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Minha História - Odele Souza, 65

Vidas sugadas

16 anos, mãe cuida da filha que entrou em coma irreversível depois de ficar presa no ralo da piscina; hoje, ela luta por mais segurança

RESUMO Há 16 anos, a secretária-executiva aposentada Odele Souza, 65, viu a filha Flavia, à época com dez anos, entrar em coma irreversível após ter os cabelos sugados pelo ralo da piscina do prédio onde moravam, em São Paulo. Conseguiu provar que o condomínio havia mudado inadvertidamente o sistema da piscina e, depois de 12 anos de batalha judicial, recebeu direito a indenização.

(...) Depoimento a

CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO

Era 6 de janeiro de 1998. Fazia calor e minha filha desceu para a piscina com outros três adolescentes. Ela sabia nadar desde pequena. De repente, ela mergulhou e a sucção do ralo a prendeu pelos cabelos no fundo da piscina.

Os colegas estavam de costas e não perceberam que ela se afogava. Não sabemos quanto tempo se passou até que um vizinho a viu pela janela e gritou.

Meu filho tentou puxá-la, mas ela não vinha porque estava presa pelo cabelo no ralo. Precisou arrancar uma mecha para soltá-la. Já estava inconsciente, com parada cardiorrespiratória, roxinha.

Chamamos o resgate, ela foi levada para o hospital e ficou 35 dias na UTI. Ao todo, foram oito meses de hospital até voltarmos para casa com home-care. Ela nunca saiu do que os neurologistas chamam de coma vigil [estado vegetativo permanente].

Respira sem ajuda de aparelhos, mas não fala, não se move, só se alimenta por sonda, todas as secreções precisam ser aspiradas.

Comecei a investigar o que tinha acontecido. Procurei nove advogados e nenhum quis abraçar a causa. Há 16 anos, ninguém tinha ouvido falar sobre isso. O décimo advogado, após pesquisar casos semelhantes no exterior, assumiu o caso.

Começamos uma batalha judicial, onde processei a seguradora do condomínio, o condomínio e o fabricante do equipamento de sucção.

Após uma perícia determinada pela Justiça, descobrimos que, por sua conta e risco, o zelador tinha trocado o motor da bomba de sucção da piscina por outro mais potente. Essa troca foi feita sem nenhuma orientação técnica.

Também processei o fabricante do ralo porque uma empresa que fabrica e comercializa produtos que podem colocar em risco à vida precisa colocar alertas.

Enfrentei uma batalha judicial de 12 anos, passei muitas dificuldades financeiras e nunca me conformei com o que tinha acontecido. Em 2012, o condomínio e a seguradora do condomínio foram condenados. É com o dinheiro da indenização [ela não revela o valor] que eu consigo manter a estrutura para cuidar dela, com técnicas de enfermagem e fisioterapeuta.

Minha rotina é bastante espartana. Acordo às 5h15 para dar a primeira refeição à Flavia, por sonda, às 5h30. Às 8h, chega a técnica em enfermagem. Após as 20h, sou eu que cuido dela sozinha.

Fico com um olho aberto e outro fechado. Desenvolvi uma audição muito aguçada. Se ela faz qualquer ruído, pulo da cama e corro até ela.

PROJETO

Depois de anos de um profundo luto, comecei a perceber que outras crianças estavam sendo vítimas do mesmo tipo de acidente. A maioria não é fatalidade, é por negligência. E não dos pais.

Em 2007, decidi criar um blog [www.flaviavivendoemcoma.blogspot.com.br] para alertar as pessoas para o perigo das piscinas e contar o dia a dia dos cuidados com a minha filha.

Comecei a pesquisar muito sobre legislação e, em 2010, vi que estava tramitando na Câmara dos Deputados um projeto de lei para tornar as piscinas mais seguras no país, mas que não tratava da questão dos ralos, das cercas de proteção e salva-vidas.

Eu me juntei a dois peritos em segurança de piscina para fazer um projeto técnico.

Em 2011, entregamos ao deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), mas nada aconteceu desde então [o parlamentar diz que está tentando apressar a tramitação da matéria e submetê-la à votação em plenário até março].

Acredito que, se esse projeto já tivesse sido votado e aprovado, todos esses acidentes poderiam ter sido evitados. A lei por si só não funciona, precisa ser seguida de fiscalização e punição.

É um absurdo que 16 anos depois do acidente as piscinas continuem verdadeiras armadilhas submersas.

Vou continuar lutando para ver essa lei aprovada e funcionando. É uma forma de resgatar a cidadania da minha filha que foi roubada. Lembro-me da vozinha alegre dela e começo a imaginar o que ela poderia estar fazendo hoje adulta.

Com o blog, é como se eu estivesse dando voz à minha filha. É como se, mesmo em coma, ela estivesse agindo, atuando. É a nossa janela para o mundo.


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