Quanto pior a prisão, melhor. Talvez está seja a perspectiva da maioria.

A segunda maneira de analisar o problema é perguntar o que é melhorar para a comunidade? Intuo, mas não posso afirmar, o que pensam Atala e Hertz sobre esta questão. Sei apenas que, mais dia menos dia, os mais de quinhentos mil presos deixarão o cárcere. A maior parte deles voltará a cometer outros crimes, eventualmente mais violentos. Afinal, é muito difícil passar ileso por um sistema prisional caótico e medieval, como o brasileiro. Nesse sentido não há pior investimento contra a segurança de nossos filhos do que manter em plena expansão esse perverso sistema prisional.

Como sociedade precisamos escolher se preferimos fazer o preso sofrer a curto prazo ou se preferimos nos alto flagelar a médio e longo prazo? Com que tipo de egressos queremos nos deparar: aqueles que deixam o inferno prisional todos os dias ou com as 30 novas chefes, que eventualmente nos servirão um justo prato?


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